Redação (26/04/2010, Virgo Flos Carmeli) Quis a Divina Providência que uma Missa marcasse o início da História da maior nação católica do mundo. Pois, de fato, dos méritos infinitos do sacrifício incruento que se renova sobre o altar, ou seja, da Eucaristia, procedem e se ordenam, como a seu fim, todas as grandes obras da História da Igreja. (Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 10).
A primeira Missa no Brasil foi no iluminado dia 26 de abril de 1500, domingo da oitava de páscoa, quando os portugueses encontraram um ilhéu seguro – o da Coroa Vermelha – onde poderiam celebrar a primeira Missa no Brasil. Hoje, a ilhota não existe mais. Devido ao movimento das marés o ilhéu da primeira Missa se uniu a terra formando uma ampla e alva praia.
Em uma carta dirigida ao Rei de Portugal, D. Manuel, o venturo, Pero Vaz de Caminha, escrivão mor da esquadra, narra todos os detalhes do episódio que marca o início da História do Brasil. Ao ler estas linhas, observa-se um profundo espírito evangelizador, como Margarida Barradas de Carvalho observa, “o tema da obrigação de levar a palavra de Cristo a seres humanos, vivendo na ignorância, se coloca em toda a sua pureza realmente cristã”.[1]
Após 47 dias de viagem pelo Atlântico, todos os preparativos para Missa estavam terminados. Frei Henrique com os demais clérigos a celebrou em “voz entoada”. Eram oito missionários franciscanos e alguns sacerdotes seculares entre os quais um vigário destinado a Índia[2]. Sob um belo docel, ergueram “um altar mui bem corregido”[3]. O capitão Pedro Álvares Cabral com “a bandeira de Cristo”, convocou todos os seus 1000 subalternos, oficiais e marinheiros “muito bem escolhidos e armados”[4], enquanto que na praia do continente, cerca de duzentos índios acompanhavam atentos tudo o que se passava na ilhota. Relata Caminha que a missa “foi ouvida por todos com muito prazer e devoção”[5].
Terminada a cerimônia, desparamentou-se o sacerdote e subindo em uma cadeira alta fez “uma solene e proveitosa pregação”[6] à assembléia a sentada sobre fina e branca areia do aconchegante litoral baiano. Descreve Pero Vaz de Caminha que “tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja a obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção”[7].
Nos dias subseqüentes, 27 de abril a 1º de maio, os portugueses desbravaram a nova terra e estabeleceram afetuosas relações com os indígenas. Trabalhavam em escupir uma grande cruz de madeira. Os indígenas, impressionados com os instrumentos de metal, contemplavam o trabalho. O capitão, membro da ordem de Cristo, recomendava que os portugueses se pusessem de joelhos diante da Cruz e a beijassem[8] para que os indígenas entendessem a veneração que os homens do mar tinham pelo símbolo Cristão. Um após o outro, todos os lusos oscularam-na. Ao convite dos portugueses os dez ou doze nativos que aí estavam fizeram o mesmo, com tal inocência e candura que os portugueses ficaram muito tocados, como descreve o relato de Caminha, ao Rei de Portugal, “Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logos cristãos. E, portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar, aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de vossa alteza, se hão de fazer-se cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Deus Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa. Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa Fé católica, deve cuidar de sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.”[9]
No segundo domingo pascal, dia 1° de maio, estavam concluídos os preparativos para a cerimônia de tomada de posse da nova terra pelas armas portuguesas. Encabeçado pelo capitão que portava a bandeira de Cristo, a Cruz foi conduzida, ao som de cânticos religiosos, até a foz do rio Mutari “para melhor ser vista”. Cerca de setenta indígenas assistiam o cerimonial. Ao verem os portugueses carregar a Cruz meteram-se embaixo dela para também ajudar. A sombra da Cruz, Frei Henrique celebrou a segunda Missa, desta vez no continente, na presença de todos os religiosos, oficiais, soldados e cerca de 150 índios. Conforme as partes da Missa, os indígenas acompanhavam todos os movimentos dos portugueses. Ajoelhavam-se e levantavam-se “em tal maneira sossegados, que certifico a Vossa Alteza nos fez muita devoção” relata Caminha. Permaneceram até a comunhão, quando o capitão e os seus receberam o corpo de Cristo. Um dos nativos com cerca de cinqüenta anos acenava aos outros índios apontando para o altar e para o Céu[10]. Após a pregação foram distribuídas cruzes de estanho para que os tupis pendurassem ao pescoço após oscularem-na e levantarem as mãos ao céu.
Pero Vaz de Caminha encantado com a receptividade e inocência dos índios escrevia ao Rei de Portugal: “segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer. Por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar porque assim já terão mais conhecimentos de nossa fé”.[11] Após a cerimônia, dois degredados os quais a justiça do Rei punira permaneceram entre a população enquanto as naus portuguesas partem. Uma vai a Portugal com a carta de Caminha e informações de navegação, aos outras continuam a missão para Índia a fim de restabelecerem as delicadas relações com os reis hindus.
A principal riqueza da terra
Em 1501, após ter viajado por toda a América, o florentino Américo Vespúcio comentava do litoral brasileiro que “se algures na terra existe o paraíso terrestre, não pode ele estar longe daqui”[12]. Pero Vaz de Caminha também relata as riquezas do Brasil. A vastidão, o clima e a fertilidade faz o escrivão mor exclamar: “dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. A região é formosa e agradável, com palmitos saborosos, belas aves, enormes camarões e madeira em quantidade, todavia, “sem ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal”[13]. Talvez, por esta última razão, a terra de Santa Cruz ficou relegada ao segundo plano no interesse luso, pois as especiarias da Índia e as riquezas da África rendiam muito mais que o pau-brasil. Contudo, o inteligente Pero Vaz de Caminha ressalta ao rei de Portugal, “o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”[14].
Quanto as maravilhas do litoral, a fecundidade da terra e as possibilidades de evangelização, Caminha vaticinou com precisão. Em um lento povoamento, portugueses, africanos[15] e o elemento nativo, miscigenaram-se formando um povo homogêneo. Acontecimento explicável por causa do fator que realmente une culturas tão diversas sob a bandeira de um único ideal: a religião católica. Ademais, contribuíram para esse resultado uma inumerável avalanche de padres seculares e religiosos de todas as ordens, que “vieram com a sua fé, a sua doçura e a sua perseverança, vencer a bravesa do íncola”.[16]
Em função da devoção Eucarística, clero e laicato realizaram este grande escopo. Atestam isto tantas Igrejas, suntuosas ou singelas, esparsas pelo Brasil, onde reflete-se a piedade eucarística dos primeiros brasileiros. Hoje, a Igreja colhe os frutos deste imenso esforço, deste “grande passado”[17], na expressão de Bento XVI. Observa o Pontífice que, “o Brasil ocupa um lugar muito especial no coração do Papa, não somente porque nasceu cristão e possui hoje o mais alto número de católicos, mas, sobretudo, porque é uma nação rica em potencialidades, com uma presença eclesial que é motivo de alegria e esperança para toda a Igreja.”
Realmente, o Brasil nasceu cristão. Como os relatos de Caminha deixam entrever, nas atitudes de indígenas e portugueses, a bondade, hospitalidade e generosidade características do espírito brasileiro é patente. Essa bondade provem do amor à Cruz. De fato, o mais alto símbolo da Fé Cristã não apenas pendia apenas ao pescoço de índios e europeus, mas também, protegia as velas das naus, abençoava o estandarte da ordem de Cristo e as armas de Portugal. Ela estava plantada na nova terra e reluzente no céu do cruzeiro do sul. Dir-se-ia que vendo tanta piedade, o Crucificado quis também estar presente nos dez primeiros dias do Brasil. Realmente, o Divino Mestre esteve presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade sob as espécies Eucarísticas. Foi com a Santa Missa que começou repleta de empreendimento e alegria; bondade e Fé, a História de um país que “nasceu cristão”[18] ajoelhado à sombra da Cruz, adorando a Jesus Sacramentado. Fato que cumpre aquilo do Papa João Paulo II (Ecclesiae de Eucharistia, n. 22), “Por tanto, la Iglesia recibe la fuerza espiritual necesaria para cumplir su misión perpetuando en la Eucaristía el sacrificio de la Cruz y comulgando el cuerpo y la sangre de Cristo. Así, la Eucaristía es la fuente y, al mismo tiempo, la cumbre de toda la evangelización, puesto que su objetivo es la comunión de los hombres con Cristo y, en Él, con el Padre y con el Espíritu Santo.(Cf. Homilias sobre la 1 Carta a los Corintios, 24,2: PG 61,200; cf. Didaché, IX,5: F.X. Funk, I,22; San Cipriano, Ep. LXIII,13: PL 4,384.)”
Marcos Eduardo Melo dos Santos – 2º Ano de Teologia
Referências Bibliográficas
ALTAVILA, Jayme. História da Civilização das Alagoas. Maceió: Biblioteca Publica Estadual, 1967.
BENTO XVI. Entrevista no Aeroporto de Guarulhos.
CALMON, Pedro. História do Brasil. t. 1, São Paulo: José Olympio, 1961.
DE CARVALHO, Margarida Barradas. L’idéologie relligieuse dans la “carta” de Pêro Vaz de Caminha. Em VAZ DE CAMINHA, Pero. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. São Paulo: Europa-América, 1987.
COMPÊNDIO DO VATICANO II. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
FERREIRA, Tito Lívio. História do Brasil. 3 ed. São Paulo: Nacional, 1946.
FONSECA, João Severiano da. Viagem ao redor do Brasil. v. 2. Rio de Janeiro: Bibliex, 1986.
JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia.
ROCHA POMBO. História do Brasil. t. 1, 13 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1966.
SANCEAU, Elaine. Capitães do Brasil. Porto: Civilização, 1956.
VAZ DE CAMINHA, Pero. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. São Paulo: Europa-América, 1987.
VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no Século XVIII, v. 1. Salvador: Itapuã, 1969.
ZWEIG, Stefan. Brasil, País do futuro. São Paulo: Delta, 1953.
[1] DE CARVALHO, Margarida Barradas. L’idéologie religieuse dans la “carta de Pêro Vaz de Caminha”. p.6.
[2] ROCHA POMBO, p. 17.
[3] VAZ DE CAMINHA, p. 73 e SANCEAU, p 15.
[4] ROCHA POMBO, p. 17.
[5] VAZ DE CAMINHA, p. 73.
[6] VAZ DE CAMINHA, p. 74.
[7] VAZ DE CAMINHA, p. 74.
[8] VAZ DE CAMINHA, p. 90.
[9] VAZ DE CAMINHA, p. 91.
[10] VAZ DE CAMINHA, p. 94.
[11] VAZ DE CAMINHA, p. 96.
[12] ZWEIG, p. 19.
[13] ZWEIG, p. 20.
[14] VAZ DE CAMINHA, p. 97. Ver também ZWEIG, p. 34.
[15] VILHENA, p. 51.
[16] ALTAVILA, p. 15.
[17] BENTO XVI, Entrevista concedida pelo Santo Padre aos Jornalistas durante o vôo para o Brasil. Qua 9 mai. 2007. Disponível em: www.vatican.va.
[18] BENTO XVI, idem.