Redação (16/05/2010, Virgo Flos Carmeli) Em meio a tantos afazeres que transformam a vida dos homens de hoje numa corrida exaustiva, passa-se um fato que vem interromper a rotina, apesar de ser tão comum em toda a história humana o nascimento ou a morte de um homem.
No primeiro caso, quando alguém nasce, todos se encantam, querem pegá-lo nos braços, dar sua sugestão para a escolha do nome, oferecer presentes, e reina em toda família uma grande alegria. No caso da morte , a dor da separação se instala, e a memória daquele que partiu desta terra, perdurará durante longo tempo no coração daqueles que lhe eram próximos.
Alguém que parasse para observar estas duas cenas tão diferentes e ao mesmo tempo tão comuns, poderia se colocar o seguinte problema: Este que agora deixa a vida, para que veio a esta Terra? E este que acaba de nela entrar, o que faz aqui? Ao ser expulso do paraíso, o homem levou consigo o castigo de a partir de então , ter que comer o pão com o suor de seu rosto, até que voltasse à terra de onde houvera sido tirado (Gn 3, 19).
Será somente isso a vida na Terra? Será a História apenas uma luta pela sobrevivência e uma sucessão de nascimentos e mortes, onde alguns fatos mais relevantes acontecem na medida em que os interesses políticos de uns são atrapalhados por outros, e que todos os fatos se avolumem caoticamente sem um sentido nem unidade?
O governo do plano divino
Em meio a tantos problemas que afligem a sociedade atual, o homem é levado muitas vezes, sem negar formalmente a existência de Deus, a achar que está abandonado à sua própria sorte e que os tempos vão se desenrolando naturalmente, esquecendo-se que ele foi criado por Deus, que por Ele deve orientar sua vida, olvidando-se de que tudo que existe é sustentado e dirigido pelo Criador.
A filosofia e a própria experiência demonstram que os seres racionais não podem realizar algo sem buscar um determinado fim. Assim, é evidente que “Deus, que é a Inteligência infinita e o Agente intelectual por excelência, teve que determinar um fim ao trazer à existência suas criaturas(…)”.[1]
Visto então que Deus tem um fim ao tirar do nada as criaturas, decorre necessariamente que tenha um plano de governo pois como explica o Pe. Ramière, “o plano é na verdade, a determinação da ordem no espírito do ordenador, e ordem, é a execução do plano nas coisas ordenadas. (…) Assim , se ao criar o mundo, Deus não tivesse um plano, a obra Divina em vez de ser uma obra admirável (por exemplo, no cosmos), seria um horrível caos, cuja desordem deveria ser atribuída ao próprio Deus. Esta hipótese é inadmissível por ir contra a razão e a experiência”.[2] Entretanto, como demonstrar pela história este governo Divino?
O problema do mal
A conhecida frase tão utilizada no final dos romances de que “viveram felizes para sempre”, nem sempre está muito de acordo com os fatos da vida real. O homem nesta terra vê-se continuamente afligido por dramas, dores e dificuldades e por isso, “a existência do mal no mundo é frequentemente invocada para negar a existência de Deus ou a realidade da Providência Divina”.[3]
Muitos são os erros de inúmeras correntes que ao longo da história tentaram dar a volta no problema do mal. É através da tradição judaica, no Antigo Testamento, e posteriormente com a tradição cristã, que se encontra o Bem sempre identificado com Deus, e o mal sendo uma privação de sua presença: “as trevas não são o contrário da luz, mas a sua privação”.[4] E como ensina Santo Agostinho: “o mal não é propriamente uma natureza, mas a corrupção dela. Uma natureza má seria uma natureza corrompida, mas não seria má enquanto natureza, e sim naquilo em que se degenerou”.[5]
Visto que o mal não existe enquanto uma natureza, mas enquanto ausência de bem, caberia ainda uma pergunta: Por que terá Deus permitido o mal em sua criação? Não sabia Ele, já antecipadamente da queda dos anjos e de nossos primeiros pais? “A quem pergunta – diz Journet – por que o poder de Deus não impediu, por algum milagre, o pecado do primeiro homem, o catolicismo responde que Ele preparava para compensá-lo sobejamente um milagre mais estupendo. Enfim, Deus jamais teria permitido a queda do homem – diz D. Estevão Bettencourt – se, no mesmo instante divino e eterno, não tivesse previsto a Redenção”.[6]
A maior prova do governo divino
A ousada e conhecida proposição de que Deus tira o bem do mal, encontra todo seu apoio no fato mais admirável de todos os tempos: a encarnação do Verbo no seio puríssimo da Virgem Maria. Se grande foi o desastre decorrente do pecado, sublime foi a solução encontrada pela Misericórdia infinita do Criador, pois Ele enviou ao mundo o seu Filho Unigênito, a fim de redimir todo o gênero humano, e é por isso que a Igreja não hesita em cantar “O Felix Culpa, que há merecido a graça de um tão grande Redentor”.
Com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, “a revelação de Deus entrou no tempo e na história, tornando-se assim esta, o lugar onde podemos constatar a ação de Deus em favor da humanidade”[7].
A vida e os ensinamentos de Cristo deitam uma luz sobre a existência do homem, apontando-lhe uma meta que pareceria inatingível se não fosse proposta pelo próprio Filho de Deus: “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”(Mt 5, 48). E é na medida em que a humanidade corresponda a este chamado, que a história terá o brilho e o esplendor que faça desta terra, um reflexo da vida celeste como Ele mesmo nos ensinou a rezar: “Venha a nós o Vosso Reino, seja feita sua vontade assim na Terra como no céu”(Mt 6,10), pois “há nos desígnios da Providência uma relação íntima entre a vida terrena e a vida eterna. A vida terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. Assim como a escola militar é o caminho para as armas, ou o noviciado é o caminho para o ingresso numa ordem religiosa, assim a terra é o caminho para o Céu”.[8]
Venha a nós o Vosso Reino
A consideração dos fatos que preenchem a história atual não pode causar outros sentimentos senão o de aflição e angústia. Por que uma sociedade tão caótica e injusta? Não será pelo fato de que os homens, cada vez mais, fazem menos caso dos ensinamentos deixados por Nosso Senhor Jesus Cristo, e procuram buscar os “valores” sobre os quais querem constituir a sociedade atual fora dos Seus preceitos? Onde encontrar o modelo de todo agir humano senão em Jesus Cristo? Somente Ele “revelou verdadeira grandeza, abaixando-se voluntariamente e colocando a sua glória a serviço de seus súditos. Apenas Ele elevou a dignidade da obediência ao nível da dignidade do comando. Apenas Ele provou aos ricos que o seu interesse verdadeiro deve levá-los a despojarem-se de seus bens em favor dos pobres. Apenas Ele provou aos pobres que podiam encontrar, na sua miséria, o princípio dos bens mais preciosos. Nas virtudes de que deu verdadeiro exemplo, o Homem-Deus apresentou aos povos a única defesa eficaz contra os vícios que os arruínam e corrompem”.[9]
Não é difícil compreender que na, medida em que os homens se afastam de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Santa Igreja, os desastres sejam inevitáveis. Santo Agostinho, em poucas linhas, traça a imagem de uma sociedade verdadeiramente católica: “imaginemos um exército constituído de soldados como os forma a doutrina de Jesus Cristo, governadores, maridos, esposas, pais, filhos, mestres, servos, reis, juízes, contribuintes, cobradores de impostos como os quer a doutrina cristã! E ousem [os pagãos] ainda dizer que essa doutrina é oposta aos interesses do Estado! Pelo contrário, cumpre-lhes reconhecer sem hesitação que ela é uma grande salvaguarda para o Estado, quando fielmente observada”.[10]
Seria impossível conceber uma sociedade mais perfeita. Se hoje em dia, os homens observassem os Mandamentos da Lei de Deus, não cairiam por terra tantos problemas que nos afligem e atormentam? Por outro lado, como conseguir uma solução para os dramas da atualidade, se os homens insistem em desprezar os preceitos Divinos? Entretanto, é justamente pelo fato do mundo de hoje se encontrar tão afastado dos ensinamentos de Cristo, que a intervenção Divina se faz mais necessária, e a confiança de que chegará o momento que Jesus Cristo e sua Igreja triunfarão, deve estar inteiramente posta nas mãos da “Providência Divina que obrigará novamente os mares a se abrirem de par em par, moverá montanhas e fará estremecer a Terra inteira, se tal for necessário para o cumprimento da Divina promessa: as portas do inferno não prevalecerão contra ela”[11] por isso, a oração daqueles que creem em Jesus Cristo e em sua Santa Igreja deve redobrar o fervor e com os joelhos por terra dizerem cheios de confiança: “Venha a nós o Vosso Reino”.
Anderson Fernandes Ferreira – 2º Ano de Teologia
[1] MARIN, Antonio Royo. Teologia Moral para Seglares. Moral fundamental e especial. Bac. Madrid. 1957. Tradução nossa. p.22.
[2] RAMIÈRE, Henri. O Reino de Jesus Cristo na História. Porto: Civilização, 2001. p.36.
[3] JOLIVET, Régis. Manual de Filosofia, Metafísica. Rio de Janeiro: Agir, 1972. p. 427.
[4] AQUINO, Tomás de. De Malo, I, a. 1, ad. 5.
[5] FAITANIN, Paulo. O mal, perda do Bem. Apresentação do livro ‘Sobre o mal’, de São Tomás. Rio de Janeiro: Sétimo selo. 2005. p.XVI.
[6] FAITANIN, Paulo. Op. cit. p.XVIII.
[7] JOÃO PAULO II. Fides et Ratio: carta encíclica. Disponível em:<www.vatican.va>. Acesso em 18 mar. 2009.(11)
[8] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O Reino de Cristo. Catolicismo, São Paulo, jan. 1951.
[9] RAMIÈRE, Henri. O Reino de Jesus Cristo na História. Porto: Civilização, 2001. p. 190.
[10] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Op. cit.
[11] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O legionário, São Paulo, 25 de abril de 1943.