“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça. E disse em seguida ao homem: ‘Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa”[1].
Redação (19/07/2010, Virgo Flos Carmeli) Assim começava o imenso, secular, e sobremaneira grandioso drama da história da humanidade. Nossos primeiros pais pecaram, e nos deixaram uma amarga herança que, até o fim dos tempos, pesará em nossas tendências, em nossa psicologia, em nosso inesgotável combate contra a concupiscência que está em nós, atraindo-nos constantemente para o que é pecaminoso.
Estaria terminada – poderíamos pensar – qualquer esperança do homem de poder restituir o que havia perdido? Nunca mais relacionar-se-ia a alma com Deus como antes do pecado original? Seu Criador, que tanto amou suas criaturas, lhes havia fechado as portas do céu por todos os séculos?
A resposta só pode ser negativa. Após quatro mil anos de fervorosa espera de patriarcas, profetas e almas justas, “surgiu para nós um Salvador”[2], para restituir esta ordem perdida. Aquele que podia dizer ao demônio, que introduziu a morte e o pecado no mundo: “Morte, eu serei a tua morte! Inferno, serei a tua ruína!”[3]. Muito além do que qualquer mente humana poderia conceber, este Salvador seria o próprio Deus feito carne, e que elevaria a natureza corrompida pela queda de nossos primeiros pais a um patamar de santidade e perfeição muito mais alto do que se não houvesse caído.
Parecerá ousada esta afirmação. Como se poderá fazer isso? Perguntariam certas almas que não têm fé na onipotência Divina.
Eis a resposta: pela paixão e morte na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, atos infinitamente meritórios, e por um instrumento – se assim a podemos chamar – que não tem uma mera força ou poder humano, mas ilimitado e divino: a Santíssima Eucaristia. São Pedro Julião Eymard, ardoroso devoto do Admirável Sacramento, ensina:
“A encarnação do Verbo no seio de Maria foi o prenúncio da eucaristia. O sol radiante das almas, que as há de vivificar e regenerar atingirá seu esplendor máximo no Augusto Sacramento. Se tudo no mistério da encarnação foi glorioso para Maria, tudo no mistério da Eucaristia é glorioso para nós.”[4]
Só este sacramento poderia dar aos homens a força necessária para vencer o pecado e o mundo, pois diz São Tomás, que da mesma forma que podemos preservar nosso corpo da morte futura, com o alimento e a medicina, ou defendendo-o dos inimigos exteriores, blindamos nossa alma da morte e do pecado por meio da Eucaristia, “que é sinal da paixão de Cristo, pela qual foram vencidos os demônios. Por onde nos diz São João Crisóstomo: Voltamos desta mesa como leões lançando chamas, convertidos em seres terríveis para o próprio diabo” (S. Th. III q. 79 a. 6)
Este sacramento “confirma o coração do homem no bem. Pelo que também o preserva do pecado” (Idem). Nossa luta contra nossas paixões, desde que estejamos unidos à Eucaristia, estão ganhas. Nosso adversário, vencido. Porque o efeito deste sacramento é incomensurável, “se deduz do que este sacramento representa, que é a Paixão de Cristo. Por isso, o efeito que a paixão de Cristo produziu no mundo, o produz este sacramento no homem.”( Idem, a. 1)
Quantas lutas enfrentam os homens a cada dia, a cada instante, para se manterem na trilha do bem. Onde haurirão forças para esta pugna entre o bem e o mal? Unidos à Eucaristia, poderá o demônio enganar-nos, como fez com nossos primeiros pais? Haverá uma tentação mais forte do que a força da Sagrada Eucaristia?
Diz São Pedro Julião Eymard: “Que proteção contra o demônio! É o sangue de Jesus que, enrubescendo os lábios, torna-nos terríveis aos olhos de Satanás; tintos no sangue do verdadeiro cordeiro, o anjo exterminador não poderá penetrar em nós!” (1938, p. 145). Assim, a dura lida que nos foi imposta pelo pecado original torna-se, pelos efeitos do convívio eucarístico, ocasião de triunfo e glória, maior do que se não tivesse havido pecado. Dessa maneira, se cumprem as palavras de Deus à serpente: “Ipsa conteret caput tuum”[5]. A Virgem Santíssima, que pelo seu Sim nos trouxe a Jesus Cristo, e assim, a Eucaristia, esmagará a cabeça do inimigo infernal.
Não resistimos em acrescentar aqui mais algumas palavras de São Pedro Julião, que nos enchem de surpresa e admiração:
“Jesus estabeleceu a Eucaristia para reabilitar o homem que se degradara pelo pecado original… que, senhor dos animais, a eles se assemelhou. (Assim), os idólatras tão vizinhos se sentiam dos animais, pelo pecado, que os tomaram por deuses. É então que surge a invenção divina, invenção admirável. (O homem) que recebe a comunhão, une-se a Jesus Cristo e torna-se infinitamente respeitável. Não receio afirmar que, pela comunhão, somos elevados acima dos anjos, senão em natureza, ao menos em dignidade; os anjos não passam de ministros de Jesus Cristo, enquanto nós, ao comungarmos, tornamo-nos membros da família de Jesus Cristo, outros Cristo. Sem o pecado original, jamais nos teríamos elevado desse modo pela comunhão.”(Idem, p. 92. Grifo nosso)
Também o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira tece uma bela consideração sobre este assunto:
Nem os mais altos Anjos do Céu têm com Nosso Senhor a forma de união que nós homens temos recebendo a Eucaristia. Um Anjo não pode comungar: ele não tem corpo. Ele goza até da visão beatífica, vê Deus face a face, está inundado de todas as graças do Céu, mas a Sagrada Eucaristia ele não tem (Conferência 5.1.74).
“Onde abundou o pecado, superabundou a graça”.[6] Todo o estrago em nós produzido pela insídia da serpente foi pedestal para que Nosso Senhor Jesus Cristo pudesse triunfar sobre o mal, e em nossas almas.
Alessandro Shurig – 3º Ano Teologia
[1] Gn 3, 14-15
[2] Lc 2, 11
[3] Ofício de vésperas do Sábado Santo
[4] EYMARD, São Pedro Julião. A divina Eucaristia, Tomos I-II. Petrópolis: Vozes, 1942. p. 56.
[5] Ela te esmagará a cabeça. Gn 1, 14
[6] Rm 5, 20