Redação (13/12/2010, Virgo Flos Carmeli) É mais fácil viver os dons do Espírito Santo do que explaná-los cientificamente, afirmou um eminente teólogo. Monsenhor João superou essa dificuldade, dando uma focalização inédita à sua tese de doutorado em Teologia.
Em sua tese O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, quis abordar o tema de modo original, apresentando, mais do que considerações abstratas sobre o dom de sabedoria, a força que ele adquire em quem o vive intensamente. Por isso, a tese está dedicada a analisar a ação do Espírito Santo em um dos maiores líderes católicos da História recente: Plinio Corrêa de Oliveira, “personagem importante para a história da Igreja do Brasil”, conforme destaca Frei Marcelo Neves, membro da banca examinadora.
Mantendo-se sempre no plano objetivo — como afirmam os membros da banca —, Mons. João dá seu testemunho pessoal sobre o dom da sabedoria em Plinio Corrêa de Oliveira, o que um convívio de 40 anos proporcionou-lhe observar detidamente. “Ninguém, como o Mons. João, seu filho, seu discípulo, podia explicar com tanto acerto esse segredo da vida e da obra do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira” — afirmou o padre Alberto Ramírez, outro examinador.
O padre Carlos Arboleda destacou outro ponto: a tese “tem o intuito de mostrar que a história da salvação não se dá separada da história humana, que a experiência da fé não se dá fora de uma existência que a interpreta e atua”. Mons. João expõe e escreve com equilíbrio e amor, e “faz obra de teólogo e não de simples cronista”, conforme observa o Frei Marcelo Neves.
A força do testemunho de Santo Antão: “Eu vi!”
Ao apresentar sua defesa, Mons. João mostra a eficácia do testemunho, superior à dos meros argumentos teológicos. Aduz, a este propósito, o valor que teve para os fiéis de Alexandria o exemplo de Santo Antão, proclamando a divindade de Cristo, na luta contra os arianos: “Santo Antão — afirmou na apresentação da tese — tinha visto misticamente a divindade de Nosso Senhor. Era ele um testemunho vivo dessa verdade de Fé. Santo Atanásio então mandou buscar Santo Antão e, na mesma noite em que este chegou à cidade de Alexandria, incontáveis cristãos e hereges reuniram-se na basílica para vê-lo. O nonagenário eremita, que pela mera presença impunha respeito, sentou-se perto do altar. Em seguida, o Bispo subiu ao púlpito e proclamou a divindade de Nosso Senhor. Subitamente, uma voz saída do meio da multidão protestou. Santo Antão ficou espantado com aquela indecorosa interrupção e pediu a tradução das palavras que ouvira, pois não compreendia o grego. ‘O Senhor’ — traduziram-lhe — ‘era apenas um homem, criado por Deus e sujeito à morte e à transição’. Santo Antão ergueu-se e exclamou: ‘Eu O vi!’. Um frêmito percorreu as naves da igreja: ‘Ele O viu! Ele viu a divindade do Senhor!’, diziam os fiéis de joelhos. A imponente voz desse homem, para quem a verdade sobrenatural da natureza divina de Cristo se tornara quase uma evidência em virtude de uma visão sobrenatural, mais que toda a bela e lógica doutrina exposta no Concílio, foi o maior golpe que recebeu a heresia. Eis um exemplo do valor e da contribuição de um testemunho vivo”.
Origem da tese, o testemunho do Autor: “Eu vi!”
Após tal introdução, Mons. João continua: “Ora, mutatis mutandis, deve-se dizer que esta tese nasceu também de um testemunho do Autor”. Lembrando-se com entranhada emoção do dia 15 de março de 2005, em que, antes de ser ordenado diácono, pronunciou sua profissão de Fé no Altar da Cátedra na Basílica de São Pedro, deixou consignado no primeiro capítulo da tese: “Pois bem, enquanto a pluma desliza sobre o papel para redigir estas linhas, novamente se encontra a mão esquerda do Autor sobre as Escrituras Sagradas e brota-lhe do fundo de sua alma esta declaração, dentro do mesmo espírito, seriedade e consciência do anterior juramento”. E o autor assevera que todas as transcrições das palavras de Dr. Plinio “correspondem à realidade de suas expressões durante esse período”, pois foram extraídas diretamente “do arquivo de suas conferências, comentários e conversas, além de seus escritos. Se algum exagero houver em minhas apreciações sobre ele, será por estar aquém de seus devidos limites”.
Em seguida, Mons. João pondera que se trata de uma verdadeira felicidade ter conhecido esse tesouro de exposições orais e escritas que se inserem nas explicitações doutrinárias elaboradas pela Santa Igreja, com base na Revelação, ao longo dos séculos. Entretanto — sublinha ele — havendo convivido, “ao longo de quarenta anos e muito de perto, com Plinio Corrêa de Oliveira”, foi também objeto de outra felicidade, e “muito digna de nota”: ter podido comprovar a “riqueza, esplendor e grandeza” dessas doutrinas “de forma viva”, ou seja, “produzindo seus efeitos na alma de um varão”.
O Reino de Deus
A tese inicia-se com uma exposição teórica sobre a graça e os dons do Espírito Santo, feita a partir deste episódio do Evangelho de São Lucas: “Os fariseus perguntaram um dia a Jesus quando viria o Reino de Deus. Respondeu-lhes: O Reino de Deus não virá de um modo ostensivo. Nem se dirá: Ei-lo aqui; ou: Ei-lo ali. Pois o Reino de Deus já está no meio de vós” (Lc 17, 20-21).
Neste diálogo tão simples estão implícitas duas concepções opostas do Reino de Deus: a dos fariseus, mundana, e a de Jesus, toda ela espiritual. São na realidade, duas formas de sabedoria que estão aqui presentes: a do mundo e a do Espírito Santo.
Inocência, a porta da sabedoria
Depois de apresentar os pressupostos doutrinários sobre o modo de operar da graça e dos dons do Espírito Santo nas almas, assim como dos efeitos especulativos e práticos do dom de sabedoria, o Autor passa aos dados biográficos, confrontando os principais episódios da vida de Plinio Corrêa de Oliveira com a doutrina teológica sobre o dom de sabedoria e a mística. Dessa forma, a narração deixa transparecer, como num compêndio, os efeitos do dom de sabedoria na alma de Dr. Plinio. Contrariamente ao que ocorreu a tantos místicos, que só alcançaram a plenitude desses efeitos após um longo percurso de ascensão espiritual, em Dr. Plinio a sabedoria manifesta-se já na mais remota infância, podendo-se afirmar que para ele a porta da sabedoria foi a inocência.
Alguns efeitos contemplativos da sabedoria patentearam-se especialmente na sua visualização da História, na qual Dr. Plinio sabia discernir com grande acuidade os “passos de Deus”. Para ele, o centro da História era Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Esposa Mística, a Santa Igreja, e da luta entre o bem e o mal decorria o verdadeiro rumo dos acontecimentos. Desse princípio básico deduziu a doutrina exposta em seu ensaio Revolução e Contra-Revolução. Outro efeito contemplativo da sabedoria era sua escola de pensamento, na qual apresentava uma concepção do universo sob dois aspectos, como se fossem duas asas do espírito: o doutrinário e o simbólico. Conforme Dr. Plinio gostava de lembrar, as perfeições divinas se refletem no universo constituindo um esplêndido mosaico, o qual a alma bem formada deve saber interpretar e do qual ela deve servir-se como meio de elevar-se até o Criador.
O “flash”, uma moção da graça sobre o dom de sabedoria
Um dos mais importantes fundamentos da espiritualidade de Dr. Plinio eram certas moções da graça que atuam sobre o dom de sabedoria, as quais ele chamava “flash”, por se assemelharem a uma luz que ilumina repentinamente o entendimento e inflama a vontade, produzindo um deleite espiritual intenso, um robustecimento do amor, intensificada apetência pelas coisas sobrenaturais e, em consequência, maior generosidade na prática da virtude.
Segundo a opinião de Dr. Plinio, essas graças místicas são franqueadas a todos os fiéis, mais frequentemente do que se pensa. Porém, uma formação excessivamente racionalista leva muitas pessoas a não darem importância às moções do Espírito, e a secularização das mentalidades induz a só prestar atenção aos valores materiais e ao gozo desenfreado da vida.
Caridade ardente, discernimento dos espíritos e profetismo
Alguns efeitos práticos da sabedoria manifestaram-se em Dr. Plinio nos frutos de sua ardente caridade. O zelo pela glória de Deus era como que o motor que o impulsionava constantemente a entregar-se sem descanso às obras de apostolado, à formação espiritual de seus seguidores e a fazer esforços incessantes pela perseverança deles na vocação. Esse zelo pela salvação das almas levou-o a oferecer-se como vítima a Deus, em 1975, visando obter graças superabundantes para o florescimento do movimento laical por ele fundado. Os padecimentos resultantes de um violento acidente de automóvel ocorrido três dias depois, cujas sequelas o impediram de caminhar até o fim da vida, foram o preço de sangue pago com alegria e inteira generosidade.
O carisma de discernimento dos espíritos, que fazia dele um inigualável diretor de almas, assim como o dom de profetismo, eram outros tantos efeitos práticos da sabedoria que nele se manifestavam. Seu carisma de profetismo ficou consignado em conferências públicas, em inúmeros artigos publicados em O Legionário, então órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, e noutros periódicos de grande circulação no Brasil, como a Folha de São Paulo, além de em suas reuniões diárias de formação.
Bem-aventurados os pacíficos
Ao dom de sabedoria corresponde, segundo o Doutor Angélico e a opinião comum dos teólogos, a sétima bem-aventurança: “Bem aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). A paz é a tranquilidade da ordem, como ensina Santo Agostinho. Por isso, o sábio procura estabelecer a ordem primeiro em seu interior e depois em torno de si, criando assim as condições para que reine a verdadeira paz. Foi esse o ideal de toda a existência de Dr. Plinio: a restauração da Ordem, segundo a Lei de Deus, na sociedade temporal. Daí decorreu, também, esta grande perplexidade: não ver a realização de seus mais ardentes anseios, ou seja, a efetivação da promessa feita por Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Co-ração triunfará”. O que equivaleria à instauração do reinado espiritual de Cristo na Terra.
Amor à cruz e configuração com Cristo
Quem abre a alma para a sabedoria abraça a dor, dizia Dr. Plinio. Pois é pelo sofrimento que o cristão se assemelha mais a Jesus Cristo, e essa semelhança é o principal e mais excelso efeito do dom de sabedoria. Para a mentalidade hedonista do homem moderno, é difícil compreender esta verdade e aceitar com resignação a dor. Isso levava Dr. Plinio a ressaltar, aos olhos de seus seguidores, a importância da cruz no processo de santificação: “Não devemos fugir da dor, como de um fantasma, mas entrar na série das ogivas do sofrimento ao longo da vida. Elas nos conduzem ao magnífico vitral da morte que se abre… e então vemos o Céu”. Essa impostação de espírito levou-o a dizer, no fim de sua vida: “Eu morreria desapontado se tivesse ideia de haver fugido de uma gota de dor”.
Essa determinação diante das adversidades manifestou-se, sobretudo, na resignação cristã com que enfrentou a última enfermidade. Embora pressentisse com alguns meses de antecedência seu fim próximo, e o declarasse a alguns de seus colaboradores, não alterou a rotina de suas intensas atividades, não acusou os sintomas da doença que lhe minava as forças, e avançou com confiança na Providência rumo ao “magnífico vitral da morte”, certo de ver o Céu depois de transpô-lo. Todos os padecimentos físicos e provações interiores de seus derradeiros dias foram suportados com uma serenidade, mansidão e dignidade que impressionaram vivamente todos quantos o assistiram no hospital até o momento extremo da partida para a eternidade. Pouco depois de exalar o último suspiro, sua fisionomia, até então marcada pela dor, iluminou-se com um discreto sorriso, fazendo transparecer uma notável expressão de paz, a confirmar a autenticidade do que ele mesmo ensinara e praticara: “É próprio do holocausto ser feito com tanta boa vontade que, na hora do consummatum est, floresce um sorriso”.
Estava consumada sua completa configuração com Nosso Senhor Jesus Cristo, o mais sublime efeito do dom de sabedoria.
Pe. Rodrigo Alonso Solera Lacayo EP
Professor de Teologia Moral no ITTA
1 Bento XVI, Discurso, 5/12/2008.
Para citar: O dom de sabedoria ao vivo. Revista Arautos do Evangelho. N. 108. Dezembro 2010. p. 22-25.