Redação (14/06/2011, Virgo Flos Carmeli) Seriam necessárias muitas linhas para contar todas as peripécias que levaram São Luís IX, rei da França, a concluir a edificação desse monumento. Desejoso de abrigar diversas relíquias da Paixão – entre as quais, a coroa de espinhos, um pedaço do Santo lenho, e até mesmo um dos cravos utilizados para a crucifixão – resolveu construir uma capela que se situaria ao lado do “Palais de la Citée” – primeira morada dos reis deste país.
Assim, numerosos arquitetos informados desse real anseio, vieram das mais longínquas partes da França e da Europa, desejosos de apresentar um digno projeto que agradasse o Santo Monarca. No entanto, uma terrível desventura sucedeu a um deles.
Quando estava a caminho de Paris, encontrou na estrada um confrade caminhando apressadamente. Entabulou-se, então, um diálogo, no qual se apercebeu que ambos possuíam o mesmo objetivo: apresentar um esboço da possível capela.
Conversa vai, conversa vem, e o relacionamento entre ambos foi-se estreitando. Em determinado momento os dois resolveram partilhar os desenhos destinados ao rei. Um deles ficou estupefato com a bela construção representada no papel de seu colega. Os arcos góticos, os enormes e elegantes vitrais de belíssimas cores, os arcs-boutants e todos os demais detalhes o maravilharam. Mas, aos poucos essa admiração se transformou em comparação. As conversas, outrora interessantes, se tornaram pedantes e difíceis; o interesse daquele de um em relação ao outro diminuía a cada instante, e a simpatia primeva deu vazão à funesta antipatia; as opiniões de seu talentoso confrade, outrora compartilhadas pelo mesmo ideal, tornaram-se incompatíveis, pois sua alma foi pervadida pela ambição e pelo desejo de ser o arquiteto escolhido.
De comparação em comparação, a inveja rapidamente apoderou-se dele. E assim, num local deserto e lúgubre, onde somente os sinistros ruídos do vento que movia folhas e galhos secos se faziam ouvir, a exemplo de Caim, o invejoso perdeu o controle de si mesmo, e esfaqueou o peito de seu infeliz colega. Em seguida pegou todos os papeis, e queimou-os um por um, continuando seu caminho.
Mas, como fica a questão da capela? Voltemos à estrada, não mais tranquila, que leva a Paris, e vejamos de que modo os acontecimentos se desenrolaram.
Alguns dias depois, o homicida chegando à cidade luz dirigiu-se ao palácio real. Após identificar-se na portaria do mesmo, pôde seguir até as escadarias que davam acesso à entrada principal. Subiu-as, e no momento de passar pelo umbral do imponente portal, sentiu uma misteriosa força impedindo-o de continuar.
Assustado saiu do palácio para tomar fôlego e desfazer-se daquela sinistra impressão. No entanto sempre que repetia a tentativa, a mesma força lhe barrava o caminho. Caindo em si, deu-se conta de seu crime e viu nesse fato um castigo imposto pela justiça divina ao seu infame ato. Desesperado, ao invés de procurar uma reconciliação com o seu Divino Redentor, entregou-se amargurado à bebida e passou a viver jogado nas ruas mais tortuosas e barrentas da Paris de então.
Certa noite, um jovem dominicano, ao sair do “Palais de la Citée”, aproximou-se desse infeliz, e depois de uma curta conversa, mostrou-lhe o deplorável estado em que ele se encontrava. Mostrou-lhe as alegrias do céu e da bondade infinita do Salvador. As saudades de uma vida pura na prática dos mandamentos e no verdadeiro amor ao Bom Pastor reacenderam-se em seu espírito. A graça tinha-lhe tocado no mais íntimo de seu ser através daquele sacerdote. Pediu-lhe, então, a confissão e seguindo seu conselho, tornou-se monge.
Tendo passado vários meses em profunda oração e penitência, deparou-se, certa feita, com um jovem rapaz – filho de um confeiteiro – cujo nome era Pierre e que costumava entregar deliciosos doces ao mosteiro. Há tempos que esse rapaz, cansado das guloseimas preparadas na confeitaria, almejava tornar-se um verdadeiro construtor de castelos e catedrais de pedra. Descobrindo as antigas habilidades desse monge, insistiu que lhe ensinasse os segredos de sua arte.
O arquiteto convertido, depois saber que o Rei ainda não havia escolhido nenhum projeto, procurou o confessor que lhe havia reconduzido à religião e contando-lhe a conversa que tivera com Pierre, pediu-lhe autorização para dar seus planos da capela ao jovem. Dizia ele: “se minha obra obtiver a benevolência real, Pierre terá assim a oportunidade de exercer uma profissão da qual ele é digno, e eu não, por causa de meu grave delito. Assim, poderei encontrar finalmente a paz, ao dar-lhe a oportunidade de realizar seu sonho de ser um arquiteto.” O monge dominicano concordou, e o filho do confeiteiro, após um longo período de treino, foi apresentar-se ao rei.
Os belos traços do desenho seduziram São Luis. Impressionado com tanta capacidade da parte de um arquiteto tão jovem, desconfiou de sua autoria, e perguntou-lhe se realmente tinha sido ele o idealizador dessa bela obra. Este, confessou-lhe que os planos pertenciam a outro, cujo desejo era permanecer no anonimato caso sua obra encontrasse graça perante sua majestade. Em contrapartida, apesar de sua idade prematura, ele era capaz de levar a cabo a construção. O monarca encantado com a atitude do verdadeiro artífice e com a sinceridade demonstrada por Pierre, aceitou. Assim, deu-se início às obras do belo relicário de pedras e vitrais.
Quanto ao verdadeiro idealizador, ninguém jamais soube seu nome, pois seu desejo foi inteiramente realizado. Só o monge que o tinha acolhido e recebido nos claustros do convento dominicano, passou para a história: era São Tomás de Aquino.
Esta bela história é conhecida como “a lenda do mestre de obras anônimo”. Quanto ao verdadeiro autor, não há informações sobre ele. Numerosos historiadores afirmam ser “Pierre de Montreuil” – arquiteto famoso daquele tempo – porém, não há documentos comprovando.
Raphaël Six – 4º Ano de Teologia