A Santíssima Trindade: Um mistério razoável (Parte III)

A Teologia tentando compreender o mistério

Redação (28/09/2012, Virgo Flos Carmeli) Vimos como Santo Agostinho tentou penetrar o mistério da Santíssima Trindade e como um anjo advertiu-o da impossibilidade de compreendê-lo plenamente.  Mas isso não impediu os teólogos, gregos e latinos, de tentar justificar do melhor modo possível à nossa inteligência humana esse mistério. Para isso se basearam na Revelação, auxiliados pela reta filosofia, especialmente no que concerne às noções de natureza e pessoa.

Seria longo explicar aqui o pensamento e a doutrina dos Padres gregos e latinos, sobre esse mistério. Nos limitamos apenas a alguns elementos da teologia da Trindade, remetendo o leitor à Suma Teológica de S. Tomás de Aquino (Parte I, Artigos 27 a 43)  para um aprofundamento.

Deus Pai, a Primeira Pessoa da Santíssima Trindade

Mesmo entre os povos não cristãos encontramos a crença de que existe um ser que criou o Universo e que o dirige.  Alguns chamavam esse ser de Pai, pois assim como o pai dá origem à família, Deus é a origem de tudo o que existe.

Nas Sagradas Escrituras também encontramos o termo Pai para se referir a Deus: “Não é ele teu Pai, teu Criador, que te fez e te estabeleceu?” (Dt 32,6).  “Acaso não é um mesmo o Pai de todos nós? Não foi um mesmo Deus que nos criou?” (Mal 2,10).

No Novo Testamento Deus é também chamado Pai, mas num sentido peculiar, pois é não só o nosso criador, mas por meio da graça santificante nos faz filhos participantes de sua mesma natureza divina, e portanto herdeiros de seu Reino celestial.  Com efeito, São Paulo em sua carta aos Romanos escreve: “Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai!”. É pelo Batismo que os homens recebem a graça santificante e se tornam filhos adotivos de Deus.

Mas o termo Pai é usado também para se referir a uma realidade excelsa, isto é à Primeira Pessoa da Santíssima Trindade, a qual juntamente com seu Filho Unigênito e o Espírito Santo é um só Deus e Senhor, na trindade da mesma substância. Essas três pessoas são iguais e realmente distintas apenas nas suas respectivas propriedades.  Pois o Pai não é gerado, o Filho é gerado pelo Pai e o Espírito Santo procede de ambos.

Quando dizemos que o Pai é a Primeira Pessoa, o Filho a Segunda e o Espírito Santo a Terceira, não devemos entender que na Santíssima Trindade uma pessoa existiu antes das outras. Na realidade todas as três são igualmente eternas. Assim, o Pai gera o Filho desde toda a Eternidade e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho desde toda a eternidade também.

E quando recitamos, no Credo, que o Pai é o criador de todas as coisas, isso não quer dizer que o Filho e o Espírito Santo não são o criador.  A criação é a obra em comum das Três Pessoas da Santíssima Trindade. Do Pai, como recitamos no Credo, do Filho, de quem as Escrituras dizem: “Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito” (Jo 1,3) e do Espírito Santo, quando lemos “O Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2)

Normalmente se atribui a criação particularmente ao Pai, porque a criação é efeito da onipotência divina a qual se atribui particularmente ao Pai, como se atribui a sabedoria ao Filho e a bondade ao Espírito Santo, embora todas as três Pessoas tenham a mesma onipotência, sabedoria e bondade infinitas.

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As processões em Deus

A Sagrada Escritura usa, em relação a Deus, palavras que significam processão. Nosso Senhor, por exemplo, diz “Eu saí de Deus. É dele que eu provenho, porque não vim de mim mesmo, mas foi Ele quem me enviou” (Jo 8,42).  Alguns entenderam erradamente essa processão no sentido de um efeito que procede de sua causa, ou como um ato que flui para fora de Deus. Mas como a fé nos ensina, por meio das Escrituras e da Tradição, que Jesus é Deus, tal processão deve ser entendida como algo que se dá internamente em Deus e que permanece em Deus.

Temos uma imagem desse tipo de processão na nossa inteligência, a qual, quando entende, pelo próprio fato de entender, faz proceder algo dentro de nós. Esse algo que procede é o conceito do objeto entendido. Tal conceito é denominado “verbo interior”, e se manifesta pelo verbo falado.

O Verbo de Deus: Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Mas o ato do entendimento humano é diferente do ato do entendimento divino.  Assim como dizemos que Deus não é apenas bom, mas que Ele é a bondade, assim também em Deus, o ato de inteligência é a própria substância dEle. E como o semelhante gera o semelhante, essa processão em Deus por via intelectual pode chamar-se geração.   Portanto o Verbo interior de Deus é gerado, conforme diz a Escritura, referindo-se a Jesus Cristo: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”. É por isso que dizemos que Jesus Cristo, o Verbo de Deus, consubstancial ao Pai, é o Filho de Deus.

Em palavras mais simples, Deus, ao pensar sobre si mesmo tem uma ideia de como Ele é. Tal ideia é o Verbo de Deus, “Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado e não criado, consubstancial ao Pai”, como recita o Credo Niceno-Constantinopolitano.

O Verbo de Deus se fez carne, conforme recitamos no mesmo Credo: “Por nós homens e para a nossa salvação, desceu dos céus; e se encarnou por obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; subiu aos céus, e está sentado à direita do Pai. De novo há de vir cheio de glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim”[1].

O Espírito Santo: Terceira Pessoa da Santíssima Trindade

Mas nos seres inteligentes, existe, além da operação da inteligência, a operação da vontade. Essa operação da vontade em nós envolve uma outra processão, isto é a processão do amor, pela qual o objeto amado permanece no amante.

Também em Deus, além da processão do Verbo, por via intelectual, há uma outra processão: a processão da vontade.

Esse segundo tipo de processão não pode ser chamado de geração.  Pois o ato da vontade difere do ato da inteligência. Neste, o objeto entendido reside no intelecto a modo de semelhança, enquanto que o ato de vontade se realiza não por meio da semelhança que o objeto amado tem com a vontade, mas por meio de uma certa inclinação da vontade em direção ao objeto amado.  Em outras palavras, a processão do intelecto se dá por meio de semelhança, e portanto se chama geração, enquanto que a processão da vontade não é por via de semelhança, mas por via de impulso e movimento em direção ao objeto amado.

Assim, o que procede em Deus por via de amor não procede enquanto gerado ou enquanto filho, mas enquanto “espírito” (spiratio) palavra que expressa um certo movimento vital e um certo impulso, como quando dizemos que alguém é movido ou impelido por amor a realizar uma ação.

É nesse sentido que o Credo diz que o Espírito Santo procede do Pai, e também do Filho, pois, como explica S. Tomás, sendo o Pai e o Filho em todas as coisas um, segue-se que o Pai e o Filho são o princípio do Espírito Santo.

O Pai gera o Filho, e por meio do Espírito Santo que procede de ambos, eles se amam mutuamente.

Ao considerar o Mistério da Trindade

Devemos ter em mente que não há erro mais fatal quanto aquele que se comete acerca da Santíssima Trindade, o mais profundo e difícil mistério de nossa Fé. De modo que, devemos manter escrupulosamente os termos empregados pela Santa Igreja para se referir a esse mistério: “Há um só Deus, em Três Pessoas, iguais e realmente distintas: Pai, Filho e Espírito Santo”.

Tudo o que Deus obra, fora de Si, na criação, é obra em comum das Três Pessoas e nenhuma delas faz mais do que a outra ou age sem a outra. Entretanto, nessas obras em comum das Três Pessoas, a Sagrada Escritura com frequência atribui algumas a uma pessoa, outras a outra pessoa. Assim, por exemplo, ao Pai se atribui o poder sobre todas as coisas, ao Filho se atribui a sabedoria e ao Espírito Santo o amor.

(Continua no próximo post)

Ronaldo Baccelli

Revisão: G. de Ridder


[1] Credo Niceno-constantinopolitano recitado nas solenidades litúrgicas.