O conhecimento de Deus segundo a Suma contra os Gentios de São Tomás de Aquino

Redação (23/09/2012, Virgo Flos Carmeli)

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Na Suma Contra os Gentios, São Tomás de Aquino explica que há três modos pelos quais o homem pode conhecer às coisas divinas. O Aquinense, como bom conhecedor da psicologia humana[1], relembra o princípio de que a alma humana tende naturalmente a Deus. Sendo assim, ele mostrará os três conhecimentos do homem referentes às coisas divinas: “o primeiro, enquanto o homem mediante a luz natural da razão e pelas criaturas sobe até o conhecimento de Deus; o segundo, enquanto a verdade divina que excede o intelecto humano, desce até nós pela revelação, não para ser vista como por demonstração, mas para ser crida como pronunciada por palavras; o terceiro, enquanto a mente humana é elevada à perfeita intuição das coisas reveladas”[2].

Enquanto o homem mediante a luz natural da razão e pelas criaturas sobe até o conhecimento de Deus.

Primeiramente o homem mediante a luz natural da razão e pelas criaturas obtém o conhecimento de Deus. Em outro trecho da Suma contra os Gentios, o autor faz uma analogia entre Deus e a arte ao afirmar que: “Pela meditação sobre as obras podemos admirar de algum modo e considerar a sabedoria divina: as coisas realizadas pela arte são representativas da arte, porque são realizadas à sua semelhança” [3]. De modo que podemos tirar daí uma metáfora interessante que pode exemplificar um pouco como o homem conhece a Deus pela luz natural da razão e pela suas obras. Quando vemos um belo quadro de arte, pintado minuciosamente nos seus mais belos detalhes e aspectos, vemos nessa bela pintura todos os traços produzidos pelo artista e entrevemos um pouco como é a psicologia do pintor. Mas jamais poderemos dizer que não houve um autor que a tenha feito. É o que acontece com o mundo criado. Porque ele reflete algo do seu Autor, e por isso São Tomás afirma: “Ora Deus, pela sua sabedoria, deu o ser às coisas, razão por que é dito: Tudo fizestes com sabedoria (Sl 103,24). Daí podermos, pela consideração das obras, recolher a sabedoria divina, que está como que espelhada nas criaturas por certa comunicação da sua semelhança”[4]. Se voltarmos novamente os olhos para a nossa metáfora, podemos tirar uma outra ideia que é a seguinte: Se o artista produziu uma magnífica obra é por que a sua  capacidade tem que ser tida como superior às coisas que ele faz[5], é o que diz o livro da sabedoria: “Se ficam admirados (os filósofos) da sua potência e das suas obras (isto é, do céu, das estrelas e dos elementos do mundo) compreendam que quem as fez é mais poderoso que elas” (Sb 13,4). Assim notamos como Deus criou de tal maneira o universo deixando ao homem vestígios para que este pudesse contemplar os inefáveis reflexos de seu Autor. Vejamos como São Tomás nos explica isso:

Como, no entanto, o bem perfeito do homem consiste em conhecer a Deus de algum modo, e para que uma tão nobre criatura não fosse considerada totalmente vã por não poder atingir o seu fim, foi-lhe dado um caminho pelo qual pudesse elevar-se ao conhecimento de Deus, a saber: como todas as perfeições das coisas descem de Deus ordenadamente, de Deus que é o vértice supremo de todas elas, também o homem, partindo das coisas inferiores e subindo gradativamente, deve progredir no conhecimento de Deus, pois também nos movimentos corpóreos há caminho pelo qual se desce e o caminho pelo qual se sobe, distintos em razão do princípio e do fim[6].

De modo que através dos objetos sensíveis que nos circundam, podemos subir gradativamente até Deus. Por isso a qüididade das coisas é o que primeiramente conhecemos e por meio dele chegamos até o nosso Autor e fim último. No entanto, São Tomás nos diz que há outros dois modos no qual o homem conhece às coisas divinas, passemos para o segundo.

Enquanto a verdade divina que excede o intelecto humano, desce até nós pela revelação, não para ser vista como por demonstração, mas para ser crida como pronunciada por palavras.

Conhecemos às coisas divinas, enquanto a verdade divina que excede o intelecto humano, desce até nós pela revelação, não para ser vista como por demonstração, mas para ser crida como pronunciada por palavras[7]. Pois conhecemos a Deus por intermédio de sua obra, mas não o conhecemos inteiramente. Eis o que diz São Tomás a respeito das palavras de Jó “Com efeito, quando Jó diz: isto que foi dito é uma parte dos seus caminhos (Jô 26,14), refere-se àquele conhecimento pelo qual o nosso intelecto sobe ao conhecimento de Deus pelas vias das criaturas. E porque conhecemos essas vias imperfeitamente, com acerto Jó acrescenta: é uma parte[8]. Continua São Tomás: “Como também diz São Paulo aos Coríntios: Conhecemos, agora, em parte (1Cor 13,9). E São Paulo continua: E se apenas ouvimos uma pequena gota das suas palavras, o Apostolo se refere ao segundo conhecimento, enquanto as coisas divinas nos são reveladas para serem cridas como por meio de palavras”.[9] De maneira que parece obvio que se todo o universo criado provém das mãos de um único Ser, é impossível que este não esteja, de alguma forma em contato com o seu Autor. No entanto o contrário se dá. O Criador do céu e da terra deixou não somente uma obra visível, na qual pela simples luz natural da razão o homem chegasse até ele, mas revelou também aos homens quem Ele é. E por isso Ele quis como que uma contribuição dos homens, ou seja, que eles cressem na sua revelação. A doutrina da Igreja Católica nos explica bem ao afirmar “Cremos por causa da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-se nem enganar-nos”[10]. E o Magistério da Igreja explicita: “Todavia para que o obséquio de nossa fé fosse conforme à razão, quis Deus que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados das provas exteriores da revelação”[11]. No Catecismo da Igreja católica, encontramos um trecho, no qual se explica esse ponto tendo como base o ponto de vista tomista: “Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas, mas, como diz São Tomás, a certeza dada pela luz divina é maior que a que é dada pela luz da razão natural (S. Th. II-II, q. 171 a.5 obj.3)”[12].

Enquanto a mente humana é elevada à perfeita intuição das coisas reveladas.

St TomasResta-nos agora o último ponto, em que a mente humana é elevada à perfeita intuição das coisas reveladas[13].  Seguindo o caminho trilhado por Tomás, vimos que a verdade revelada referente às coisas divinas não é proposta para ser vista, mas para ser acreditada. Não obstante, pelo fato do conhecimento imperfeito provir daquele conhecimento perfeito, no qual a verdade divina é vista em si mesma, enquanto nos é revelada por Deus por meio dos seus anjos. E pelo fato de não nos ser revelado todo o mistério visto na primeira verdade, conhecidos pelos anjos e pelos bem-aventurados, pois deles poucos mistérios nos são revelados, por isso acrescenta Jó nas suas palavras Pequena (palavras, comentadas por São Tomás na Suma Contra os Gentios. referentes a Jó 26,14[14]), também essas poucas coisas que nos são reveladas, nos são propostas por semelhanças e palavras veladas[15]. De modo que é através das coisas reveladas que intuiremos de modo mais perfeito a Deus e compreenderemos mais a Ele, pois o nosso fim último é louvar, amar e servir a Deus sobre todas as coisas, como consta no Evangelho de São Lucas: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento” (Lc 10, 27).

Conclusão

São Tomás demonstra que o intelecto humano não é capaz de conhecer as substancias imateriais criadas, ou seja, os anjos as almas etc… Ora se o intelecto não pode adquirir esse conhecimento na vida presente, como conhecerá a Deus que é a suma imaterialidade? O Doutor Angélico então explicou que para chegarmos ao conhecimento de Deus precisamos do intermédio das criaturas, pois, conhecemos primeiramente a quididade das coisas materiais e é a partir delas que chegamos ao conhecimento do Criador. No entanto, esse conhecimento exclusivo das coisas que nos circundam (v.gr. o mundo sensível, o universo), não são suficientes para adquirir um conhecimento mais profundo de Deus. Por isso ele se refere à necessidade de que exista uma Revelação no qual o próprio Deus entra em contato conosco através da revelação, que precisa ser crida por nós, e por meio desta chegamos à intuição desse Ser que é o nosso Criador.

Michel Six


[1] Cf Conferencia de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, no Instituto Teológico São Tomás de Aquino. São Paulo. 18  set. 2006.

[2] AQUINO Tomás de. Suma Contra os Gentios. Vol. II. Livro IV. Cap. I

[3] Suma contra os Gentios, 1. II, c II

[4] Idem, 1. II, c II

[5] Idem, 1. II, c II p 173

[6] Suma contra os Gentios, Vol. II. Livro IV. Cap. I

[7] Idem, 1. II, c II

[8] Suma contra os Gentios, 1. II, c II

[9] Idem, 1. II, c II

[10] Catecismo da Igreja Católica, 2001, p 51 (n° 156)

[11] Apud. Catecismo da Igreja Católica, 2001, p 51 (n°156), Dendzinguer n° 3009

[12] Idem, 2001, p 52 (N° 157)

[13] Suma contra os Gentios, 1. II, c II

[14] Eis, isso que foi dito é uma parte dos seus caminhos, e se apenas ouvimos uma pequena gota das suas palavras, quem poderá compreender os trovões do seu poder? (Jô 26,14)

[15] Suma contra os Gentios, 1. II, c II