São Gregório Nazianzeno: Teólogo ilustre, orador e defensor da fé cristã

1.     VIDA

Redação (07/09/2013, Virgo Flos Carmeli) São Gregório nasceu de família nobre, em Arianzo, Capadócia, em 330. Sua mãe, Nona, era uma mulher piedosa, que consagrou-o a Deus quando o concebeu. Ela também obteve a conversão de seu marido, igualmente chamado Gregório, o qual alguns anos mais tarde, em 325,  foi sagrado Bispo de Nazianzo. São Gregório estudou primeiramente na escola de Retórica de Cesárea da Capadócia; depois foi para a escola cristã de Cesárea na Palestina. Logo em seguida à Alexandria e finalmente para Atenas.[1] Teve por companheiros de estudos a São Basílio e Juliano, o apóstata.

Depois de brilhantes estudos literários, recebeu o batismo, por volta de 358, e tomou a decisão de viver a “filosofia” monástica. Entretanto, não estava inteiramente decidido, como havia prometido, a deixar a família para reunir-se a São Basílio. No entanto, passou alguns breves períodos com este, na solidão do ermo, durante os quais ambos se aplicaram ao aprofundamento teológico, estudando os escritos de Orígenes.[2]

No Natal de 361 foi ordenado sacerdote por seu próprio pai. Em 372, São Basílio o obrigou, por necessidades de sua política religiosa, a aceitar o episcopado na estação postal de Sásima, mas acabou não indo para esta cidade. Depois da morte de seu pai, em 374, dirigiu por pouco tempo a igreja de Nazianzo, mas logo se retira a Selêucia de Isáuria, onde ficou um tempo muito breve, pois um grupo de cristãos de Constantinopla dirigiu-se a ele pedindo que fosse àquela cidade, a fim de ajudar a reorganizar a igreja oprimida por uma série de Imperadores filo-arianos, mas esperançosa de melhores dias por causa da morte do Imperador Valente. São Gregório aceitou, passando dois anos em Constantinopla, desenvolvendo ação muito benéfica para os católicos. Ao chegar à cidade, encontrou todas as igrejas e prédios locais em mãos dos arianos, conseguindo residência apenas pelo fato de ter um parente na região. Conseguiu uma igreja que dedicou-a a Santa Anastácia. Seus sermões atraíam público sempre mais numeroso e em consequência abundantes conversões.[3]

Em 380, no dia 24 de Dezembro, Teodósio foi aclamado Imperador. Este apoiou os católicos e devolveu-lhes os bens que estavam em posse dos arianos. Em maio de 381 o I Concílio Geral de Constantinopla reconheceu São Gregório como Bispo da capital. Aconteceu, porém, que os Bispos do Egito e da Macedônia impugnaram tal designação. E São Gregório foi obrigado a retornar à Nazianzo, onde por mais ou menos dois anos se dedicou à cura pastoral daquela comunidade cristã. Finalmente retirou-se para Arianzo a fim de se dedicar aos estudos e levar uma vida ascética. Em 390, Deus acolheu em seus braços este servo fiel, o qual, com inteligência perspicaz, O tinha defendido nos escritos e cantado em suas poesias.[4]

2.     OBRAS

“Fui criado para me elevar até Deus com as minhas ações!”.[5] Assim concluía São Gregório Nazianzeno, sua reflexão sobre a missão que Deus lhe tinha confiado. De fato, ele colocou ao serviço de Deus e da Igreja o seu talento de escritor e de orador. Compôs numerosos discursos, vários panegíricos e homilias, muitas cartas e obras poéticas (quase 18.000 versos!): uma atividade verdadeiramente prodigiosa.[6]

2.1.  Os Discursos

As melhores composições dele são os 45 Discursos que se conservaram até hoje. A maior parte foi nos anos 379-381, o período mais importante de sua vida, quando as atenções universais se voltavam para ele, por ser bispo de Constantinopla. Eis o elenco dos mesmos:            a) Os cinco discursos teológicos, pronunciados em Constantinopla no verão e outono de 380. Por causa destes discursos ele recebeu o titulo de “o Teólogo”. Defendia neles os dogmas da Igreja contra os eunomianos e macedonianos. Apesar de sua intenção ser especificamente a de proteger a fé nicena das más interpretações, representam o resultado maduro de um estudo prolongado e intensivo da doutrina trinitária. Além de refutar com argumentos novos o arianismo, no quinto discurso defende claramente a divindade do Espírito Santo contra os macedonianos.[7]

b) Sobre o ordem e a instituição dos bispos e Sobre a moderação e propósito nas controvérsias. Denuncia a paixão dos constantinopolitanos pelas controvérsias e argumentos dogmáticos. Novamente, oferece uma explicação detalhada sobre a doutrina trinitária.

c) Discurso Apologéticos. Consta das invectivas contra Juliano, o Apóstata, a quem São Gregório havia conhecido pessoalmente em Atenas. Foram compostos depois da morte do imperador.

d) Discursos Panegíricos e Hagiográficos são sermões quotidianos.

e) Os discursos de ocasião. Entre eles o mais importante de todos é o Apologeticus de fuga, onde descreve o caráter e as responsabilidades do ofício sacerdotal.

3.     ASPECTOS TEOLÓGICOS

Sua teologia se encontra explicita ou implicitamente em seus discursos, poemas e cartas, e não em comentários às Escrituras ou em algum tratado teológico. Contudo, “São Gregório representa, na teologia, um progresso claro a respeito de São Basílio, não só em terminologia e formas dogmáticas, que são melhores, senão, também, a realização da teologia como ciência e um conhecimento mais profundo de seus problemas.”[8]

Em mais de uma ocasião, trata explicitamente da natureza da teologia. Discute as fontes da teologia, as características dela, a ecclesia docens e a ecclesia discens; seus objetivos, o espírito da teologia, fé e razão, a autoridade da Igreja, a fim de precisar o máximo possível os termos, evitando ambiguidades. Para São Gregório, ser teólogo é ser “Arauto de Deus”.

3.1.  Doutrina Trinitária

Em praticamente todos os seus discursos trata sobre a Santíssima Trindade.

Dentro do discurso Sobre o Santo Batismo, apresenta um detalhado resumo de seus ensinamentos trinitários:

“Dou-lhe esta profissão de fé para que te sirva de companheira e protetora durante toda a vida: uma só divindade e um só poder, que se encontram conjuntamente nos Três e compreende aos Três separadamente; não é distinta em substância ou natureza, nem aumente ou diminui por adições ou subtrações; é igual baixo todos os conceitos, idêntica em tudo: a conjunção infinita de Três infinitos, sendo cada qual Deus se se lhe considera aparte, tanto o Pai como o Filho como o Espírito Santo, conservando a cada qual sua propriedade (ίδιότης proprietas).”[9]

Seu grande mérito foi o de oferecer pela primeira vez uma definição clara das caraterísticas distintivas entre as Pessoas. Além disso, quando São Basílio trata do relacionamento entre as Três Pessoas, só o faz na relação Pai e Filho, ao passo que São Gregório já trata do Espírito Santo.[10]

Ademais, foi São Gregório quem empregou o termo ‘processão’ para tratar da relação entre o Espírito Santo e as Duas outras Pessoas Divinas. Assim explica ele: “O Espírito Santo é Espírito de verdade, que procede do Pai, mas não à maneira de filiação, porque não procede por geração, senão por processão.[11]

3.2.  Espírito Santo

Em 372, São Gregório, em um sermão público, afirmou que o Espírito Santo é Deus. Ele não titubeou – como fez São Basílio – em expressar clara e explicitamente a divindade do Espírito Santo em público. Muito bela é esta sua afirmação:

“Até quando vamos ocultar a lâmpada debaixo do alqueire e privar os demais do pleno conhecimento da divindade do Espírito Santo? A lâmpada deveria ser colocada sobre o candelabro para que ilumine todas as igrejas e todas as almas do mundo inteiro, não mais com metáforas, senão com uma declaração (Orat. 12,6).”[12]

3.3.  Cristologia

Tão profunda quanto sua doutrina sobre a Trinidade e o Espírito Santo, é sua cristologia, que mereceu à aprovação dos concílios de Éfeso (431) e de Calcedônia (451). Suas famosas cartas a Cledônio servirão à Igreja de excelente guia nos debates do século seguinte. Ele defende a doutrina essencial da humanidade completa de Cristo, incluída uma alma humana, contra as ensinamentos de Apolinário, o qual afirmava haver na humanidade de Nosso Senhor um corpo e uma alma animal onde a divindade se fazia de alma humana superior. Afirma claramente haver em Nosso Senhor as duas naturezas, humana e divina.

Entretanto, não chegou a explicitar claramente a existência de uma única Hipóstasis em Nosso Senhor, o que será afirmado no século seguinte.

3.4.  Mariologia

Já muito tempo antes do Concilio de Eféso (431), graças a São Gregório, o termo theotokos transformou-se em pedra fundamental da ortodoxia. Em um trecho de suas obras demonstra o dogma da maternidade divina de Maria que é o eixo da doutrina da Igreja acerca de Cristo e da salvação. Chega a afirmar que quem não aceita a maternidade divina de Nossa Senhora é um ateu e está fora da comunhão com a Divindade.[13]

3.5.  Doutrina Eucarística

São Gregório de Nazianzo está firmemente convencido do carácter sacrifical da Eucaristia. Em seu Apologetius de fuga descreve a Eucaristia como “o sacrifício externo, antítipo dos grandes mistérios”.[14]

***

Enfim, não é sem razão que o Papa Bento XVI comenta do Santo em uma audiência geral de 8 de agosto de 2007: “Teólogo ilustre, orador e defensor da fé cristã no século IV, foi célebre pela sua eloquência, e teve também, como poeta, uma alma requintada e sensível”.[15]

Por Rodrigo Fujyama

BIBLIOGRAFIA

ALBERIGO, Giuseppe (org.). História dos Concílios Ecumênicos. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 1995.

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S. BASÍLIO MAGNO. Homilia sobre Lucas 12; Homilias sobre a origem do homem; Tratado sobre o Espírito Santo. Tradução de Roque Frangiotti e Monjas Beneditinas. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005.

BENEDETTO XVI. I Padri della Chiesa: da Clemente Romano a Sant’Agostino. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2008.

BOGAZ, Antônio S.; COUTO, Márcio A.; HANSEN, João H. Patrística: caminhos da Tradição Cristã. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2008.

COLOMBÁS, García M. El monacato primitivo. 2.ed. Madrid: B.A.C, 2004.

Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Tradução de Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002.

DROBNER, Hubertus. Manual de patrologia. Tradução de Orlando dos Reis e Carlos de Almeida. Petrópolis: Vozes, 2003.

LLORCA; G.ªVILLOSLADA; LABOA. Historia de la Iglesia Católica: Edad Antigua. 7.ed. Madrid: BAC, 2005.

LLORCA, Bernardino (S.J.). Manual de Historia Eclesiástica. 3.ed. Barcelona: Labor, 1951.

MONDIN, Battista. Dizionario dei teologi. Bologna: ESD, 1992.

MORESCHINI, Cláudio. Basílio Magno. Tradução de Francisco Gomes. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

QUASTEN, Johannes. Patrología II: la edad de oro de la literatura patrística griega. Tradução de Ignacio Oñatibia (org.). 7.ed. Madrid: B.A.C., 2004.

RAMOS-LISSÓN, Domingo. Patrología. Navarra: EUNSA, 2005.


[1] Cf. BETTENCOURT, Estêvão Tavares. Curso de Patrologia. Rio de Janeiro: Paulus, 2003. p.93, 94.

[2] Cf. GRIBOMONT, Jean et al. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Tradução de Cristina Andrade. São Paulo: Paulus, 2002. p. 653.

[3] Cf. QUASTEN, Johannes. Patrologia II. p. 261-263.

[4] Cf. BETTENCOURT, Estêvão Tavares. Op. cit. p. 94.

[5] Cf. Oratio 14, 6 de pauperum amore: PG: 35, 865.

[6] Cf. Cf. BENEDETTO XVI. I Padri delle Chiesa: da Clemente Romano a Sant’Agostino. Roma: Vaticana, 2008. p. 99.

[7] Cf. QUSATEN, Johannes. Op. cit. p. 264-270.

[8] Cf. QUSATEN, Johannes. Op. cit. p. 275.

[9] Apud Idem, p. 276-277.

[10] Cf. QUSATEN, Johannes. p. 278.

[11] Apud QUASTEN, Johannes. p. 278.

[12] Idem, p. 278.

[13] Cf. QUSATEN, Johannes. p. 281.

[14] Cf. QUSATEN, Johannes. Op. cit. p. 281, 282.

[15] “Illustre teologo, oratore e difensore della fede cristiana nel IV secolo, fu celebre per la sua eloquenza, ed ebbe anche, come poeta, un’anima raffinata e sensibile”  (Cf. BENEDETTO XVI. Op. cit. p. 93.)