COMO ENFRENTAR AS DESILUSÕES
Ao longo da existência nos deparamos com situações imprevistas que podem levar ao desânimo. Só na fé robusta encontraremos força para enfrentá-las.
Por Mons. João S. Clá Dias
I – O ser humano quer relacionar-se com os demais
Imaginemos um homem punido com o isolamento, preso na masmorra de uma longínqua torre, convencido de estar inteiramente afastado de tudo e de todos. Nessa triste situação, sem a mínima possibilidade de comunicação com qualquer pessoa, vê passarem-se os dias… Certa tarde de calor, porém, deita-se no chão e ouve, de repente, um rumor de vassoura em plena atividade. Surpreendido, aproxima-se da parede, coloca ali o ouvido e, percebendo pelos ruídos tratar-se da presença de alguém do lado oposto, dá algumas pancadas no muro. A resposta chega de imediato. É outro pobre preso que sofre de igual problema: isolado, deseja entrar em contato com alguém a quem possa transmitir suas aflições e que o entenda naquela infeliz situação. Depois de muitas batidas descobrem que, falando junto ao ralo da cela, conseguem se fazer ouvir um ao outro e, a partir daí, começa um verdadeiro relacionamento entre ambos os cativos, causando-lhes imensa consolação. Pois, o isolamento absoluto que era o maior tormento daquele cativeiro, por ferir o instinto de sociabilidade, de alguma forma, tinha-se rompido com o estabelecimento desse rudimentar modo de comunicação. Essa singela história nos ilustra a necessidade intrínseca ao homem de entrar em contato com seus semelhantes.
Um fenômeno comum ao gênero humano: a “fímbria da insegurança”
Tal anseio natural, consequência do instinto de sociabilidade infundido por Deus em nós, é inerente a todos os homens.[1] Cada um conserva em si mesmo um entranhado desejo de obter proteção, de poder apoiar-se em alguém e de sentir-se seguro, pois Deus não criou o homem autossuficiente. Ele tem numerosas carências e debilidades que só consegue suprir vivendo em sociedade e com a entreajuda de seus semelhantes. Por isso, ele tem de ter uma fé humana nos demais. E é compreensível, pois “sem a fé humana, a vida social seria totalmente impossível, e boa parte de nossos conhecimentos — os quais cremos serem certos e seguros — viriam estrepitosamente abaixo”.[2] Entretanto, não existe a possibilidade de aplicar essa fé com total segurança a ninguém sobre a face da Terra, pois, “pela natureza, nenhuma pessoa adulta está acima ou abaixo de outra a tal ponto que uma possa elevar-se à frente da outra como autoridade de valor absoluto”.[3] Todos sabemos como a natureza humana é falível em decorrência do pecado original e, por isso, somos levados a conferir nossos critérios com a opinião dos demais para diminuir a probabilidade de erro, sobretudo, no que toca à procura da verdade. Não é sem razão que aconselha Santo Agostinho: “Que nenhum de vós pretenda colocar sua esperança no homem. O homem só é alguma coisa enquanto se une Àquele por quem foi feito. Porque, se d’Ele se afastar, nada mais é o homem, ainda quando se una a outros”.[4]
E como o gênero humano está sujeito ao erro moral e intelectual, o homem com frequência trai a confiança dos outros, ao valer-se tão só de sua própria natureza, pois sem a graça é o egoísmo que prevalece sobre o amor ao próximo. Desencadeou-se assim para a humanidade uma instabilidade fundamental, denominada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira “fímbria da insegurança”, ou seja, “uma espécie de fímbria do espírito humano, a qual não elimina a possibilidade de conhecermos algumas verdades com certa firmeza — porém, apenas crepuscular —, misturada com insegurança”.[5] Dessa forma, carregamos dentro de nós mil indecisões, não havendo, nem em nós nem nos outros, a garantia plena de agir com acerto. À medida que os anos e as décadas passam o problema se agrava. A experiência da vida vai contabilizando as desilusões e as decepções. Constatamos um equívoco aqui, um erro ali, um engano acolá… E concluímos que não se pode depositar a confiança no homem. Como resolver, então, esse problema da “fímbria da insegurança” e adquirir certezas firmes?
Ora, se a falibilidade natural do homem torna inconsistente a confiança no seu semelhante, isso, contudo, não acontecerá se houver a ação dessa virtude sobrenatural, em relação a Deus, cuja prática tornar-se-á possível pela graça, e cujo agir não é outro senão o da virtude teologal da esperança fortalecida por firme convicção, como diz São Tomás,[6] e como sintetiza o grande tomista padre Santiago Ramírez, seguindo a trilha de seu mestre: “Esperança perfeita e robusta em seu gênero, a qual se chama propriamente confiança […]. Não é uma esperança qualquer e vacilante, mas uma esperança firme, decidida, certa, segura, sem titubeios de nenhuma classe. Uma esperança que não falha nem defrauda”.[7] É a confiança que nos dá a certeza de existir Alguém com o qual podemos nos relacionar, seguros de nunca produzir em nós equívoco, de nunca defraudar nossas esperanças legítimas. Esse é Deus!
É tal confiança, sem dúvida, que será capaz de resolver a questão da “fímbria da insegurança” oculta no interior de todos os homens, libertando-nos da incerteza que atinge quantos se aferram ao mundo material, segundo o ensinamento do Bispo de Hipona: “Aproxima-te, pois, de Deus; esse jamais desmerece porque não existe nada de mais formoso. Se as coisas daqui nos aborrecem, é por causa de sua instabilidade, pois elas não são Deus. Ó alma! Coisa alguma poderá saciar-te, se não for Aquele que te criou. Lá onde colocares tua mão, acharás miséria; só poderá saciar-te quem te fez à sua imagem. […] Só ali, em Deus, pode haver segurança”.[8]
A fé viva nos Evangelhos
Essa fé, todavia, não pode reduzir-se a um simples princípio teórico e doutrinário. Para ser íntegra, sobretudo em meio a nosso mundo tão conturbado, é preciso aplicá-la a Alguém: a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, Nosso Senhor Jesus Cristo! Os fatos narrados ao longo dos Evangelhos nos atestam como essa fé viva era um dom comunicado aos que d’Ele se aproximavam com plena confiança, como, por exemplo, o centurião romano. Tinha ele fé no poder do Redentor de curar um dos seus servos, inclusive à distância, e dele afirmaria o Divino Mestre jamais ter encontrado semelhante fé em Israel (cf. Lc 7, 2-10). A fé daquele comandante, que causara admiração no próprio Jesus enquanto homem, havia-lhe sido infundida por Ele mesmo, enquanto Deus. Também a persistente cananeia nos deu provas de grande fé ao pedir com tanta insistência a cura da filha (cf. Mt 15, 22-28). Mais uma vez era um dom de Deus concedido à estrangeira, em um grau que nem os próprios judeus possuíam, talvez por não terem querido aceitá-la… Igualmente o pobre leproso, ao ajoelhar-se e suplicar: “Senhor, se vós quereis, podeis curar-me!” (Lc 5, 12), manifestava uma fé profunda, sendo, por isso, imediatamente atendido. Semelhante fé ainda revelou-se na sofrida hemorroíssa, que padecia havia longos anos. Procurava ela, com humildade, um momento oportuno para aproximar-se do Messias, acreditando ficar curada se ao menos conseguisse tocar na orla de seu manto sagrado (cf. Lc 8, 43-48).
Tal era a fé que Cristo desejava infundir em seus Apóstolos, nesta passagem do Evangelho do 27º Domingo do Tempo Comum.
II – A virtude fundamental da fé
Nosso Senhor já os advertira, em ocasiões anteriores, a respeito do risco do amor desordenado às riquezas — conforme já consideramos, ao comentar a parábola do administrador infiel (cf. Lc 16, 1-13) e a do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31), no Evangelho do 25º e 26º Domingos do Tempo
Comum —, consequência de uma fé apequenada. Os discípulos foram, pois, compreendendo a necessidade dessa fundamental virtude, sem a qual seria impossível perseverar até o fim de sua missão. Ensina São Tomás [9] que essa é a principal virtude para ter-se o desprendimento dos bens materiais, bem como para a prática das outras virtudes, as quais, nas palavras de Royo Marín, “nela se estribam, como o edifício sobre seus alicerces […]. Informada pela caridade, dela vivem e, graças a ela, progridem”.[10] É, portanto, indispensável pedi-la a Deus, conforme nos demonstra o Evangelho desta Liturgia.
A fé é passível de crescimento?
Naquele tempo, 5 os Apóstolos disseram ao Senhor: “Aumenta a nossa fé!”
Mas era preciso pedir esse aumento de fé, se já a possuíam no seu interior? Todavia, o pedido dos Apóstolos tinha fundamento. A virtude infusa da fé é passível de acréscimo ou de diminuição, e tanto pode se fortalecer como enlanguescer-se. Segundo explica ainda São Tomás,[11] ela cresce ou diminui de forma proporcional ao número de verdades conhecidas. Por esse motivo, além dos atos de piedade e devoção praticados — os quais também tornam a fé mais robusta —, fortalecerá essa virtude quem estudar a Doutrina Católica, ampliando o quadro de verdades conhecidas pela própria inteligência.
Aumentaremos a fé se adaptarmos nossa vida diária — trabalhos, obrigações e responsabilidades — à fé professada, pois, se houver dicotomia entre esta virtude e a vida prática, entre aquilo que cremos e o que fazemos, a fé terminará por evaporar-se. É necessário, portanto, que a fé coroe todas as nossas atividades, como destaca o padre Royo Marín: “as almas que tiverem progredido na vida cristã, preocupar-se-ão com o incremento desta virtude fundamental até conseguir que toda a sua vida esteja informada por um autêntico espírito de fé que as transponha a um plano estritamente sobrenatural, a partir do qual possam ver e julgar todas as coisas”.[12] Contudo, tal conduta não é tão fácil de ser mantida. As dificuldades do dia a dia nos fazem chegar a uma conclusão: é indispensável suplicar com fervor o auxílio divino. Agiram, então, muito bem os Apóstolos ao pedir o aumento de sua fé, a qual, segundo podemos julgar pela resposta de Nosso Senhor, era bem frágil…
Era preciso ter fé antes de pedir seu aumento
6 O Senhor respondeu: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”.
Sua resposta reveste-se de certa dureza. De fato, a fé de seus escolhidos era ainda menor que o minúsculo grão de mostarda, quase do tamanho de uma partícula de açúcar. Ora, bastava uma fé de diminuta dimensão para mandar uma árvore sólida como a amoreira jogar-se ao mar. Afirmação surpreendente! A amoreira desta passagem de São Lucas provavelmente corresponde ao Shiquemah — sicômoro —, árvore de raízes vigorosas, que se fixam no chão com toda a força.[13] Seria possível alguém realizar tamanha proeza? Entretanto, não fez o Mestre tal declaração apenas de forma metafórica. A fé é, de fato, capaz de mover montanhas, pois por detrás dela está o poder de Deus, e quando alguém se une à força divina pela robustez de tão valiosa virtude, torna-se forte quanto é forte o próprio Deus.
Ante essa concepção verdadeira da fé, Nosso Senhor contrapõe o conceito errado do mundo a respeito do relacionamento do homem com Deus.
Uma situação humana, imagem do relacionamento sobrenatural
7 “Se algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Vem depressa para a mesa?’ 8 Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepara-me o jantar, cinge-te e serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso tu poderás comer e beber?’ 9 Será que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado? 10 Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’”.
O Divino Mestre tem diante de si ouvintes com acentuado senso hierárquico, portanto, sem os igualitarismos dos dias hodiernos, e para quem todas as funções sociais eram muito bem definidas. Por essa razão pôde fazer uso, nesta parábola, da figura do servo,[14] ou seja, daquele homem sem direitos, cujo trabalho consistia em cuidar dos animais e dos campos de seu senhor, sem que jamais alguém se tivesse posto o problema de ocorrer a hipótese por Ele levantada. Embora entre o povo eleito o tratamento dispensado aos escravos fosse incomparavelmente mais compassivo do que entre os povos pagãos,[15] era inconcebível imaginar o próprio servo sentado à mesa do amo. Ao voltar do trabalho do campo, o criado se lavava e cingia os rins para servir o patrão. Só depois tomava sua refeição.
Esta cena, narrada por Cristo com sabedoria infinita, ilustra qual deve ser nosso relacionamento com Deus. Quando conseguimos cumprir inteiramente os Mandamentos ou nossas próprias obrigações, devemos reconhecer não ter sido por esforço próprio, nem como fruto de qualidades ou capacidades pessoais, mas, sim, da graça. Antes mesmo de termos realizado algum ato bom, Nosso Senhor já nos pagou com antecipação, concedendo-nos sua ajuda. Por isso, mesmo tendo feito o bem, não temos o direito, por nós mesmos, de merecimento algum. Com efeito, assim o declara Santo Ambrósio, Padre e Doutor da Igreja: “ninguém se glorie de seu bom proceder, pois por uma justa dependência devemos nosso serviço ao Senhor. […] Ele não pode admitir que te apropries do mérito de uma ação ou trabalho, já que, enquanto estejamos vivos, é dever nosso trabalhar sempre. Portanto, vive de acordo com a convicção de seres um servo ao qual se encomendaram muitos afazeres. […] Não te acredites mais do que és pelo fato de te chamarem filho de Deus — deves reconhecer, sim, a graça, mas não podes esquecer a tua natureza —, nem te enchas de vaidade por ter servido com fidelidade, pois esse era teu dever”.[16] Ainda quando cumprimos nossas obrigações, continuamos sendo servos inúteis, ensina-nos hoje Jesus.
Concepção comercial da religião
Dada a natureza decaída pelo pecado, a tendência geral do homem é não reconhecer que tudo lhe vem do Alto, forjando para si uma religião marcada pela mentalidade comercial. Muitas vezes transferimos o intercâmbio mercantilista de interesses — tão profundo nas relações humanas de todos os tempos — para o trato com Deus, e queremos apresentar-nos diante d’Ele cobrando aquilo que julgamos pertencer-nos pelo fato de termos feito algum bem. Na realidade, ninguém seria capaz de pronunciar sequer uma jaculatória ou fazer um sinal da cruz com mérito sobrenatural se não estivesse unido, e até “enxertado”, em Nosso Senhor Jesus Cristo, que afirmou: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5). No campo sobrenatural, todos os nossos méritos estão ligados a Ele e nos são transferidos por Ele. Somos meros servos! D’Ele recebemos o ser, a redenção e o sustento da graça.[17]
A imagem desta parábola encontra-se, então, ainda distante da realidade, pois o servo ali figurado conserva alguma liberdade, enquanto nós estamos dentro de uma escravidão compulsória — nossa origem é a escravidão —, a qual, após a Redenção, mais se intensificou.
Deus nos premeia por aquilo que Ele mesmo nos concede
O homem deve, pois, considerar-se um ser contingente, dependente dos outros e consciente de que, em relação a Deus, essa dependência deverá ser absoluta. Se existimos, é porque em primeiro lugar Ele existe e, em sua infinita bondade, tirou-nos do nada, sem nosso consentimento, para dar-nos uma alma na qual pudesse ser introduzida a vida da graça. Ele nos redimiu e a cada instante sustenta nosso ser. Tudo é, portanto, gratuito, e quando agimos com perfeição estamos tão só restituindo-Lhe aquilo que d’Ele mesmo recebemos. Com quanta propriedade afirma a Sagrada Liturgia: “na assembleia dos Santos, vós sois glorificado e, coroando seus méritos, exaltais vossos próprios dons!”.[18] De fato, quando as obras humanas merecem algum prêmio da parte de Deus, isso é devido aos dons ou graças dadas com antecipação por Ele mesmo. Sendo Ele a Humildade e a Generosidade, faz-nos trabalhar para sua glória, ajuda-nos a praticar atos de virtude e ainda nos torna merecedores de sua recompensa, escondendo-Se, como se os merecedores fôssemos nós.
Entretanto, tal prodigalidade divina exige de nossa parte reciprocidade: nunca nos apropriemos daquilo que pertence só a Deus. Somos “servos inúteis”, devendo pedir muito a virtude da fé, a fim de compreender que Ele é o único a levar tudo adiante, e a nós cabe apenas o cumprimento de um mandato ou desígnio seu. Assim, não podemos exigir d’Ele, como se fosse nossa, a glória dos nossos pretensos méritos. Só com essas disposições de alma estaremos tomando a atitude perfeita no relacionamento com Ele.
A perfeita contingência em relação a Deus
Uma só criatura soube ter fé ardente e compreender a contingência de modo perfeito, em sua plenitude, tendo sido objeto de um dom insuperável da parte de Deus, “porque olhou para a humilhação de sua escrava” (Lc 1, 48). Somente Ela teve uma noção clara e sublime de seu nada e de sua dependência completa do Altíssimo. A partir desse reconhecimento do próprio nada, Deus se inebriou de amor por Ela, escolhendo-A e constituindo-A um paraíso para Si, superior ao dos próprios Anjos. A estes fora dado o Céu Empíreo, a nós o Paraíso Terrestre, mas para a Santíssima Trindade foi escolhida Aquela que disse “eis aqui a escrava do Senhor” (Lc 1, 38): Maria Santíssima! Belíssimo comentário a esse respeito nos deixou São Luís Maria Grignion de Montfort: “a divina Maria, direi com os santos, é o paraíso terrestre do novo Adão, onde Ele se encarnou, por obra do Espírito Santo, para realizar ali maravilhas incompreensíveis; é o excelso e divino mundo de Deus, que encerra belezas e tesouros inefáveis; a magnificência do Altíssimo, onde Ele ocultou, como em seu próprio seio, seu Filho único e, n’Ele, tudo o que há de mais excelente e precioso”.[19]
III – Nunca perder a fé perante as dificuldades
O Evangelho deste domingo nos ensina o papel fundamental da fé, na gozosa dependência de Deus. As desilusões e dificuldades humanas, imprevistas ao longo da vida, são permitidas pela Providência Divina para marcar em nós o momento culminante no qual Deus ou o demônio se torna vencedor no campo de batalha interior da alma. Ao presenciar o desabamento dos sonhos construídos sobre os fundamentos frágeis de nosso instinto de sociabilidade desregrado, a fé pode diminuir e ficarmos egoístas, procurando a segurança nos bens materiais. Não obstante, se, pelo contrário, mantivermos a confiança — esperança fortalecida pela fé — recomendada por Nosso Senhor neste trecho do Evangelho, teremos a possibilidade de uma vida feliz nesta Terra, ainda que sempre acompanhados da cruz, em toda e qualquer circunstância, devido a nosso estado de prova. Só essa fé firme e sem jaça nos faz viver, de fato, numa submissão total a Deus, tornando-nos capazes de enfrentar os sofrimentos com ânimo.
Crescer na fé significa, muitas vezes, presenciar ou sofrer um desastre e manter, no fundo da alma, uma confiança inabalável. Cena mais pungente não poderia enfrentar quem, ao chegar ao Calvário, se deparasse com Jesus crucificado entre dois ladrões! No entanto, com a alma partida diante de tal drama, encontraria consolo se soubesse pensar nas maravilhas que daquela Cruz iriam surgir, tal como fazia Nossa Senhora, que ali estava, de pé, sem esmorecer. Sejamos confiantes, pois os desastres são permitidos por Deus para se obter algum bem maior. A fé é o unguento para todas as nossas dores, é o ânimo e a alegria em meio aos sofrimentos deste grande deserto — a existência no exílio terreno —, até atingirmos um dia a felicidade eterna, na glória celestial.
A fé conquistará o mundo!
Vivemos em uma época de ateísmo em que a fé vai cada vez mais se evanescendo no coração das pessoas. O terrível orgulho predomina em face de Deus, e o mundo não aceita nem adere às suas verdades. Diante de tal humanidade afastada de seu próprio fim, nosso anseio de católicos é o de ver a Boa-nova do Evangelho conquistar a face da Terra, de maneira a produzir os mais belos resultados em matéria de santidade. Temos bem presente o quanto as condições do momento estão longe de tornar isso naturalmente possível. Por isso, nos é pedido um dos maiores atos de fé jamais vistos e exigidos até os dias atuais.
Se os Apóstolos — escolhidos diretamente por Nosso Senhor — pediram um aumento de sua fé, como não o devemos pedir nós? Peçamos, pois, a Ele, uma fé robustíssima, suplicando: Senhor, Vós sois Todo-Poderoso e criastes o dom da fé para infundi-lo nas almas; Vós tendes a possibilidade de criar essa virtude em grau infinito. Dai-nos, então, a fé de que tanto precisamos! Vinde e concedei-nos um fulgor de fé como nunca existiu na História! ²
Extraído de: Inédito sobre os Evangelhos Vol. VI, p. 388-401.
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[1] Cf. TAPARELLI, SJ, Luis. Ensayo teórico de Derecho Natural. 2.ed. Madrid: San José, 1884, t.I, p.154-155.
[2] ROYO MARÍN, OP, Antonio. La fe de la Iglesia. 4.ed. Madrid: BAC, 1979, p.17.
[3] Idem, p.16.
[4] SANTO AGOSTINHO.Enarratio in psalmum LXXV, n.8. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.992-993.
[5] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 29 maio 1965.
[6] Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.129, a.6, ad 3.
[7] RAMÍREZ, OP, Santiago. La esencia de la esperanza cristiana. Madrid: Punta Europa, 1960, p.120-121.
[8] SANTO AGOSTINHO. Sermo CXXV, n.11. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1965, v.X, p.531-532.
[9] Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.4, a.7.
[10] ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la perfección cristiana. 5.ed. Madrid: BAC, 1968, p.476.
[11] Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.5, a.4.
[12] Cf. ROYO MARÍN, La fe de la Iglesia, op. cit., p.79.
[13] Cf. LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Luc. 4.ed. Paris: J. Gabalda, 1927, p.454.
[14] Embora a tradução litúrgica use neste versículo a palavra empregado — mais adiante encontraremos o termo servo —, no original grego consta douloj, isto é escravo ou servo.
[15] Cf. TUYA, OP, Manuel de; SALGUERO, OP, José. Introducción a la Biblia. Madrid: BAC, 1967, v.II, p.347-354.
[16] SANTO AMBRÓSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. L.VIII, n.31-32. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, v.I, p.492.
[17] Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., I-II, q.114, a.1.
[18] RITO DA MISSA. Oração Eucarística: Prefácio dos Santos, I. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.451.
[19] SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.6. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.490.