Santo Atanásio, o Grande

Redação (10/11/2013, Virgo Flos Carmeli)

I. Vida

                 Santo Atanásio o Grande, é um dos maiores e mais ilustres dentre os Padres e Doutores[1] da Igreja.

            Nasceu em 295, na cidade da Alexandria, de pais provavelmente não cristãos e de língua grega, entretanto de sua infância pouco se sabe. Consta que ele tenha recebido uma sólida educação de base, iniciando-se inclusive na filosofia. Estima-se que se tenha convertido relativamente jovem, pois sabe-se que aos 17 anos foi escolhido pelo bispo Alexandre para ocupar o cargo de leitor. Em 318, com 23 anos é ordenado diácono e se torna secretário episcopal.

            Conta-nos São Gregório de Nazianzo que ele desde sua conversão se aplicou a sérias  e profundas meditações sobre as Sagradas Escrituras, que, a partir de então foram sua principal fonte de saber.

            Neste período, a magna cidade de Alexandria era açoitada, sendo um foco incandescente da heresia ariana[2]. No entanto desde o início Santo Atanásio apoiou incondicionalmente a seu bispo, unindo-se a este que foi o primeiro adversário de Ario, condenando-o num sínodo (320).

            Devido a expansão desta heresia, Constantino, temendo uma rachadura eminente de seu império, convocou o Concílio de Nicéia (325), para solucionar tais desavenças. Lá foi então, acompanhando seu bispo o diácono-secretário Atanásio. Pelas vias da Providência, vemos então que entra em sena neste concílio, em meio ao bispos que tinham a primazia da palavra, um simples diácono que começa a ser temido pelos adversários de fé. Diz-nos São Gregório de Nazianzo sobre a participação da Atanásio: “Em Nicéia, os arianos observam o valoroso campeão da Verdade: de estatura baixa, quase frágil, mas de postura firme e de cabeça levantada. Quando se levanta, como que se sente passar uma onde de ódio através dele. A maioria da assembléia olha com orgulho para aquele que é o intérprete do seu pensamento”.[3] No final, foi aprovada uma fórmula de fé, que passou a se chamar “Credo de Nicéia”. Ario foi exilado…

            Aos 17 de abril de 328, estando prestes de entregar sua alma a Deus, o bispo Alexandre levando em consideração as virtudes de seu secretário, indica-o para lhe suceder.

            Claro está que tal escolha não agradou aos hereges (arianos e melecianos), que tentaram de todos os modos contestar. No entanto o sufrágio do clero e do povo ratificou, sendo 2 meses e meio mais tarde (7 de junho de 328) indicado para assumir a sede do patriarcado de Alexandria, tendo o reconhecimento do imperador Constantino.

            Vem então um período muito conturbado: os 46 anos de episcopado de Atanásio (328-373), época em que nosso Santo pôde mostrar todo o seu zelo pela fé, em que ele só lutou contra Ario e seus correligionários, contra os melecianos cismáticos, contra o próprio imperador Constantino, e por vezes, contra certos defensores tortos e intransigentes do Símbolo de Nicéia. Todos os que dele tentaram se livrar fracassam… diante de sua firmeza e intransigência.

            Consta que este defensor da fé tenha sido exilado cinco vezes. Dos quarenta e cinco anos que durou seu ministério episcopal, na sede de Alexandria, Santo Atanásio esteve dezessete anos no exílio, devido à flutuação política e aos incessantes ataques dos hereges, aos quais a resistência dele irritava…:

            A primeira foi-lhe imputada pelo imperador Constantino, que o exilou a cidade de Tréviris, após ter ficado desgostoso pelo fato dele ter se recusado a receber Ario na comunhão da Igreja.

            Tendo falecido o imperador (337) Santo Atanásio volta para reocupar sua sede episcopal, mas eis que em 339 um sínodo em Antioquia, por instigação do Bispo Eusébio de Nicomédia, o depõe novamente. Sendo assim restou-lhe apenas procurar refúgio junto ao Papa Júlio I, em Roma.

            Morto o Bispo intruso Gregório (343), há uma nova volta de Atanásio, com a autorização do Imperador Constâncio. Porém um outro sínodo em Milão o declara uma vez mais deposto ocasionando seu recesso para junto dos monges do deserto egípcio, dos quais era familiar.

            Seu quarto exílio se dá pois o imperador Juliano julgando prejudicar à Igreja reintroniza bispos depostos (que ele julgava serem maus). Mas tendo voltado à sua sede Santo Atanásio continua a lutar pela união dos cristãos, o que desagrada ao imperador que por sua vez queria vê-los em cizânia… e expulsa Atanásio “como perturbador da paz e inimigo dos deuses.”

            Por fim… Santo Atanásio retorna a Alexandria, tendo Juliano falecido (363), Entretanto, sob o novo imperador Valente, teve novamente de deixar sua sede, retirando-se para uma casa de campo nas cercanias de Alexandria, permanecendo apenas quarto meses, pois o povo fiel, descontente com a atitude do soberano, ameaça um motim. O que o fez permitir a volta do verdadeiro bispo de Alexandria. Santo Atanásio lá permanece, enfim até sua santa morte em 373.

II. Escritos

             Apesar de levar uma vida de “peregrino” de exílio em exílio, as vicissitudes ininterruptas não lhe impediram de ser um profícuo escritor.Sua produção literária é ampla, abrange gêneros apologéticos, históricos, exegéticos, homiléticos e epistolares.

            A maioria de suas obras está relacionada com a defesa do Credo de Nicéia, ou seja da consubstancialidade, ou seja da divindade do Verbo.

            Santo Atanásio era um polemista hábil, por isso sabia servir-se de sua pena para defender seu rebanho, como a si-mesmo, tendo sido ele perseguido e atacado de todos os modos, valeu-se de seus escritos, tendo sempre a segurança que defendia a fá, numa unidade ímpar com a doutrina ortodoxa.

            Sua primeira obra é uma apologia Contra os pagãos e sobre a encarnação do Verbo. Nela se delineia as grandes linhas de sua Cristologia: “O Verbo de Deus que se fez homem para que nós sejamos Deus.”

             Sua grande obra é um tratado de três livros contra os arianos, no qual discute longamente textos bíblicos nos quais Ario pretendia fundamentar sua heresia. O primeiro defende a definição do Concílio de Nicéia, a eternidade do Filho de Deus e a unidade da essência divina. O segundo e o terceiro fazem uma exegese dos textos bíblicos que eram debatidos nas controvérsias contra os arianos, e consideram passagens referentes às relações do Filho com o Pai.

            O Símbolo Atanasiano que é um compêndio de fé católica redigido em quarenta sentenças rítmicas. Esta obra fora atribuída a ele a partir do século VII, ou seja tardiamente, entretanto era considerada autêntica até o século XVII, quando se averigüou que o texto original é latino e não grego. Neste livro o autor propõe os mistérios da Santíssima Trindade e da Encarnação do Verbo, começando e terminando pela afirmação: “Esta é a fé Católica e quem não a professa com firmeza e fidelidade não pode ser salvo.”

            Apologia contra os Arianos que foi redigida aproximadamente em 357, quando Santo Atanásio voltou de seu segundo exílio. Trata-se de cartas, atas e decisões de Concílios Regionais. Sendo que uma facção ariana desprezava o Concílio de Nicéia e ao Papa, Santo Atanásio transcreve uma passagem de um Papa:

            “Não sabeis que a praxe manda que primeiramente se escreva a nós e que daqui proceda a justa decisão? Se alguma suspeita estivesse pesando sobre o Bispo de Alexandria, era preciso escrever a respeito à Igreja de Roma. Ora os arianos, sem ter comunicado coisa alguma, procederam como lhes agradava e agora querem que lhes demos nossa aprovação, sem mesmo ter examinado a causa. Tais não são os preceitos que Pedro e Paulo nos entregaram. Ocorre agora um modo de agir e uma prática totalmente novos.             Rogo-vos, pois: estai dispostos a atender-me: o que escrevo é para o bem comum, pois o que vos dizemos é precisamente o que recebemos do bem-aventurado apóstolo Pedro.”

            Apologia ao Imperador Constâncio, tendo ele sido acusado de instigar o imperador Constante contra seu irmão Constâncio, escreveu esta obra que é uma auto-defesa (357).

            No mesmo ano, tendo ele sido novamente acusado, mas desta vez por abandonar sua diocese, escreveu a Apologia da sua fuga para responder aos que o acusavam.

            Estando refugiado junto aos monges da Tebaida, escreve a História dos Arianos.

            Há ainda muitas outras obras escritas pelo Santo, tais como:

            – Vida de Santo Antão.

            ­- Sobre a Virgindade (autoria um tanto incerta…).

            – Epístola a Marcelino sobre a interpretação dos Salmos.

            – As Cadeias (catanæ).

            – Diversas cartas as quais infelizmente muitas estão perdidas. Porém sabe-se que são escritos de caráter doutrinário, quase como que tratados, onde Santo Atanásio comunica as decisões dos Concílios, normas da Igreja sem entretanto (e aí vemos particularmente sua santidade, sua preocupação com a obra de Deus e seu desapego a si-mesmo) tratar de assuntos pessoais ou particulares. Destacanm-se:

                       – As Cartas festivas.

                       – Cartas Festivas Sinodais.

                       – Cartas dogmático-polêmicas.

                       -Epístola ao Bispo Epicteto de Corinto.

                       -Carta a Adélfio, Bispo e confessor.

            Enfim vemos que a vida de Santo Atanásio foi uma constante defesa da expressão da fé definida no Concílio de Nicéia. Ele pertencia aos grandes doutores Capadócios, herdeiros da tradição de Orígenes, elaborando uma teologia da Trindade, particularmente determinando o sentido de algumas fórmulas (pessoa ou hipóstase, substância; uma substância em três hipóstases).

Bibliografia

-ATANÁSIO, Santo. Contra os pagãos, A encarnação do Verbo, Apologia ao imperador Constâncio, Apologia de sua fuga, Vida e conduta de Santo Antão. Coleção Patrística. São Paulo, Paulus: 2002.

-BETTENCOURT, Estêvão Tavares Pe. Curso de patrologia. Rio de Janeiro, Mater Ecclesiæ, 2003

-Dicionário patrístico e de atigüidades cristãs. Trad. Cristina de Andrade. Org. Angelo Di Berardino. Petrópolis, Vozes: 2002.

-VV.AA. Initiation théologique vol. I – les sources de la théologie. Paris, Cerf: 1952.


[1] O termo Doutor da Igreja, muitas vazes se associa ao de Padre da Igreja, sendo que não é simplesmente um sinônimo. Indica um grau a mais, pois nem todos os Padres são Doutores.

[2] Esta heresia afirmava que o Filho (Nosso Senhor) não existia antes de ter sido gerado, negando assim a co-eternidade  Dele com o Pai, que o Filho é a primeira das criaturas, que é uma espécie de “segundo deus” (déutero theós), mas que ele permanece alheio à essência divina do Pai. Eles separavam assim o Filho do Pai.

[3] Elogio de Atanásio. PG. 25, col. 1081.