Redação (16/04/2014, Virgo Flos Carmeli) “O efeito comum, primário e principal dos sacramentos é produzir ou aumentar a graça santificante na alma”.[1] Mas, cada sacramento o faz de maneira diferente e especial, com certos efeitos secundários que lhe são característicos.
No caso do sacramento da unção dos enfermos o efeito primário é confortar a alma contra os resquícios do pecado, ou seja, contra a debilidade pelos pecados da vida passada. Os efeitos secundários são: a diminuição da pena temporal devida pelos pecados (certeza); a remissão dos pecados mortais e veniais, se os há, e a saúde do corpo quando convém à da alma (possível, mas não necessário).[2] O sacramento da unção dos enfermos é, portanto, a sanação do homem inteiro. Passemos a ver cada ponto detalhadamente.
1. Sanação da alma
a. Infusão da graça do Espírito Santo
A unção dos enfermos é um sacramento de vivos, ou seja, deve ser recebido em estado de graça e, como todos os outros sacramentos, aumenta por si mesmo a graça santificante na alma de quem o recebe. Embora seu efeito principal não seja o de perdoar os pecados, mas sim de fortalecer a alma e aumentar a graça do Espírito Santo, também pode vir a perdoar os pecados, mortais e veniais, quando o sujeito está impossibilitado de confessar-se. Evidentemente, o aproveitamento deste sacramento será maior ou menor dependendo das disposições de alma de quem o recebe.
b. Perdão dos pecados
A unção dos enfermos pode também obter o perdão dos pecados mortais e a infusão da graça santificante perdida como já dissemos acima. Isso só acontece quando aquele que recebe o sacramento não tem possibilidade de confessar-se, seja por estar inconsciente, seja pela doença que o impossibilita de falar, ou qualquer outro impedimento. Neste caso, mesmo sem a confissão, quem recebe a unção dos enfermos recebe também o perdão dos pecados. A unção dos enfermos passa a ser sacramento de mortos neste caso, sacramento da divina misericórdia, tal como o da penitência.[3]
Este efeito do perdão dos pecados, se os há, está claramente expresso na carta de Santiago: “se estiver em pecado se lhe perdoarão” (Tg 5,15), além de estar declarado pelos concílios Ticinense, Florentino e Tridentino.[4]
c. Abstenção dos “resquícios do pecado”
Por resquícios do pecado se entende uma condição pecaminosa, de fraqueza ou debilidade, produzida pelo pecado grave na alma, além das conseqüências do pecado original. A unção dos enfermos tende a apagar estes resquícios do pecado.
Também se pode entender por resquícios do pecado a afeição persistente a pecados veniais, a pena temporal adquirida pelos pecados cometidos e a falta de forças para resistir às paixões desordenadas e às tentações do demônio.
A unção dos enfermos elimina o desmerecimento a certos auxílios especiais da Providência, a fim de superar as insídias diabólicas e evitar as ocasiões de pecado. Em síntese, tudo aquilo que seja obstáculo para que a ofensa a Deus tenha sido totalmente apagada. Este é o principal efeito deste sacramento, apagar os resquícios do pecado na alma.
Mais uma vez lembramos que esses efeitos são maiores ou menores dependendo da preparação e das disposições de quem recebe a unção dos enfermos.
d. Alívio e conforto da alma
Segundo São Tomás, os sacramentos foram instituídos para produzir o que significam, e daí que se deva tomar seu principal efeito de sua significação. Pois bem, a unção dos enfermos se administra a modo de certo medicamento, tal como o batismo a modo de ablução para lavar aquele que o recebe. Ora, os medicamentos se utilizam para combater certas enfermidades. Logo, este sacramento foi instituído para curar as almas do pecado, sendo ele mesmo uma medicina espiritual.[5]
Assim como os medicamentos físicos são dados às pessoas vivas, assim também este sacramento deve ser ministrado apenas àqueles que estão na vida da graça, sob pena de cometer-se sacrilégio. Entretanto, como já vimos acima, em caso de que o sujeito esteja impossibilitado de confessar-se, ou que ignore que esteja em pecado mortal e receba a unção dos enfermos de boa fé e com atrição, tem os seus pecados todos perdoados e não comete nenhuma falta.
Mas, tal como os medicamentos humanos, este sacramento produz um conforto e um alívio na alma de quem o recebe com boas disposições. Numa doença física, junto com as fraquezas corporais, uni-se também a debilitação psicológica, o que torna a recuperação da saúde muito mais árdua e longa. Porém, quando se consegue que o paciente esteja animado e cheio de esperança, a recuperação é muito mais rápida e certa.
É exatamente este o efeito de conforto e alívio de alma de que acabamos de falar. A perfeita sanação espiritual abarca também este conforto da alma. Esse conforto da alma é também efeito próprio deste sacramento.
“Se alguém disser que a sagrada unção dos enfermos não confere a graça, nem perdoa os pecados, nem alivia os enfermos…, seja anátema.” (Dz. 927).
2. Sanação do corpo
O principal efeito deste sacramento, como acabamos de ver, é a saúde espiritual por meio do aumento da graça do Espírito Santo e o apagamento dos resquícios do pecado. Porém, tem como um de seus efeitos próprio, se bem que secundário, o de restabelecer a saúde física, quando for conveniente à saúde espiritual.[6]
Esta cura se pretende e se busca, mas de modo condicionado segundo os planos da Providência e o bem maior que é o espiritual; é uma cura para o homem inteiro: alma e corpo, corpo e alma.
Este efeito da sanação corporal, primeiro pelo que a experiência mostra quando se administra este sacramento e não se obtém a cura corporal, e segundo por se tratar de um bem material que está sempre subordinado ao bem espiritual, não se deve esperar infalivelmente.
No início da Igreja este sacramento, na quase totalidade dos casos, produzia a cura corporal, além do conforto espiritual. Entretanto, isso foi diminuindo ao longo da história da Igreja. Com efeito, nos primórdios da Igreja era necessário haver uma prova muito clara de que esta era portadora da religião verdadeira, pois o cristianismo ainda não tinha suas raízes solidamente estabelecidas. Uma vez firmado e estável, não há mais a mesma necessidade de sinais externos tão evidentes. Além do que, a Providência quer nos dar mais méritos e, como a Igreja sempre cresce em graça e santidade, é necessário que creiamos mesmo sem ter visto. “Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto”. (Jo 20,29)
3. Adendos
a. Conciliação da esperança de sanação corporal com a realidade da morte que freqüentemente se seguirá
Sempre que a Igreja faz algum pedido de ordem material o faz de maneira condicionada, ou seja, quando a realização ou atendimento do pedido feito é conveniente à glória de Deus. Assim sendo, não há nenhuma contradição entre os efeitos produzidos pelo sacramento da unção dos enfermos ministrado nos primórdios da Igreja e o conferido em nossos dias, pois era mais conveniente à glória de Deus que nos primórdios da cristandade as pessoas que recebessem este sacramento fossem curadas e se tornassem uma fonte de apostolado e de conversão para outras pessoas. Hoje isso já não é mais necessário.
Além disso, há outra razão mais simples: algum dia todos morrem, e não será este sacramento que tornará o homem imortal. Por mais que se receba a unção dos enfermos a morte está intimamente vinculada à nossa condição de “peregrinação” nesta “terra de exílio”; o principal objetivo deste sacramento não é de nos conservar nesta “caminhada”, mas de nos conduzir à verdadeira vida, a eterna.
b. Maneira de produzir a sanação
Como já temos dito, este sacramento produz um conforto e alívio da alma de maneira sobrenatural, mas como o homem é um todo indivisível, e por ser a alma a forma do corpo, além deste alívio e conforto da alma, também se produz uma paz e serenidade psicológicas que influenciam enormemente na cura corporal.[7]
Além disso, também se une uma “providência particular de Deus” que ajuda de todas as maneiras o enfermo; seja através de inspirações, ou na eficácia das medicinas aplicadas. Não se exclui a hipótese de que haja uma intervenção direta e sobrenatural de Deus que produza a cura corporal, ainda que não se possa provar cientificamente que foi fruto do sacramento o caráter extraordinário da cura.
c. Sacramento dos que se vão
Por tudo isso que acabamos de expor, a finalidade que tem também este sacramento é de fortalecer a alma com vistas ao último e decisivo combate, que terá como resultado o destino eterno do indivíduo em questão. Tampouco isto é contrário à cura corporal, quando condicionada ao bem espiritual.
A Igreja recomenda vivamente que não se deixe para receber este sacramento nos últimos instantes da vida, pois além de dificultar a cura corporal, pode não atingir a plenitude dos efeitos que atingiria se a pessoa estivesse inteiramente senhora de todas as suas faculdades.[8]
d. Consagração da morte cristã?
Por tudo que ficou dito, e porque a Igreja não encara a morte como o fim de tudo, mas como o começo da verdadeira vida – para os que se salvam –, este sacramento não deve ser motivo de tristeza nem para os que o recebem, nem para os circunstantes, pois que prepara o enfermo para a passagem desta vida terrena para outra, eterna.
“Ó morte, neste encontro eu te venço, por que ainda que tu me arranques a vida terrena, eu te arranco a vida eterna”, é o que podem exclamar todos os que, reconfortados, aliviados e fortalecidos por este sacramento, entregam sua alma a Deus.
e. A fortaleza na dor e na enfermidade
Decorrência do anteriormente exposto, este sacramento dá a quem o recebe, a fortaleza necessária para enfrentar as angústias da morte, da enfermidade e da separação, em união com os sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Maria Santíssima. “Assim os cristãos preenchem o que falta da Paixão de Cristo em favor de seu Corpo, a Igreja” (Cf. Col 1,24), “pois se co-padecemos com Cristo, seremos com Cristo co-glorificados” (Cf. Rom 8, 17); “Se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2 Tim 2, 11).
José Antônio Dominguez
Referências bibliográficas
NICOLAU, Miguel S. I. La unción de los enfermos. B. A. C., Madrid, 1975.
ROYO, Antonio Marim, O.P. Teologia Moral para Seglares. Los Sacramentos. 7 ed. B.A.C., Madrid, 1996.