Redação (25/05/2012, Virgo Flos Carmeli) Coube a São João Batista a missão de anunciar a vinda imediata do Messias. Pode-se pois dizer que ele foi o maior dos precursores de Jesus no Antigo Testamento. É assim que Santo Tomás entende a palavra de Jesus em São Mateus (11, 11): “Em verdade, vos digo, entre os nascidos de mulheres não surgiu alguém maior do que João Batista“.
Mas, logo a seguir, acrescenta Nosso Senhor: “Entretanto, o menor no reino dos céus é maior que ele“. O reino dos céus é a Igreja da terra e do céu: é o Novo Testamento, mais perfeito como estado do que o Antigo, embora certos justos do Antigo tenham sido mais santos que muitos do Novo. E quem na Igreja é o menor? Estas são palavras misteriosas que têm sido diversamente interpretadas. Fazem pensar nestas outras pronunciadas mais tarde por Jesus: “Aquele que dentre vós for o menor este é o maior” (Lc 9, 48). O menor, quer dizer o mais humilde, o servidor de todos; é, pela conexão e proporção das virtudes, o que tem mais alta caridade. Quem na Igreja é o mais humilde? Sem dúvida, é aquele que não foi nem Apóstolo, nem Evangelista, nem mártir (pelo menos exteriormente), nem pontífice, nem padre, nem doutor, mas que conheceu e amou o Cristo Jesus não menos por certo que os apóstolos, os evangelistas, os mártires, os pontífices e os doutores: é o humilde operário de Nazareth, o humilde José.
Os Apóstolos foram incubidos de fazer com que os homens conhecessem o Salvador, para pregar-lhes o Evangelho a fim de salvá-los. Sua missão, como a de São João Batista, é da ordem da graça necessária a todos para a salvação. Mas há uma ordem ainda superior à da graça. É aquela que é constituída pelo próprio mistério da Encarnação, ou seja, a ordem da união hipostática ou pessoal da Humanidade de Jesus com o próprio Verbo de Deus. A esta ordem superior se prende a missão singular de Maria, a maternidade divina e também, de certa forma, a missão oculta de José. Este assunto foi exposto de diversas maneiras por São Bernardo, São Bernardino de Siena, o dominicano Isidoro de Isolanis, Suarez e muitos autores recentes.
Bossuet diz admiravelmente no seu primeiro panegírico desse grande santo: “Dentre todas as vocações noto duas, nas Escrituras, que parecem diametralmente opostas: uma é a dos Apóstolos; a segunda, a de José. Jesus é revelado aos Apóstolos para que o anunciem por todo o universo; e é revelado a José para que silencie e o esconda. Os Apóstolos são luzeiros para mostrarem Jesus ao mundo inteiro. José é um véu para encobri-lo; e sob esse véu misterioso oculta-se-nos a virgindade de Maria e a grandeza do Salvador das almas. Aquele que glorifica os Apóstolos concedendo-lhes a honra da pregação, glorifica José pela humildade do silêncio”. A hora da manifestação do mistério do Natal ainda não era chegada, essa hora deveria ser preparada por trinta anos de vida oculta.
A perfeição consiste em cumprir a vontade de Deus, cada um segundo sua vocação. Mas a vocação toda excepcional de José supera por certo, no silêncio e na obscuridade, a dos maiores Apóstolos: pois ela se relaciona mais de perto com o mistério da Encarnação redentora. José, depois de Maria, esteve mais próximo que ninguém do próprio Autor da graça. Assim pois, no silêncio de Belém, durante a estadia no Egito e na pequena casa de Nazaré ele terá recebido mais graças que jamais a qualquer outro santo seria dado receber.
Qual a missão especial de José com relação a Maria?
Consistiu ela sobretudo em preservar a virgindade e a honra de Maria, contraindo com a futura Mãe de Deus um verdadeiro matrimônio, mas absolutamente santo. Conforme relata o Evangelho de São Mateus (1, 20): “O anjo do Senhor, que apareceu em sonho a José lhe diz: “José, filho de Daví, não temas receber Maria como tua esposa, pois o que nela se gerou é obra do Espírito Santo”. Maria é perfeitamente sua esposa. Trata-se de um matrimônio verdadeiro (cf. Santo Tomás, III, q. 29, a. 2), mas inteiramente celeste e que devia ter fecundidade inteiramente divina. A plenitude inicial de graça dada à Virgem em vista da maternidade divina fazia apelo em certo sentido ao mistério da Encarnação. Conforme diz Bossuet: “A virgindade de Maria atraiu Jesus do céu… Se sua pureza a tornou fecunda, não hesitarei, no entanto, em afirmar que José teve sua parte nesse grande milagre. Pois tal pureza angélica, apanágio da divina Maria, foi também o desvelo do justo José”.
Era a união sem mácula e inteiramente respeitosa com a criatura mais perfeita que jamais existira, em ambiente extremamente simples, qual o de um pobre artesão de aldeia. Assim, José se aproximou mais intimamente do que qualquer outro santo daquela que é a Mãe de Deus, daquela que é também a Mãe espiritual de todos os homens e dele próprio José, daquela que é Co-Redentora, Mediadora universal, dispensadora de todas as graças. Por todos esses títulos José amou Maria com o mais puro e devotado amor; era de certo um amor teologal, porquanto ele amava a Virgem em Deus e por Deus, por toda a glória que ela dava a Deus. A beleza de todo o universo nada era em face da sublime união dessas duas almas, união criada pelo Altíssimo, que encantava os anjos e ao próprio Senhor enchia de júbilo.
Qual foi a missão excepcional de José perante o Senhor?
Em verdade, o Verbo de Deus feito carne foi confiado a ele, José, de preferência a qualquer outro justo dentre os homens de todas as gerações. O santo velho Simeão teve o menino Jesus em seus braços por alguns instantes e viu nele a salvação dos povos ― “lumen ad revelationem gentium” ― mas José velou todas as horas, noite e dia, sobre a infância de Nosso Senhor. Muitas vezes teve em suas mãos aquele em quem via seu Criador e Salvador. Recebeu dele graças sobre graças durante os vários anos em que viveu com ele na maior intimidade do dia-a-dia. Viu-o crescer. Contribuiu para sua educação humana. Jesus lhe foi submisso. É comumente chamado de “pai nutrício do Salvador”; porém em certo sentido foi mais que isso, pois como nota Santo Tomás é acidentalmente que após o casamento um homem se vem a tornar “pai nutrício” ou “pai adotivo”, enquanto que não foi absolutamente de forma acidental que José ficou encarregado de zelar por Jesus. Ele foi criado e posto no mundo precisamente para tal fim. Esta foi a sua predestinação. Foi em vista de tal missão divina que a Providência lhe concedeu todas as graças recebidas desde a infância: graça de piedade profunda, de virgindade, de prudência, de fidelidade perfeita. Sobretudo, nos desígnios eternos de Deus, toda a razão de ser da união de José com Maria era a proteção e a educação do Salvador; Deus lhe deu um coração de pai para velar pelo menino Jesus. Esta a missão principal de José, em vista da qual ele recebeu uma santidade proporcionada a seu papel no mistério da Encarnação, mistério que domina a ordem da graça e cujas perspectivas são infinitas.
Este último ponto foi bem esclarecido por Mons. Sinibaldi em sua recente obra La Grandeza di San Giuseppe, p. 33-36, na qual mostra que São José foi predestinado desde toda a eternidade para tornar-se o esposo da Virgem Santíssima e explica, com Santo Tomás, a tríplice conveniência dessa predestinação.
O Doutor Angélico a demonstrou ao indagar (III q. 29, a. 1) se o Cristo deveria nascer de uma virgem que tivesse contraído um verdadeiro casamento. E concluiu que devia ser assim, tanto para o próprio Cristo, como para sua Mãe, e também para nós.
Isso convinha grandemente ao próprio Nosso Senhor para que ele não fosse considerado, até que chegasse a hora da manifestação do mistério do seu nascimento, como um filho ilegítimo, e também para que ele fosse protegido em sua infância. Para a Virgem não era menos conveniente, a fim de que ela não fosse considerada culpada de adultério e como tal viesse a ser lapidada pelos judeus, conforme notou São Jerônimo, e ainda para que ela própria fosse protegida em meio às dificuldades e à perseguição que iria começar com o nascimento do Salvador. Foi outrossim, acrescenta Santo Tomás, muito conveniente para nós, porquanto pelo testemunho insuspeito de São José tomamos conhecimento da concepção virginal do Cristo: segundo a ordem das coisas humanas, representou para nós esse testemunho um admirável apoio ao de Maria. Enfim, era soberanamente conveniente para que nós encontrássemos em Maria ao mesmo tempo o perfeito modelo das virgens como das esposas e mães cristãs.
Explica-se assim, segundo muitos autores, que o decreto eterno da Encarnação ― estabelecendo a maneira como hic et nunc esse fato se devia realizar e em quais circunstâncias determinadas ― envolva não somente Jesus e Maria mas também José. Desde toda eternidade, com efeito, estava decidido que o Verbo de Deus feito carne nasceria milagrosamente de Maria sempre virgem, unida ao justo José pelos laços de um matrimônio verdadeiro. A execução desse decreto providencial é assim referida em São Lucas (1, 27): “Missus est Angelus Gabriel a Deo, in civitatem Galileae, cui nomen Nazareth, ad virginem desponsatam viro, cui nomen erat Joseph, de domo David, et nomen virginis Maria“. [O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão por nome José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria].
São Bernardo chama São José de “magni consilii coadjutorem fidelis simum” (coadjutor fidelíssimo do magno conselho”).
Por isso é que Mons. Sinibaldi, após Suarez e muitos outros, afirma, ibid., que o ministério de José é em certo sentido confinante, em seu nível, com a ordem hipostática. Não que José tenha cooperado intrinsecamente, como instrumento físico do Espírito Santo, para a realização do mistério da Encarnação, pois nesse acontecimento seu papel é muito inferior ao de Maria, Mãe de Deus; entretanto, ele foi predestinado para ser, na ordem das causas morais, o guardião da virgindade e da honra de Maria, ao mesmo tempo que o protetor de Jesus menino. É preciso precaver-se aqui contra certos exageros que falseariam a expressão desse grande mistério; o culto devido a São José não vai além especificamente do de dulia prestado aos outros santos, mas tudo faz pensar que ele merece receber, mais do que todos os outros santos, esse culto de dulia. Por isso é que a Igreja, em suas orações menciona o nome de José imediatamente após o de Maria e antes do dos Apóstolos na oração A cunctis (a todos nós…), por meio da qual se implora a proteção de todos os Santos. Se São José não é mencionado no Canon da missa, há todavia para ele um prefácio especial e o mês de março lhe é consagrado.
Num discurso pronunciado na Sala Consistorial no dia da festa de São José, em 19 de março de 1928, S.S. Pio XI comparava nestes termos a vocação de São José com a de São João Batista e com a de São Pedro: “Fato sugestivo é ver-se sugirem, bem vizinhas e brilharem quase contemporâneas, certas figuras tão magníficas. Primeiro, São João Batista que se ergue no deserto com sua voz, ora grave ora suave, como leão que ruge e como o amigo do Esposo, que se rejubila pela glória do Esposo, para afinal oferecer à face do mundo a maravilhosa glória do martírio. Depois, Pedro que ouve do divino Mestre estas sublimes palavras, pronunciadas também elas à face do mundo e dos séculos: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja; ide e pregai ao mundo inteiro”, missão grandiosa, divinamente resplandecente. Entre essas duas missões aparece a de São José: missão recolhida, calada, quase despercebida, que não se evidenciaria senão alguns séculos mais tarde; um silêncio ao qual sucederia, mas muito tempo depois, um sonoro canto de glória. Pois, onde mais profundo o mistério, mais espesso o véu que o encobre, e maior o silêncio, é justamente ai que mais alta é a missão, como mais brilhante o cortejo das virtudes exigidas e dos méritos requeridos para, por feliz necessidade, com elas se conjugarem. Missão única, muito alta, a de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, e de guardar a virgindade e a santidade de Maria; missão única, a de ter participação no grande mistério ocultado aos olhos dos séculos, e de assim cooperar na Encarnação e na Redenção! Toda a santidade de José consiste precisamente no cumprimento, fiel até o escrúpulo, dessa missão tão grande e tão humilde, tão alta e tão escondida, tão esplêndida e tão envolta em trevas”.
(Trecho de “Les trois ages de la vie interieure”, trad. Permanência. publicado em Revista Permanência, Junho de 77)