Redação (25/09/2013, Virgo Flos Carmeli) “Porque pregas de modo tão simplório? Fazes papel de ignorante. Por que não pregas a lo grande como nas cidades? Ah! Como me deleito com estes grandes sermões que não incomodam a ninguém, que deixam as pessoas viverem à seu modo, fazendo o que querem!”[1]. Este foi o elogio que recebeu São João Maria Vianney de uma possessa. Com efeito, sem se incomodar por isto, este santo era tido, por muitos, como sendo ignorante e falho de inteligência; entretanto, mal sabiam os doutos de sua época que em realidade este varão foi um grande sábio, uma vez que entendia tudo pelas causas altíssimas, ou seja, pela visão de Deus.
De fato, nestes tempos, a etiqueta consistia em fazer sermões baseados em Chateaubriand ou em Lacordaire, tentar imitar a Bossuet, enfim, primar mais por floreios retóricos e por um estilo academista, do que tentar atingir o fundo da alma dos fiéis e convertê-los.
Deus, porém jamais abandona seu povo. Assim, neste período de progresso científico, que foi o século XIX, em plena Revolução Industrial, quando a humanidade esperava tudo das máquinas e do desenvolvimento científico, a Sabedoria Divina suscita um varão que em sua simplicidade arrebata as almas, voltando seus olhos para a verdadeira realidade: o mundo sobrenatural, a ciência da Cruz.
Ao lermos um texto, ou ouvirmos um discurso, esperamos de nosso autor, que tenha mais do que simplesmente “dom”. O que realmente nos atrai é quando percebemos não só o dom, mas sua genialidade. Contudo, há algo ainda mais sublime do que a conjugação de dom e genialidade: é quando constatamos que nosso autor é inspirado. Com efeito, o que nos é mais leve e agradável de ler do que as Sagradas Escrituras? Entretanto, não é simples seu estilo?
O mesmo se dava com o Cura de Ars que, obtuso olhos do mundo, tornava-se sutil e penetrante com seus exemplos, e maravilhava seu auditório, convidando-o assim à sincera conversão: “Meus filhos, se vós vísseis um homem erigir uma grande fogueira, amontoar galhos uns sobre os outros, e que, perguntado-lhe o que está fazendo, ele vos responde: “Estou preparando o fogo que me deve queimar”, o que pensaríeis? E se vísseis este mesmo homem aproximar uma chama dos galhos, e, quando acesa a fogueira, se jogar dentro… o que diríeis? Cometendo o pecado é assim que nós procedemos. Não é Deus que nos precipita nos inferno, somos nós que nos jogamos…”
Não é de se reconhecer nisto uma profunda sabedoria? Não são palavras penetrantes e inspiradas? Não demonstra este santo um grande conhecimento de Deus? Com efeito, o grande Santo Tomás de Aquino – que por um certo prisma estaria no oposto de nosso Cura de Ars – nos define: “Sábio se chama, em cada gênero, quem conhece a causa altíssima desse gênero pela qual pode julgar tudo o mais. Sábio, absolutamente falando, é aquele que conhece a causa altíssima absoluta, isto é, Deus. Por isso, o conhecimento das coisas divinas chama-se sabedoria. O conhecimento, porém, das coisas humanas chama-se ciência.”[2] Tal definição é a própria imagem deste humilde pároco de Ars.
Dentre seus diversos dons, São João Maria Vianney era propriamente um diretor espiritual. Dotado de um profundo discernimento dos espíritos sabia ele como “dar a volta” nas consciências mais endurecidas. Deste aspecto de direção espiritual, diz-nos o Catecismo da Igreja Católica (2690): “O Espírito Santo dá a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento em vista do bem comum que é a oração (direção espiritual). Aqueles e aquelas que têm esses dons são verdadeiros servidores da tradição viva da oração.” Bem nos ilustra este caso de um pobre penitente impregnado pelo espírito de sua época:
Certo dia, o Cura de Ars vê entrar em sua sacristia um personagem elegante que, aproximando-se dele, se apressa em dizer:
“Senhor padre, não venho de modo algum me confessar. Vim para argumentar convosco.
– Ah! meu caro amigo, vós vos expressais bem mal, responde o Senhor Vianney, eu não sei argumentar… Mas se vós precisais de alguma consolação, coloque-se ali…”
E o Cura de Ars designa o lugar onde habitualmente se ajoelham seus penitentes, acrescentando: “Credes que muitos outros se ajoelharam antes de vós e não se arrependeram…
-Mas, senhor padre, já tive a honra de vos dizer que não vim para me confessar, e isto por uma razão que me parece simples e decisiva. E é que eu não tenho fé. Assim como não acredito na confissão, não acredito em todo o resto.
– Meu amigo, vós não tendes fé? Ah! como eu vos lastimo! Uma criancinha de oito anos sabe, com seu catecismo, mais do que vós. Eu me julgava bem ignorante, mas vós sois ainda mais do que eu, pois que vós ignorais as primeiras coisas que é preciso saber…”
O senhor Vianney continua a falar – e volta à sua ordem inflexível e doce:
“Coloque-se ali, e eu vou ouvir a vossa confissão.
– Senhor padre, responde o outro que começa a perder sua convicção, é uma comédia que vós me aconselhais a representar convosco! Peço-vos que considere que eu não vejo nenhuma graça. Não sou comediante…
– Coloque-se ali, estou dizendo!”
E o interlocutor se encontra de joelhos “sem desconfiar e quase apesar de si mesmo”. Ele se levantará alguns instantes mais tarde, não somente consolado, mas “perfeitamente crente” – tendo tomado, para ir à fé, um caminho curto e fulminante.[3]
Como o definiu o próprio santo de Ars: “Os que são conduzidos pelo Espírito Santo têm idéias certas. Eis porque há tantos ignorantes que sabem mais do que os sábios.”
Enfim, eis alguns traços de uma inteligência brilhante, pois posta em Deus, de um que se deixou levar pelo Espírito Santo, sem opor resistência. Mesmo se sua natureza não lhe ajudou, soube este santo, sendo fiel às graças, abeberar-se no manancial da Sabedoria Eterna. Muito nos ensina, sobre a sabedoria, o grande Cornélio à Lápide, retomando São Paulo:
“Escutai são Paulo escrevendo aos Coríntios: “Para mim, meus irmãos, quando vim vos anunciar o testemunho do Cristo, não vim na sublimidade dos discursos da sabedoria; pois não quis saber de outra coisa entre vós do que de Jesus Cristo, e de Jesus Cristo crucificado” […]. Aquele que o mundo cristão chama de grande Apóstolo merece certamente ser ouvido quando nos ensina em que consiste a verdadeira sabedoria; ora, ele a emprega toda inteira em conhecer a Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado… A ciência de Jesus Cristo e de sua cruz, eis a verdadeira sabedoria, e toda a sabedoria […].
“Aprender a sabedoria, é aprender a conhecer, a amar, a servir a Deus, a tender ao fim para o qual o homem foi criado e resgatado…
“A verdadeira sabedoria consiste em conhecer a Jesus Cristo, e o que ele faz por nós… Ela consiste em conhecer a lei de Deus, a religião, a praticá-la; a praticar a virtude, a fugir do vício. Aí está toda a sabedoria…; fora disto está a loucura…”[4]
Enfim, podemos concluir, com o catecismo que, belamente, nos ensina:
“A Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do Todo-Poderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb 7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol, supera todas as constelações. Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à noite, ao passo que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua formosura (Sb 8,2).” (2500)
Diác. Michel Six, EP