Redação (16/04/2011, Virgo Flos Carmeli) Muito raras são as pessoas que não tenham passado pela dolorosa experiência de perder um ente querido. Os cerimoniais fúnebres, marcados pela cor roxa ou negra, embora voltados ao respeito e à memória daquele que se foi, inevitavelmente tornam ainda mais pungentes os momentos da suprema despedida.
O drama de um falecimento e a incerteza que ele traz, fazem surgir a inquietante pergunta: “O que há depois da morte?”
Com efeito, todos os povos, desde os primórdios da Humanidade, alimentaram a crença de que haveria algo no além-túmulo. As dolorosas separações seriam momentâneas, e num futuro misterioso, em certo lugar desconhecido, os homens haveriam de se reencontrar.
Soluções falsas ou equivocadas dos antigos e pagãos
Ao longo da História, as mais diversas civilizações e culturas buscaram solução para esse enigma. Os antigos egípcios acreditavam que a alma ficaria peregrinando por um tempo indefinido, após o qual retornaria ao corpo, e este, portanto, deveria ser conservado. Com esse fim, eles aperfeiçoaram a técnica do embalsamamento, e até hoje suas múmias, em perfeito estado de conservação, podem ser vistas em museus.
A rica imaginação grega criou o orfismo. Segundo este, como punição de um crime primordial, a alma era encerrada no corpo tal qual numa prisão, e a morte podia ser o começo de uma verdadeira vida. Após o falecimento, as almas se dirigiam ao Hades, onde bebiam das águas do rio Lete, a fim de esquecer suas existências terrenas. A alma que não estivesse quite com suas culpas regressava ao mundo para reencarnar-se. O orfismo chegou, ainda com muita vitalidade, até os primeiros séculos da Era Cristã. Em seguida, foi-se apagando lentamente.
Além dessas, surgiram muitas outras explicações, como o panteísmo e o espiritismo. Por fim, o materialismo, negando pura e simplesmente a vida sobrenatural, deixa um vácuo de resposta a uma das mais antigas questões humanas.
A resposta cristã nos é bem conhecida, com os destinos eternos da alma bem definidos, quer seja no Céu, contemplando o Criador, quer seja no inferno, sofrendo os castigos inerentes à condição de inimigo de Deus.
Mas com relação ao corpo, companheiro da alma em sua jornada terrestre, que será feito dele?
A ressurreição e a doutrina cristã
Santo Agostinho defende que “não há doutrina da fé cristã combatida com tanta veemência como a da ressurreição da carne”. Entretanto, poucas verdades da nossa fé são tão claramente afirmadas tanto nas Sagradas Escrituras quanto pelos autores dos primeiros séculos. O ensinamento sobre a ressurreição dos corpos tem a condição de dogma, ou seja, artigo de fé a respeito do qual não pode caber qualquer dúvida.
Contudo, não faltou quem se tenha atrevido a negá-la. Os gentios a rechaçavam como uma fábula nova e inacreditável. Contestaram-na também os saduceus e, entre os primeiros cristãos, Himeneo e Fileto, os quais São Paulo refuta em sua primeira Epístola a Timóteo (cap. II). A estes podem somar-se os gnósticos, maniquieus e priscilianistas, que tiveram por sequazes, na Idade Média, os albigenses e valdenses. Em nossos dias os protestantes liberais e os racionalistas se empenham em negar este dogma católico, por considerá-lo incompatível com certas razões filosóficas. Contra toda esta torrente de heresias, a Igreja apresenta o depósito precioso da Revelação e a segura voz de seus concílios.
Podemos nos apoiar em declarações históricas, como por exemplo, o Credo dos Apóstolos, também chamado de Nicéia; o Credo do XI Concílio de Toledo; o Credo de Leão IX, ainda usado nas consagrações dos bispos; a profissão de fé do II Concílio de Lyon; o Decreto do IV Concílio de Latrão, contra os albigenses. Ademais, este artigo de fé toma por base a crença já existente no Antigo Testamento e os ensinamentos do Novo Testamento, além da Tradição Cristã.
A ressurreição nas Escrituras
As Sagradas Escrituras trazem abundantes e claras referências à ressurreição final dos corpos. O profeta Daniel afirma: “Muitos daqueles que dormem no pó da terra despertarão, uns para uma vida eterna, outros para a ignomínia, a infâmia eterna” (Dn 12, 2). A palavra “muitos”, aqui, não significa que alguns não ressuscitarão. Ela deve ser entendida à luz do seu sentido em outras passagens (como em Is 53, 11-12; Mt 26, 28; Rm 5, 18-19).
A visão de Ezequiel sobre a planície coberta de ossos secos que foram reordena dos e revivificados (Ez 37) refere-se diretamente à restauração de Israel, mas mostra como tal figura só poderia ser inteligível para ouvintes familiarizados com a crença na ressurreição. O profeta Isaías triunfante proclama: “Que os vossos mortos revivam! Que seus cadáveres ressuscitem! Que despertem e cantem aqueles que jazem sepultos, porque vosso orvalho é um orvalho de luz e a terra restituirá o dia às sombras” (Is 26, 19).
Finalmente, Jó, reduzido à extrema desolação, sente-se fortalecido pela sua fé na ressurreição: “Eu o sei: meu vingador está vivo, e aparecerá, finalmente, sobre a terra. Por detrás de minha pele, que envolverá isso, na minha própria carne, verei Deus. Eu mesmo O contemplarei, meus olhos O verão, e não os olhos de outro” (Jó 19, 25-27).
Já no Novo Testamento, após a morte de Lázaro, Marta manifesta sua crença: “Sei que [ele] há de ressurgir na ressurreição no último dia” (Jo 11, 24). Contundente, São Paulo não hesita em pôr a ressurreição final no mesmo nível de certeza da ressurreição de Cristo: “Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? Se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (1Cor 15, 12-14).
E por fim, supremo testemunho, o próprio Cristo Nosso Senhor não só supõe a ressurreição da carne como coisa bem sabida, mas também a defende contra os ataques dos saduceus: “Na ressurreição dos mortos, nem os homens tomarão mulheres, nem as mulheres, maridos, mas serão como os anjos de Deus no Céu. Mas, quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés como Deus lhe falou da sarça, dizendo: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó?’ Ele não é Deus de mortos, senão de vivos” (Mc 12, 25-27; Mt 22, 30-32). O Messias ainda iria declarar essa verdade em outras passagens (Jo 5, 28-29; 6,39-40; 11, 25; Lc 14,14).
A doutrina da ressurreição na Tradição cristã
Os Padres, Doutores e insignes teólogos seguiram com firmeza o reto caminho traçado pelo Divino Mestre. No século II, São Policarpo deu o apelido de primogênito de Satanás, ao que negue a ressurreição e o juízo1. Aristides afirma que os cristãos guardam os mandamentos porque esperam a ressurreição dos mortos2. Atenágoras escreveu um tratado inteiro sobre a ressurreição dos mortos, no qual demonstra primeiro a possibilidade da ressurreição, sua conveniência e necessidade; depois prova que o homem é imortal, já que é racional; e como, por outra parte, está composto de alma e corpo, ele não pode conseguir com perfeição seu fim e sua bem-aventurança se o corpo não voltar a se unir com a alma.
Santo Irineu ensina que nossos corpos, nutridos com o manjar eucarístico, recebem a semente da ressurreição3. No século III quem com mais brilho defendeu a ressurreição futura foi Tertuliano. Esta carne que Deus formou com suas mãos e segundo sua própria imagem, que animou com seu sopro à semelhança de sua vida (…) esta carne não ressuscitará? Esta carne que é de Deus a tantos títulos?4.
Um testemunho de Santo Agostinho: Ressuscitará esta carne, a mesma que é sepultada, a mesma que morre, esta mesma que vemos, que apalpamos, que tem necessidade de comer e de beber para conservar a vida; esta carne que sofre enfermidades e dores, esta mesma tem que ressuscitar, os maus para sempre penar, e os bons para que sejam transformados5.
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Muito embora respaldada por tantos e tão sérios testemunhos, não deixa de ser uma maravilha imaginar que, num dia conhecido só pelo Altíssimo, ao toque das trombetas angélicas, milhões de corpos irão emergir das profundezas dos oceanos, surgir das entranhas da terra, e juntos, erguer os olhos ao Criador, que então irá separar os seus (cf. Mt 25, 31-33). ²
Emílio Portugal Coutinho
(ARAUTOS DO EVANGELHO, N. 75, Março 2008.)
1) Ep. Ad Philip., VII, 1.
2) Migne, P. G., t. 96, col. 1121.
3) Id. ib., col. 1124.
4) Id., e. 2, col. 885.
5) Id., t. 38, col. 1231.