Jesus, Filho de Deus
Redação (18/04/2014, Virgo Flos Carmeli) Filho de Deus! Sim, Jesus chama a Deus de Pai em diversas ocasiões.[1] Na parábola dos agricultores assassinos, aparece com clareza a noção que Jesus tinha de sua filiação divina. Com efeito, narra Ele como o proprietário da vinha, que simboliza o próprio Deus, envia, um após outro, seus servos, os profetas, para receber a parte que Lhe correspondia da colheita. Os agricultores desprezaram, espancaram e maltrataram todos os enviados. Então Deus se pergunta: “Que farei? Mandarei meu Filho amado, talvez O respeitem” (Lc 20, 13).
“O tema da vinha era apropriado para que os ouvintes captassem o comportamento de Israel para com Deus e seus mensageiros, e nesta mesma linha vai se acrisolar a atitude dos fariseus em relação a Jesus, encerrando a trajetória que tiveram seus pais com os profetas. […] É preciso ter em conta que os profetas tinham a Deus por Pai a título superior aos demais. Entretanto, comparados com o filho da parábola, aparecem como servos”.[2]
Também no episódio no qual Jesus expulsa os vendilhões do Templo, vemos que Ele se considera Filho do Senhor do Templo: “Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai um covil de ladrões” (Jo 2, 16). E com o chicote tecido por suas próprias mãos põe em fuga a multidão de comerciantes.
Mas esse mesmo Jesus que castigava com tanta energia, sabia se compadecer do sofrimento dos outros. Tendo subido a Jerusalém por ocasião de uma festa judaica, passou perto da piscina de Betesda, na qual de vez em quando um Anjo do Senhor descia e movimentava a água, e o primeiro que a tocasse ficava imediatamente curado de qualquer doença. Ora, nessa ocasião Jesus viu um paralítico que se encontrava ali havia trinta e oito anos, mas que nunca conseguia tocar as águas quando o Anjo passava. Num gesto de carinho e compaixão Jesus lhe disse: “Levanta-te, pega tua cama e anda” (Jo 5, 8). Grande foi a surpresa dos que assistiram à cena e à alegria do miraculado. Porém, a perversidade e inveja dos fariseus foram maiores. Falsamente ciosos do cumprimento da Lei, acusaram o Mestre de a estar violando, pois esse dia era sábado.
Deram-Lhe, assim, excelente ocasião de manifestar sua filiação divina. Jesus, para refutar a argumentação farisaica, respondeu: “as obras que meu Pai Me deu para executar – essas mesmas obras que faço – testemunham a meu respeito que o Pai Me enviou. E o Pai que Me enviou, Ele mesmo deu testemunho de Mim” (Jo 5, 36-37). Desta forma, mais uma vez, Jesus se revela a todos como Filho de Deus.
“Essa relação de Deus Pai com o Filho, São João a destaca com a denominação ‘Filho Unigênito’ (monogenê, Jo 1, 14. 18; 3, 16. 18; 1Jo 4, 9), o que indica ao menos três coisas: que é gerado pelo Pai, que é Filho Único e que é igual ao Pai, pois, por meio de Jesus, Deus se revelou como Pai. Jesus faz entender que Deus é seu Pai em sentido único, pois enfatiza a expressão ‘meu Pai’”.[3]
Diante dos Apóstolos, entretanto, essa revelação desvenda um aspecto novo. Quando Felipe pede a Jesus que lhes mostre o Pai, o Mestre o repreende suavemente: “Há tanto tempo estou convosco e não Me conheces? Quem Me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes ‘Mostra-nos o Pai’? Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de Mim mesmo; mas o Pai, que permanece em Mim, é que realiza as suas próprias obras. Crede-me: estou no Pai, e o Pai em Mim. Crede-o ao menos por causa destas obras” (Jo 14, 9-11). Começa a transparecer que Ele e o Pai têm a mesma natureza divina e que são inseparáveis. “Estes testemunhos devem ser lidos e interpretados através da profunda experiência que Jesus teve de sua filiação natural do Pai e da comunhão de vida que tem com o Espírito Santo. Por isso, os textos são mudos se não se tem em conta a experiência da vida trinitária do Verbo de Deus encarnado”.[4]
Não pode também ser esquecido o trato, pervadido de ternura e confiança, de Jesus em relação a Deus Pai, quando o chama “Abbá”, o que em aramaico equivaleria ao apelativo familiar com que a criança chama a seu progenitor papai. Encontramos esse tratamento, por exemplo, no episódio do Horto das Oliveiras, prévio à Paixão: “Jesus foi um pouco mais adiante, caiu por terra e orava para que aquela hora, se fosse possível, passasse d’Ele. E dizia: Abbá, Pai, tudo é possível para Ti. Afasta de Mim este cálice! Mas seja feito não o que Eu quero, e sim o que Tu queres” (Mc 14, 35-36). Nunca antes, na história da salvação, havia-se mostrado em relação a Deus tal vínculo de afeição. “Este é o segredo da vida íntima de Jesus: sua filiação divina. Há n’Ele, junto com sua condição divina, uma atração contínua do Pai, um desejo de estar a sós com Ele; desejo que às vezes só se pode cumprir permanecendo toda a noite em oração depois de uma jornada esgotante de atividade”.[5]
“Não deixa de ser curioso que, ademais, quando se dirige pessoalmente em oração a Deus, nunca O chame ‘Deus’, senão ‘Pai’. Usa o termo Deus quando fala d’Ele diante dos outros (cf Mt 5, 8. 9, 34; 6, 24. 30), mas não em sua oração pessoal. Só o faz na Cruz: ‘Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?’ (Mc 15, 34), mas aqui, como sabemos, está recitando o salmo 22.
“Jesus distingue sempre sua filiação da nossa. Nunca diz nosso Pai: ‘subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus’ (Jo 20, 17). Esta distinção é uma constante em Jesus (cf Mt 18, 35; 10, 32-33; Jo 8, 54-56; Mt 25, 34). Só no Pai Nosso usa a fórmula ‘nosso’, mas o faz dizendo: é assim que vós deveis rezar (cf Mt 6, 9)”.[6]
Ao declarar-se Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo também se identifica plenamente com a divindade. Não se trata de uma filiação simbólica ou por adoção como a dos outros homens por Ele justificados. De tal forma está convicto de sua divindade, que chega a condicionar a salvação à fé em sua Pessoa: “o Pai ama o Filho e entregou tudo em suas mãos. Aquele que crê no Filho tem a vida eterna. Aquele, porém, que recusa crer no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanecer sobre ele” (Jo 3, 35-36).
Dessa forma, Jesus vai revelando a sua relação filial com Deus Pai. Mostra, assim, sua dignidade de Filho Unigênito. Ele mesmo o declara na conversa noturna com Nicodemos ao dizer: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho Único” (Jo 3, 16). Portanto, Ele tem soberania, proveniente de sua filiação divina por estar unido ao Pai que está nos Céu.
O Espírito Santo, o Consolador
No Antigo Testamento, “o Espírito de Jahvé, tem um grande papel. Dá origem à vida, como se a vida consistisse numa comunicação da vida que está em Deus (cf Gn 2, 7) […] O Espírito é uma força sensível e misteriosa, tal como a simboliza o vento”.[7] Todavia, a expressão “Espírito de Deus”, não significa, na Antiga Aliança, uma Pessoa distinta no seio da divindade. Nosso Senhor Jesus Cristo é Quem nos revelará a personalidade divina do Paráclito, cuja manifestação pública será mais manifesta na descida sobre Maria Santíssima e os Apóstolos, em Pentecostes.[8]
Mas antes disso, durante a Última Ceia, pouco antes de se dirigir ao Horto para iniciar a Paixão, Jesus promete: “Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco” (Jo 14, 16), Ele “vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 26).
Assustados com a hipótese da separação, os Apóstolos pedem ao Mestre que fique, mas Ele lhes responde: “convém a vós que Eu vá! Porque, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se Eu for, vo-Lo enviarei” (Jo 16, 7) e ainda lhes faz nova promessa: “Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por Si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão” (Jo 16, 13).
Cristo também faz a importante declaração da estreita participação do Espírito Santo em sua missão,[9] ao prometer comunicar aos Apóstolos um espírito de fortaleza: “Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai; entretanto, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do Alto” (Lc 24, 49). Desta forma é proclamada a existência do Espírito Santo que não só está unido ao Pai, mas que também participa da missão de salvação, por um movimento interior e vivificador das almas dos fiéis, conferindo os meios sobrenaturais necessários para que atinjam os gloriosos fins da Redenção.
Continua…
Extraído de “A vida íntima de Deus Uno e Trino“.
[1] Cf Joaquim Jeremias. Abba y el mensaje central del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1981, p. 303-307.
[2] José Antonio Sayés. La Trinidad: Misterio de Salvación. Madrid: Palabra, 2000, p. 84-85.
[3] Aurelio Fernández. Teología Dogmática. Madrid: BAC, 2009, p. 254.
[4] Idem, p. 253.
[5] José Antonio Sayés. La Trinidad: Misterio de Salvación. Madrid: Palabra, 2000, p. 92.
[6] Idem, p. 63. Também em Aurelio Fernández. Teología Dogmática. Madrid: BAC, 2009, p. 254.
[7] Jean-Hervé Nicolás. Sintesi Dogmatica – Dalla Trinità alla Trinità. Vaticano: LEV, 1991, Vol. 1, p. 91.
[8] Ad Gentes, 7.
[9] Cf João Paulo II. Catequese sobre o Espírito Santo no Novo Testamento. In: L’Osservatore Romano, n. 23, 6 jun. 1986.