Redação (14/06/2012, Virgo Flos Carmeli) Seja no ouro e na prata, nos suntuosos palácios ou nas roupas agradáveis, nos tronos tão cobiçados para o domínio das nações ou até nos banquetes e mesas fartas, o ser humano sempre procura saciar em si a sede que possui do infinito. Esta sede lhe assalta já na infância e não diminui à medida que ele cresce, entra na vida, relaciona-se com o meio social; não diminui nem sequer quando se põe a sonhar com futuros empreendimentos ou se entrega a diversões para distrair-se do cotidiano. Ao contrário, ela aumenta, lhe consome, lhe domina, é a necessidade de algo que lhe complete, algo ao qual ele se una de tal forma que seja um, que lhe venha ao encontro e lhe arranque deste naufrágio interno no qual segue dia após dia mais submerso.
Esta senhora do coração dos homens, que conduz seus passos a procura do Absoluto, e que direcionou os povos às grandezas de passados perenes e estruturados ou arruinou os impérios mais sólidos de outrora, é a sede de Deus, do divino, é a sede que possui toda criatura, inteiramente indissociável do Criador.
Por isso, deitar o olhar sobre a história universal é analisar como os povos se comportaram em relação a esta sede, como a ela corresponderam, como buscaram supri-la, estando diante da terrível e ao mesmo tempo admirável realidade de não poderem esquecê-la. De mil modos tentaram abafá-la; nos tempos mais dispares e nas culturas mais diversificadas empenharam-se a criar ritos, gastaram a inteligência de seus sábios na formulação de crenças, mitos, e religiões, tentativas grotescas e quantas vezes abomináveis para qualquer mente equilibrada. Dentro deste mar de paganismo e gentilidade, sem negar aqui as contribuições culturais e científicas de cada um em particular, é entretanto, primordial ressaltar que uma raça escolhida trouxe ao mundo dez preceitos que aniquilaram esta sensação voraz: o decálogo. Esta seqüência de normas morais dispostas de maneira hierárquica nada mais é que a elevação de um princípio “maior” que arrasta atrás de si um brilhante cortejo que dele decorre: amar a Deus sobre todas as coisas.
Ah! Se os homens amassem a Deus e a Ele servissem tão cedo, esta vida conturbada pelos crimes e pelo caos se transformaria no paraíso desejado pelos inocentes, materializado pelos pintores mais sutis e metafísicos, e cantado nas poesias de memoráveis compositores. Não foi em vão que Aquele que é capaz de ensinar ao mais escolado dos doutores respondeu a alguém que lhe perguntara qual era o maior mandamento: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças” (Mc 12, 29-30). Com este preceito tudo se organiza, tudo se ordena, tudo entra em seus verdadeiros eixos, e o homem encontra afinal o que séculos de uma minuciosa procura não lhe deram, a felicidade. A felicidade tão buscada, “não é justamente aquilo que todos querem, não havendo ninguém que não a queira? Onde a conheceram para assim a desejarem? Onde a viram para amá-la tanto? […] Quando te procuro, ó meu Deus, procuro a felicidade da vida. Procurar-te-ei para que minha alma viva”[1].
A felicidade às portas de qualquer cristão
Ensina o Magistério da Igreja que alcançar a felicidade é cumprir com a finalidade, e é precisamente por este motivo que o amor de Deus a traz, porque ele é a chave para se alcançar a santificação, fim de toda criatura racional.
De outro lado, este mandamento eximiamente praticado não é um privilégio exclusivo dos santos ou das almas perfeitas, mas está ao alcance de qualquer cristão que se apóie na graça. A delicada Santa Terezinha do menino Jesus pôde com audácia desejar os mais ousados atos de amor: “Quisera, como Tu, meu adorado Esposo, ser flagelada e crucificada… Como São Bartolomeu, quisera morrer esfolada, […] e como Joana D’Arc, minha querida irmã, quisera sobre a fogueira murmurar teu nome, Ó Jesus”, porque conhecia sua fraqueza e não depositava nos próprios esforços o êxito de seus atos: “Ó meu Jesus! O que vais responder a todas estas minhas loucuras?… Haverá alma mais pequenina, mais impotente do que a minha?”.[2]
Como atestam os exemplos dos santos, praticar o primeiro mandamento é cultuar o verdadeiro e único Deus por atitudes diversas aliadas a uma pura intenção de se agradá-Lo; tais ações os teólogos expõem clara e sinteticamente: a devoção, a oração e a adoração por qualquer leigo, o sacrifício e as oferendas e oblações pelos ministros.
A devoção
A devoção é a prontidão da vontade para entregar-se às coisas que pertencem ao serviço de Deus. Ela é o ato principal da virtude da religião, que se refere ao culto de Deus, e pode também provir da caridade, desde que quem a pratique almeje alcançar a inteira união com Ele. Ela é a entrega e consagração total ao Criador, fruto de uma meditação ou contemplação de sua bondade infinita ou da própria graça divina. Não pode, contudo, confundir-se com as orações e cerimônias intermináveis de devotos falsos e escrupulosos. Deve ser vista como um ato de amor fervoroso contrário à acedia ou preguiça espiritual, e tanto mais obrigatório quanto mais esta última se faz presente[3]. Entrar numa confraria ou associação católica com fins de caridade é um bom exercício público e comum de devoção[4].
A oração
Apesar de poder ser usada em diversos sentidos, a noção teológica mais aceita da palavra oração é a elevação da mente a Deus para louvá-lo e pedi-lo coisas convenientes a eterna salvação[5]. A oração como louvor é de grande mérito e agrada muito a Deus. Porém, pedir com piedade e perseverança coisas para si ou para o próximo também constitui importante meio de santificação, sem salientar que todo adulto é obrigado a fazê-lo se deseja chegar ao céu, uma vez que “sem o socorro da graça, nada de bom podemos fazer: “Sem mim, nada podeis fazer (Jo 15, 5)”[6].
Não há nada que se peça a Deus de acordo com a salvação eterna que Ele não conceda, pois não pode agir contra suas próprias promessas: “Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto. Porque todo aquele que pede, recebe. Quem busca, acha. A quem bate, abrir-se-á” (Mt 7,7-9). É claro que pedir coisas temporais, tais como saúde, bem estar, riquezas, unicamente para o gozo desta vida, sem a perspectiva da vida futura, não está conforme Sua vontade, e seria um castigo tremendo que estas preces fossem atendidas. Entretanto, o próprio São João Bosco não hesitou em pedir a cura de um senador que estava prestes a morrer, tendo o moribundo prometido duas mil liras mensais para a igreja de Valdoco caso sarasse. E passados três dias lá estava o homem pagando a primeira parte de sua dívida[7].
Há diversos modos de oração: a pública ou a que se realiza em nome da Igreja e com as fórmulas da liturgia oficial, como faz o sacerdote; e a privada ou a que realiza o simples fiel, sozinho ou acompanhado de outras pessoas[8]. A sagrada tradição sempre aconselhou nos lábios dos pontífices a recitação do rosário como uma valiosa oração e poderoso meio de santificação: “O Rosário, lentamente recitado e meditado – em família, em comunidade, pessoalmente – vos fará penetrar pouco a pouco nos sentimentos de Jesus Cristo e de sua Mãe, evocando todos os acontecimentos que são a chave de nossa salvação”[9].
A oração classifica-se ainda por vocal, ou seja, manifestando a Deus a devoção interior através da linguagem falada; e por último, a mental, que se realiza somente com os atos interiores da inteligência e da vontade. Pode ainda distinguir-se pela intenção com o qual é feita, sendo chamada latréutica quando se quer reconhecer a divina excelência de Deus e mostra-lhe submissão, eucarística quando a intenção é a de dar graças pelos benefícios recebidos, deprecatória quando se pede novas mercês, e propiciatória quando se almeja a remissão dos pecados e das penas correspondentes[10].
A adoração
A adoração é o ato pelo qual se testemunha a honra e a reverência merecida pela excelência infinita de Deus, e a completa submissão a Ele. Pode ser de caráter interno, o reconhecimento da soberania de Deus pela inteligência e a submissão da vontade a Ele; ou externo, estes mesmos atos feitos publicamente. Os principais são: o sacrifício, a genuflexão, a inclinação, a prostração e a elevação das mãos. É também um belo ato de adoração visitar o Santíssimo sacramento, pois como admoesta São Pedro Julião Eymard: “O Deus da Eucaristia está sobre o seu trono de amor para ser o centro único de todas as nossas adorações e de nossos corações” [11].
A adoração em seu sentido absoluto só pode ser oferecida a Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo, o que se chama latria. Relativamente pode-se oferecer também às imagens de Cristo, à Santa Cruz, nas autênticas partículas do Santo Lenho, e nas demais relíquias da sagrada paixão. Os demais cultos não são denominados adoração, mas veneração, e se dividem em “dulia”, ou seja, o culto prestado aos santos e anjos enquanto servos de Deus na ordem sobrenatural – tendo proeminência entre eles o do Patriarca São José (protodulia) – e hiperdulia, o culto prestado à Virgem Maria por sua dignidade excelsa de Mãe de Deus que a coloca acima de todos os anjos e santos[12].
Sacrifícios, oferendas e oblações
Há ainda o ato mais importante do culto externo e público, realizado pelo sacerdote, com o qual se pode honrar a Deus, o sacrifício. Ele pode ser divido em várias espécies considerando-se seu fim, o modo com o qual é praticado, ou a eficácia que tem. Por razão de seu fim pode ser latréutico ou de simples adoração a Deus, impetratório para pedir-lhe benefícios, satisfatório em reparação dos pecados, e eucarístico em ação de graças pelos benefícios recebidos. Em relação ao modo de praticá-lo classifica-se em cruento, isto é, com derramamento de sangue, como eram os sacrifícios do Antigo Testamento e o do Calvário, e incruento, ou seja, sem efusão de sangue, como a Santa Missa, único sacrifício verdadeiro e legítimo na Nova lei. No que diz respeito à razão de sua eficácia também se divide em três categorias: eficácia finita por parte do agente e da obra, tais como eram os sacrifícios do Antigo Testamento; infinita por parte do agente e da obra, como o sacrifício do Calvário; e por último, infinita por parte da obra e finita por parte do agente, a santa missa[13]. O sacrifício da missa é o “que nos torna o céu propício, que abranda as iras do Eterno Pae ofendido por tantos crimes da humanidade. Quão gratos devemos ser a Jesus Cristo que o instituiu!…”[14].
Além disso, distinguem-se as ofertas e oblações que são oferecidas para honrar a Deus no seu culto, para sustento dos pobres ou até dos próprios ministros, tais como os dízimos antigos e os estipêndios modernos pelos sacramentos e outros serviços religiosos[15].
Além das omissões
Crescerá enormemente na virtude quem não omitir os atos de amor de Deus. No entanto, deve também observar sua conduta a fim de não pecar por excesso ou por defeito deste mandamento. Deste modo, errará aquele que render a Deus um culto de modo indevido, ou render um culto divino a quem não deve recebê-lo, o que se chama superstição. Não que um culto a Deus possa ser quantitativamente excessivo, mas poderá ser realizado de maneira imprópria. Acrescentam-se a este pecado o espiritismo, a magia, etc.
A idolatria, tributar a uma criatura a adoração que convém somente a Deus, a irreligiosidade, e a adivinhação, o usurpar aquilo que pertence só ao domínio de Deus, sobretudo quando se invocam os demônios para esse efeito, é evidentemente pecado. É importante salientar aqui o sacrilégio, ou a profanação ou trato indigno de algo sagrado, e a simonia, intenção deliberada de comprar ou vender uma coisa espiritual, como por exemplo, administrar um sacramento por algum valor financeiro.
Portanto, cumpre observar este preceito em todos os seus aspectos. O amor de Deus é a essência de todos os mandamentos, que praticados sem ele seriam nulos, ou perderiam o mérito. De outro lado, a mínima ação unida a ele toma verdadeira força meritória.
Uma questão de gratidão
Conta-se que um ilustre sábio certa vez disse que a mais frágil de todas as virtudes é a gratidão. Bem parece ser verdade, pois ao que é verdadeiro quando reluz em toda sua intensidade nada pode ofuscar. Que ela deve ser maior quando maior é o que se recebe gratuitamente não precisa-se de sábio que o ensine. Todavia, se isto é assim, qual não deve ser o amor de todo homem para com Deus que o criou para Si e o redimiu depois do pecado, dando-lhe seu próprio Filho para morrer na Cruz: “Jesus Cristo é o amor de Deus humanado, oferecido ao homem de todas as maneiras, sob todas as formas e em todos os estados, para lhe provar o amor de seu Criador”[16]. Isto posto, praticar o primeiro mandamento não é só uma mera questão de buscar a felicidade pessoal, mas algo que transcende a isto; é uma questão de retribuição, de gratidão… Deus assim envolve os seus num ciclo atraente e eterno, em que a cada nova manifestação de seu amor correspondida Ele se desdobra em mais carinho à busca que sua criatura o ame ainda mais. Estar fora deste amor é uma lastimável perda de tempo. Que ele livre seus diletos filhos de repetir a frase de Santo Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei!”[17].
Ítalo Santana Nascimento
Revisão: R. Solera/ M. Melo
[1] SANTO AGOSTINHO. Confissões. Tradução de Maria Luíza Jardim Amarante 18. e.d. São Paulo: Paulus, 2005. p. 288.
[2] SANTA TEREZINHA. História de uma alma: manuscritos autobiográficos. 25. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
[3] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[4] SÃO FRANCISCO DE SALES. Filotéia. Tradução de Frei João José P. De Castro. Vozes: Petrópolis, 2004.
[5] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[6] SANTO AFONSO MARIA DE LIGÒRIO. A oração: o grande meio para alcaçarmos de Deus a salvação e todas as graças que desejamos. Aparecida: Santuário, 2007. p. 18.
[7] BOSCO, Terésio. Dom Bosco: uma biografia nova. Tradução de Hilário Passero. 6. ed. São Paulo: Salesiana, 2002.
[8] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[9] JOÃO PAULO II. Alocução de 06 de maio de 1980.
[10] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[11] SÃO PEDRO JULIÃO EYMAR. Flores da Eucaristia. 2. ed. São Paulo: Palavra e Prece, 2005. p. 351.
[12] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[13] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[14] MONTEIRO, Pe. Alexandrino. Reflexões Evangélicas. Petrópolis: Typographia das Vozes de Petrópolis, 1925. p. 478.
[15] MARIN, Antonio Royo. Teología Moral para Seglares: Moral fundamental y especial. Vol. I. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.
[16] SÃO PEDRO JULIÃO EYMAR. Flores da Eucaristia. 2. ed. São Paulo: Palavra e Prece, 2005. p. 223.
[17] SANTO AGOSTINHO. Confissões. Tradução de Maria Luíza Jardim Amarante 18. e.d. São Paulo: Paulus, 2005.