Redação (03/09/2013, Virgo Flos Carmeli) Contemplemos juntos, à vol d’oiseau, certos aspectos de algumas das mais importantes insígnias episcopais. Com efeito, sendo o Bispo Príncipe da Igreja e sucessor dos Apóstolos, é natural que tenha – assim como os príncipes terrenos – símbolos que, de alguma forma, traduzam materialmente a realidade sobrenatural da excelência de sua condição. Trataremos aqui das quatro insígnias que atualmente mais representam ao Bispo: o anel, a cruz peitoral, a mitra e o báculo.
O Anel Episcopal
Em todos os tempos e em praticamente todos os povos, o anel personificou o símbolo de autoridade, de dignidade e de preeminência: ele é para a mão o que é a coroa para a cabeça. De igual modo, o anel episcopal contém estas características, uma vez que ele reflete a eminente autoridade, a dignidade e a preeminência do prelado que o porta. Ademais, também é ele um símbolo da aliança espiritual que une o Bispo com sua Igreja; com efeito, ele o leva na mão direita (no dedo anular) pois é com esta que abençoa suas ovelhas. Como penhor de lealdade e como símbolo de seu desponsório com a Santa Igreja – de sua fidelidade à Esposa de Cristo – utiliza um anel. Desde tempos remotos a Igreja fez esta correlação. Santo Optato de Mileva (século IV), sobre o anel episcopal, já escrevia que seu uso pelo Bispo servia para que se reconhecesse que ele era esposo da Igreja[1].
Dentre os Bispos há um que se sobrepassa, por sua missão e comunicação com o Espírito Santo: o Bispo de Roma, o Papa. A tão excelente prelado cabe um anel todo especial: o chamado “anel do Pescador”, que, por sua vez, também representa a Missão do Sumo Pontífice, ou seja, missão de ser pescador de homens, e salvá-los da morte, com a rede do Evangelho. É o que nos ensinou Bento XVI, na homilia na qual ele mesmo recebeu o anel do pescador: “A rede do Evangelho tira-nos para fora das águas da morte e conduz-nos ao esplendor da luz de Deus, na verdadeira vida. É precisamente assim na missão de pescador de homens.”[2]
A Cruz Peitoral
Outro importante símbolo episcopal é a Cruz Peitoral, cujo uso remonta ao século XIII, e que contém em seu interior – geralmente – relíquias de Santos Mártires.[3] Pendendo de seus ombros, tal cruz está constantemente diante do Prelado, o que serve para lembrá-lo a todo instante, de Cristo Senhor Nosso, que morreu por ele no Calvário; e a fé que ele professa com seu próprio sangue.
Sobre a história do uso da Cruz peitoral[4], sabe-se que já para os primeiros cristãos, era costume portar algum objeto sagrado que servia para evocar a lembrança de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando era grande o perigo, às vezes traziam no peito a Santíssima Eucaristia. Mais tarde, tendo diminuído as perseguições, passou-se a usar a cruz no peito, como sinal claro e distintivo de fiel cristão. A partir do século XIII, como dissemos, o uso da Cruz Peitoral passou a ser sinal distintivo próprio aos Bispos.
A Mitra
Desde o Antigo Testamento vemos o costume dos Sumos Sacerdotes portarem uma cobertura para a cabeça, como encontramos no livro do Levítico, onde há uma referência aos filhos de Aarão: “Depois mandou que se aproximassem os filhos de Aarão, e os revestiu de túnicas e de cinturas, pondo-lhes também mitras[5] nas cabeças, como o Senhor lhe tinha ordenado” (8,13).
Igualmente os cristãos empregaram um chapéu sacerdotal, que logo foi reservado aos Bispos, como nos explica LECLERCQ: “Os cristãos fizeram igualmente o uso de um chapéu sacerdotal, tanto no Ocidente como no Oriente […]; sendo, entretanto, em todos os lugares reservado aos bispos, e tendo por nome μίτρα (mitra).”[6]
A mitra é um dos mais nobres símbolos dos príncipes da Santa Igreja, seu uso remonta, enquanto insígnia episcopal, ao ano 1000, sendo antes desta data utilizada por alguns Bispos, e depois, de uso universal na Igreja. É a opinião de alguns autores, como o Cardeal Bona[7], que crê também que é por volta do século X que ela tomou sua forma atual – ao menos nas linhas gerais.
Sendo a mitra, antigamente, como uma coroa, constata-se[8] que ela se transformou, até tomar a forma característica de hoje. Tais mudanças devem-se a vários fatores de ordem prática, como, por exemplo, o contato imediato do metal gélido com a cabeça, o que causava grandes inconvenientes – sobretudo no inverno europeu. Leve-se em conta também que quem a portava era geralmente um venerável prelado, a quem os anos pesavam, portanto, senão todos, ao menos muitos já não tinham mais fisicamente o vigor da juventude. Isso se refletia na calvície de suas respeitáveis frontes, fazendo aumentar o desconforto do contato da pele com o metal enregelado. Enfim, o peso, a estética e a maneabilidade (julgue-se pela quantidade de vezes que o Bispo deve tirar, ou colocar a mitra em cerimônias) acabaram por burilar a antiga mitra, até obtermos sua forma atual. Recorde-se que seus dois lados, os quais se encontram no cume, desenhando uma ponta, simbolizando juntos a sabedoria que deve ter o Bispo, acerca de cada um dos dois Testamentos.[9]
Outro fator importante é sua cor: branca. A cor alva significa a castidade do prelado, ele a porta sobre a cabeça, pois é nela que se encontram os cinco sentidos, pelos quais o brilho da pureza pode ser tão facilmente maculado. É inclusive para protegê-los que os Bispos portam a mitra da castidade.[10]
Por último, cumpre rememorar o que, muito belamente, expressa DURAND, a saber:
“O Bispo abençoa, com a cabeça recoberta com a mitra; ele executa então uma função toda divina. Deus abençoa por seu ministério; mas, quando ele reza, ele a retira: é então o homem que se humilha diante de Deus. O mesmo acontece quando ele incensa, pois o incensamento significa as orações dos santos, oferecidas a Deus pelo pontífice”.[11]
O Báculo
Símbolo do ofício de Bom Pastor, que guarda e acompanha com solicitude o rebanho que lhe foi confiado pelo Espírito Santo[12], o Báculo foi usado desde os primeiros séculos do cristianismo, têm-se até notícias de que no século IV ele já era usado por alguns Bispos. Este bastão pastoral deriva do cajado que usavam os viajantes, conta-nos EYGUN:
“[Sabe-se que] muito antigamente, os fiéis vinham aos ofícios com seus cajados, pois que os rituais dos primeiros séculos os recomendavam de depositá-lo durante o Evangelho. Ele servia para que os fiéis se apoiassem durante as longas cerimônias, às quais assistia-se de pé.”[13]
Como vemos, o uso do báculo é um muito antigo costume, herdado de toda uma civilização acostumada ao deslocamento per ambulam, e que, portanto, o cajado premunia para longas viagens, ou grandes períodos de tempo em que se deveria permanecer de pé. Paralelamente, no âmbito pastoral, o emprego do báculo se origina na necessidade que tinham os Bispos – geralmente anciãos – de se apoiarem em um bastão durante as viagens apostólicas e as cerimônias litúrgicas; mais tarde, a Igreja acrescentou ao báculo a idéia da autoridade episcopal, assim como, paralelamente, o cetro representa o poder de um monarca.[14] Cumpre ressaltar ainda que, sob o prisma simbólico, o báculo é como que o cajado que usam os pastores, visto que se serve dele aquele que tem a obrigação de assistir e dirigir o rebanho e guardá-lo em aprisco seguro, contra as investidas dos lobos. Este bastão é, do mesmo modo, insígnia da jurisdição do Bispo, assim sendo, o Prelado não o pode usá-lo fora de sua própria diocese (não é território sob sua responsabilidade, portanto, não está em meio a suas ovelhas), e nem mesmo nas Missas dos defuntos, pois que a Igreja Militante não tem jurisdição sobre a Igreja Padecente.[15]
Muito profundo significado sobre o báculo é o que nos ensinou o Beato João Paulo II, em uma Ordenação Episcopal, durante uma viagem sua à África:
“Vós portais, com direito, sobre a cabeça o emblema do chefe, e, na mão, o báculo do pastor. Lembrai-vos que vossa autoridade, segundo Jesus, é aquela do Bom Pastor, que conhece suas ovelhas e está muito atento a cada uma delas; é aquela do Pai que se impõe por seu espírito de amor e de devotamento; é aquela do intendente, pronto para prestar contas a seu mestre; é aquela do ‘ministro’, que está em meio aos seus ‘como aquele que serve’ e que está pronto para dar a sua vida.”[16]
Por fim, concluímos a explicação sobre o báculo, com o belíssimo pensamento do Pe. DURAND, que nos fornece um outro significado desta insígnia:
“Inocêncio III, em sua carta ao primado da Bulgária, diz que o uso do báculo remonta a São Pedro. Sua forma não é menos antiga, os [exemplares] que até hoje se conservaram, são como os báculos de hoje, agudos em sua extremidade inferior, retos ao meio, e dobrados em seu cimo. Esta forma tradicional retraça ao pontífice seus deveres: aguilhoar os preguiçosos, dirigir os fracos e reunir os que erraram pelas veredas do mal.”[17]
Conclusão
Estas quatro insígnias episcopais são símbolos que, de alguma forma, tentam traduzir em linguagem material o que é de uma excelência superior. Podemos então concluir com o Catecismo da Igreja Católica que nos ensina que, assim como os diversos sacramentos exprimem múltiplos aspectos da graça sacramental, do mesmo modo, na ordenação, entrega-se ao Bispo o anel, a mitra e o báculo (poderíamos ainda incluir, no significado, a cruz peitoral) “em sinal da sua missão apostólica de anunciar a Palavra de Deus, da sua fidelidade à Igreja, esposa de Cristo, do seu múnus de pastor do rebanho do Senhor.”[18] Estas são as realidades superiores e impalpáveis que as insígnias episcopais traduzem aos nossos sentidos.
Por Michel Six
[1] “Ut se sponsum Ecclesiae cognoscat” Cf. EYGUN, François. In : Litugia : Encycolpédie Populaire des connaissances liturgiques. Paris : Bloud & Gay, 1930, p. 340 (tradução do autor).
[2] . “La rete del Vangelo ci tira fuori dalle acque della morte e ci porta nello splendore della luce di Dio, nella vera vita. E’ proprio così – nella missione di pescatore di uomini.” Bento XVI, Homilia. 24 abr. 2005. In: AAS 97 (2005) p. 711 (tradução do autor).
[3] Cf. LEROSEY, A. Introduction à la Liturgie. Paris : Berche et Tralin, 1890. p. 254.
[4] Cf. BOULENGER. Doutrina Catholica. Rio de Janeiro; São Paulo: Livraria Francisco Alves , 1927. p. 267.
[5] Note-se que algumas traduções trazem o nome de “turbante” no lugar de mitra.
[6] “Les chrétiens firent usage également d’une coiffure sacerdotale, aussi bien em Occident qu’en Orient […]; partout ailleurs, elle fut réservée aux évêques et porta généralement le non de μίτρα, mitra, mitre. MITRE, In : LECLERCQ, Henri. Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie. Paris : Letouzey et Ané, 1934, Vol. XI – 2ª parte. coluna. 1554 (tradução do Autor).
[7] Cf. In. LEROSEY, A. Introduction à la Liturgie. Paris : Berche et Tralin, 1890. p. 256.
[8] Cf.MAYER, P. In: MITRE, In : LECLERCQ, Henri. Dictionnaire d’Archéologie Chrétienne et de Liturgie. Paris : Letouzey et Ané, 1934, Vol. XI – 2ª parte. coluna. 1557.
[9] Cf. DURAND, A. Le Culte Catholique: Dans ses cérémonies et ses symboles d’après l’enseignement traditionnel de l’Église. Paris : Jouby et Roger, 1868. p. 177.
[10] Cf. LEROSEY, A. Introduction à la Liturgie. Paris : Berche et Tralin, 1890. p. 257.
[11] “L’évêque bénit, la tête couverte de la mitre; il s’acquitte alors d’une fonction toute divine. Dieu bénit par son ministère. Mais, quand il prie, il la dépose : c’est l’homme alors quis’humilie devant Dieu. De même en est-il quand il encense, parce que l’ensencement signifie les prières des saints, offertes à Dieu par le pontife.” DURAND, A. Le Culte Catholique: Dans ses cérémonies et ses symboles d’après l’enseignement traditionnel de l’Église. Paris : Jouby et Roger, 1868. p. 178.
[12] Cf. Pontificale Romanum, De ordinatione episcopi, 50-54, p. 26-27
[13] “Très anciennement, les fidèles venaient aux offices avec leur bâton, puisque les rituels des premiers siècles leur recommandaient de le déposer pendant l’évangile. Il leur servait à s’appuyer pendant les longues cérémonies auxquelles on assitait debout.” Cf. EYGUN, François. In : Litugia – Encycolpédie Populaire des connaissances liturgiques. Paris : Bloud & Gay, 1930, p. 335 (tradução do autor).
[14] Cf. LEROSEY, A. Introduction à la Liturgie. Paris : Berche et Tralin, 1890. p. 258.
[15] Cf. BOULENGER. Doutrina Catholica. Rio de Janeiro; São Paulo: Livraria Francisco Alves , 1927. p. 268.
[16] “Vous portez à bon droit sur la tête l’emblème du chef et en main la crosse du pasteur. Souvenez-vous que votre autorité, selon Jésus, est celle du Bon Pasteur, qui connaît ses brebis et est très attentif à chacune; celle du Père qui s’impose par son esprit d’amour et de dévouement; celle de l’intendant, prêt à rendre compte à son Maître; celle du “ministre”, qui est au milieu des siens “comme celui qui sert” et est prêt à donner sa vie.” João Paulo II, Discurso por ocasião da Ordenação Episcopal de oito novos Bispos 4 maio 1980. In: AAS 72 (1980) p. 451 (tradução do autor).
[17] “Innocent III, dans sa lettre au primat de Bulgarie, dit que l’usage de la crosse remonte à saint Pierre. Sa forme n’est pas moins ancienne; celle que l’on a conservées sont, comme les crosses d’aujourd’hui, aiguës à leur extrémité inférieure, droites par le milieu et recourbées à leur sommet. Cette forme traditionnelle retrace au pontife ses devoirs : aiguillonner les paresseux, diriger les faibles et rassembler ceux qui errent dans les sentiers du mal.” DURAND, A. Le Culte Catholique: Dans ses cérémonies et ses symboles d’après l’enseignement traditionnel de l’Église. Paris : Jouby et Roger, 1868. p. 178-179.
[18] Cf. CEC, nº 1574.