Redação (24/05/2010, Virgo Flos Carmeli) As crianças, na sua mistura peculiar de inocência e ignorância, são como livros onde se escrevem, ora linhas substanciosas, admiráveis e encantadoras, ora linhas medíocres, sem sentido e até mesmo ignóbeis. Constituem, ainda que em gérmen e em potência, o tão incerto porvir do mundo.
Por isso, é mister que as instituições da família e da pedagogia infantil tenham especial zelo, cuidado e dedicação em sua formação, nunca permitindo o ócio, mãe de todos os vícios, em suas principiantes e inexperientes existências.
Apresentar-lhes metas a serem galgadas e ideais a serem realizados, mantendo-as sempre ocupadas e alargando-lhes aos poucos os horizontes da alma, pode ser um inteligente meio de evitar tal desvio, pois, como diz Paul Claudel, “a juventude não foi feita para o prazer, mas sim para o heroísmo!”.
Analisando as fisionomias e atitudes dos meninos no clichê ao lado, vem-nos logo ao espírito uma indagação: quais são as primeiras linhas desses livros – suas almas – que, por hora, apenas começam a ser escritos, mas que, dentro em breve, sairão a lume? Linhas de heroísmo ou de prazer? Linhas de disciplina ou de libertinagem? Linhas de ocupação sadia ou de ócio? Linhas em que brilham o empenho e o afã de interessar-se e dedicar-se por algo sublime, ou linhas pardas e cinzentas, de uma história medíocre e vazia de significado?
Para nós, geração de fins do século XX e início do XXI, que vivemos envoltos em dramas e dificuldades, muitas vezes angustiados à busca de um pouco de paz, provavelmente a representação se nos afigura inocente, pitoresca, e mesmo um tanto distensiva: alguns meninos cantam; um outro parece declamar, absorto em algo meio irreal contemplado para além da janela; e, mais salientes na cena, dois infantes mutuamente arrancam-se os cabelos, sendo plácida e aprazivelmente observados por dois outros companheiros. No todo, o quadro chega até a despertar o riso.
Entretanto, deitando um olhar mais profundo, não podemos deixar de auferir que as primeiras páginas das almas desses pequenos não estão sendo objeto da devida atenção por parte de seus responsáveis, sejam eles pais – se a cena retrata uma reunião familiar – sejam eles educadores – se os meninos estão num qualquer centro de ensino. Claramente nota-se nos rostos a despreocupação, o laisser faire, laisser passer, e mesmo certo ar de bobeira – como se a vida não fosse séria, e não nos esperasse Deus no juízo final, com o prêmio ou o castigo…!
E deste jovem pintado por Velázquez, o que dizer? O que escreveram os formadores dele nas “primeiras páginas” de sua alma?
O olhar parece estar em desproporção com o tamanho: reflexivo, conseqüente e profundo; inspira tal seriedade que se diria um varão experimentado, não um menino.
O sombreiro, erguido dessimetricamente, e o esvoaçar da vestimenta parecem querer exprimir o arrojo irrefreável, o ideal coruscante, o horizonte sem fronteiras da alma daquele que os porta: está determinado a cumprir seu dever custe o que custar, doa o que doer, sofra o que sofrer.
Entretanto, de encontro ao possível equívoco de considerar como sinônimos heroísmo e agitação, o equilíbrio de sua alma é inteiro; a isenção de ânimo, completa; a distância psíquica, total. Esse notável auto-domínio transparece muito na curvatura calma e elegante dos braços conjugada às mãos, a um tempo firmes ao suster as rédeas e o bastão, sem perder certo ar de suavidade e leveza.
Eis um excelente fruto de uma boa formação familiar e pedagógica.
Vimos nos dois clichês como as primeiras linhas da história das almas, e em conseqüência o resto do livro, podem divergir de acordo com a formação recebida na infância. Agora é ao pai ou mãe de família, professor no colégio ou que simplesmente cuida de crianças, que neste momento se dirigem os Anjos da Guarda desses pequeninos, cobrando uma atitude em prol de seus protegidos. Só lhes resta escolher com que “literaturas” preencherão as primeiras páginas de suas vidas…
Flávio Fugyama – 3º ano de Teologia