Redação (06/05/2010, Virgo Flos Carmeli) O pecado é a aversão a Deus e a conversão às criaturas, diz São Tomás. Sendo o homem criado para servir, amar e glorificar a Deus, tudo aquilo que o afasta deste fim deve se rejeitado, e tudo aquilo que o aproxima deve ser aceito.
Ora, o homem não é, como os anjos, apenas espírito, senão que é constituído de corpo e alma. Portanto, não pode viver de acordo com sua natureza própria sem se utilizar de elementos materiais.
Há aqui uma aparente contradição. Se o pecado é a conversão às criaturas, e se o homem não deve pecar, como pode ser que esteja em sua natureza utilizar-se das criaturas?
Deus é a própria Sabedoria em substância e não poderia criar algo que fosse contraditório. Se há alguma falha devo procurá-la em mim, não em Deus.
O homem não só pode, mas deve utilizar-se das criaturas materiais que estão ao seu alcance, pois como diz o próprio Deus no Gênesis “Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra. Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus, a tudo o que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, eu dou toda erva verde por alimento”. (Cf. Gn 1, 28-30)
Qual é o erro então? A resposta é simples. Deus é o fim último do homem, todas as outras criaturas são instrumentos ou meios que o homem deve utilizar para mais facilmente subir até seu Criador. Por isso, o homem deve procurar as criaturas que mais o elevem a Deus e rejeitar as que d’Ele o afastem.
Porque Deus quer que subamos até ele através das criaturas? Como Deus é a humildade, Ele prefere agir através de causas segundas e dá ao homem capacidade de tomar as criaturas, como elas se encontram na natureza, trabalhá-las e “criar” verdadeiras maravilhas. Estas obras saídas das mãos humanas são as netas de Deus.
Uma das vias para se chegar ao conhecimento de Deus, abstraindo o da fé, é a beleza, segundo o Doutor Angélico. Ora, se a beleza nos dá provas de que Deus existe, quão quanto mais razão ela conduzirá para Ele os que já O conhecem.
A beleza é um elemento muito eficaz para elevar o homem até seu Criador e deve ter um lugar especial na mente humana para que suas obras mais perfeitamente o levem ao seu fim.
Carruagens, estas verdadeiras bombonieres para portar homens, podem servir exemplo disto. Como é nobre que o homem ao invés de se deslocar daqui para lá andando use meios como esta magnífica carruagem. É verdade que ela não tem nem de longe a capacidade de velocidade que existe nos automóveis de nossos dias, mas talvez isso seja mais uma de suas vantagens.
A velocidade automobilística foi criada para solucionar problemas, por ela criados, e que antes dela não existiam. Enquanto que a carruagem, pelo contrário, é lenta, mas dá um ar de leveza e de serenidade para quantos a olhem. É nobre, distinta e elegante. Quase diríamos que a pessoa que passeia dentro dela é feita de porcelana e que vive sem as preocupações de que nós estamos encharcados. A posição na qual ficava o cocheiro elevava sua pessoa e sua profissão e dava aos transeuntes um belo espetáculo de dignidade e respeitabilidade.
Qual era o estado de espírito do homem que andasse nessa carruagem? Placidez, elevação de espírito, delicadeza de alma, fortaleza de pensamento. Provavelmente diferente do homem moderno.
E o homem que idealizou a carruagem? Alma rica em amor a Deus, cheia de sabedoria – no mais alto sentido da palavra sabedoria, ou seja, um conhecimento saboroso das coisas divinas. Não imperava nele sobretudo o desejo do lucro ou da fama, mas sua principal intenção era fazer refletir um aspecto de Deus e elevar as almas de quantos utilizassem ou vissem aquela carruagem.
Talvez isso não fosse explícito em seu espírito, mas de tal maneira a sociedade de então vivia tendo Deus no centro de todas as coisas que tudo quanto se produzia sai quase espontaneamente maravilhoso. Que época diferente d que vivemos…
Qual é a vantagem de fabricar um meio de locomoção lindo, mas de pouca utilidade prática, e que além disso provavelmente iria custar mais caro? Imaginemos, por exemplo, que alguma casa de chocolates famosa no mundo tomasse uma dessas carruagens e estilizasse caixas de chocolate com essas formas e colocasse nessas caixas os seus melhores bombons. Não seria considerada uma idéia originalíssima? Certamente sim. E teria uma grande saída. Por quê? Muito simples! A alma humana tem sede das coisas belas, pois tem sede de Deus, Beleza absoluta.
Nós poderíamos nos perguntar qual dos meios de locomoção nos conduz mais ao nosso fim que é Deus. Quem ousaria dizer que é o último modelo de carro moderno? As criaturas devem ajudar o homem a encontrar a verdadeira felicidade aqui na terra a espera da felicidade sem fim que o aguarda no Céu. Para isso nada melhor que habituar-se, através de belezas efêmeras, à Beleza eterna que nos espera de braços abertos na eternidade.
Felipe Rodrigues (3º ano Teologia)