Redação (15/03/2010, Virgo Flos Carmeli) É pelas linhas históricas, mas também cheias de simbolismos e significados do Gênesis, que vemos narrado as primeiras páginas da imensa crônica de nossa história. Páginas que possuem doutrinas fundamentais para nossa Fé. E, que de certo modo, servem de “pedestal” para a Teologia, sem as quais, muitas verdades se sentiriam abaladas ou simplesmente cairiam por terra.
Através do primeiro livro do Pentateuco sabemos que a natureza humana foi maculada pelo pecado de nossos primeiros pais quando desobedeceram ao Criador. É a partir daí que o mal se faz notar em meio à humanidade. Mal que é a raiz de todas as outras monstruosidades e horrores, que manchariam as páginas da história pelos séculos futuros.
Para mencionar apenas uma destas inúmeras nódoas, basta folhear um pouco mais o Gênesis, que iremos deparar com Caim, onde conheceremos os primeiros títulos dados a alguém, ou melhor, as primeiras alcunhas: Caim o Orgulhoso, o Invejoso, o Revoltado, enfim, o Fratricida.
Com efeito, alguém poderia indagar: Não foi o próprio Deus a causa do pecado? Afirmar coisas deste tipo, além de blasfemo, seria uma heresia, uma vez que Deus é o Sumo Bem. Mas, se Deus sabia de tudo o que iria acontecer, porque, então, permitiu que o homem fosse tentado e, além do mais, lhe deu livre-arbítrio? Vejamos qual o motivo.
Antes de mais, vale a pena notar que, quando o teólogo começa a fazer suas considerações, sempre deve ter como ponto de partida o seguinte princípio: se Deus fez, foi o mais perfeito. Sobretudo quando se vai tratar dos “porquês” de Deus, como no nosso caso. É só depois de ter isso bem claro, que ele pode tranquilamente fazer suas perscrutações.
Santo Agostinho, além da grande inteligência que possuía, tinha bem presente esta regra, por isso, será ele o nosso apoio para tão delicadas explicitações.
Ao considerar o fato de Deus ter permitido a tentação, ele ressalta que não seria digno de louvor se o homem pudesse viver bem, não havendo ninguém para persuadi-lo a viver mal, sobretudo quando por natureza ele tinha em seu poder o querer, e assim poder não consentir ao sedutor.[1] Não podemos também esquecer que, pela tentação, o homem prova e exercita a virtude, e é um triunfo mais glorioso não consentir na tentação do que não poder ser tentado.[2]
No que diz respeito ao livre-arbítrio, Deus julgou que os seus servidores seriam melhores se livremente o fizessem. Coisa impossível de conseguir mediante serviço forçado e condicionado.[3] Assim, foi usando mal de seu livre-arbítrio, que o homem pecou. O pecado é sempre um ato voluntário, caso contrário, de nenhum modo haveria pecado. Esta afirmação goza de tal evidência – afirma o bispo de Hipona- que sobre ela estão de acordo os poucos sábios e os numerosos ignorantes que existem no mundo. “Pelo que, ou se há de negar a existência do pecado ou confessar que ele é cometido voluntariamente”.[4]
A Sagrada Escritura deixa isso bem evidente, quando narra o momento da queda de Adão e Eva:
A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou ao seu marido, que comeu igualmente.
(Gn 3, 6).
Assim, é claro que Deus sabia o que iria acontecer, no entanto, a onisciência do Criador, jamais elimina a liberdade da criatura. Desde modo, não podemos colocar a culpa em Deus, mas sim, na vontade do homem.
Mas, existe uma causa mais profunda: Deus não permitiria o mal se dele não tirasse um bem maior. (Cf. Rm 3, 5-8). Destarte, fica mais fácil entender um dos maiores e mais misteriosos paradoxos, insinuado pela expressão que se costuma utilizar ao mencionar o pecado de Adão: ó felix culpa. É a Encarnação que entra em cena, principalmente para redimir o pecado original. Sem o pecado, a graça seria superabundante, como afirmou São Paulo? (Cf. Rm 5, 20). Cristo teria ressuscitado dentre os mortos, como primícias dos que morreram? (Cf. 1Cor 15, 20)
Enfim, tudo isso faz parte do plano de Deus, mais belo, mais perfeito e mais sapiencial, do que se não houvesse o pecado.
Lucas Alves Gramiscelli (2º ano de Teologia)
[1]AGOSTINHO. Comentário ao Gênesis. Tradução de Agustino BELMONTE. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 390.
[2] Cfr. Idem. p. 393.
[3] Cfr. Idem. p. 21.
[4] AGOSTINHO. A verdadeira religião. O cuidado devido aos mortos . Tradução de Nair de Assis OLIVEIRA; Revisão de Honório DALBOSCO. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2007. p. 50.