Extensão do conhecimento divino
Redação (14/06/2011, Virgo Flos Carmeli) A própria razão humana conhece que a perfeição extraordinária das criaturas provém de uma inteligência, de uma ciência, de um conhecimento absolutamente superior. Neste sentido, os próprios filósofos gregos confessam que Deus é inteligência e que não pode interromper nunca a sua ação intelectual[1]. A ideia do verdadeiro Deus necessariamente inclui a onisciência, da mesma maneira que a onipotência e a onipresença.
Como consta na Sagrada Escritura, tudo está descoberto ante os olhos de Deus. Para Ele nada é invisível ou secreto. “São-lhe apresentadas as ações de todos os viventes, nada é oculto aos seus olhos. Seu olhar abrange de um século a outro: nada é extraordinário para Ele” (Eclo. 39, 24-25); “Nenhuma criatura lhe é invisível. Tudo é nu e descoberto aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas” (Hb 4,13).
A onisciência de Deus compreende todas as coisas[2] (Sl 138,1-18). Em sua divina sabedoria e conhecimento o Criador conhece os mais ínfimos seres e cuida deles até os últimos pormenores; assim age com as aves do céu, com o trigo do campo, e nenhum cabelo cai da nossa cabeça sem a sua permissão (Mt, 6, 25-30; 10, 29-31).
A fé nos ensina que Deus é soberanamente inteligente e sua ciência é perfeita. Deus tem o conhecimento exato de todas as coisas individualmente consideradas: “Ele sonda o abismo e o coração humano, e penetra os seus pensamentos mais sutis, pois o Senhor conhece tudo o que se pode saber. Ele vê os sinais dos tempos futuros, anuncia o passado e o porvir, descobre os vestígios das coisas ocultas” (Eclo, 42,18-19); é um abismo da mais insondável sabedoria. “Ó abismo de riqueza, de sabedoria e de ciência em Deus! Quão impenetráveis são os seus juízos e inexploráveis os seus caminhos!” (Rm 11, 33); “fez todas as coisas mediante sua inteligência: foi ele Quem fez o céu e a terra, o mar e tudo o que nele existe” (Sl 146,6).
Os principais dogmas da religião católica nos falam, de um modo ou de outro, desse perfeito conhecimento divino. O próprio mistério da Santíssima Trindade, dogma de fé, nos mostra a Trindade infinitamente inteligente, da qual o Verbo é a ciência e a sabedoria. Naturalmente as três Pessoas da Santíssima Trindade são igualmente fonte de ciência e sabedoria. A criação procede da Trindade como se fosse fruto de um Conselho. A Encarnação e a Redenção demonstram a sabedoria e a ciência de Deus, do mesmo modo que transparece seu poder e misericórdia.
Enfim, este conhecimento divino não se limita ao universo criado, mas também se estende a tudo quanto poderia ser criado, porque Ele é infinito e tudo, inclusive as coisas possíveis, estão contidas n’Ele.
Deus é o primeiro objeto de sua própria ciência
É verdade que ao conhecer todas as criaturas, Deus de algum modo se conhece a Si próprio, uma vez que Ele está refletido em todas elas. Não obstante, como razão mais profunda da infinita penetração do conhecimento de Deus, Santo Agostinho pondera que Ele vê em Si mesmo todas as coisas[3]. O principal objeto do conhecimento divino é a Si mesmo. Deus se compreende a Si mesmo por um só ato, eterno e imutável, correspondente à sua soberana simplicidade, atualidade e perfeição.
Somente Ele mesmo pode ser objeto adequado e digno de sua infinita inteligência, pois sendo Ele infinito, somente um ser infinito poderia compreendê-lo. Ora, esse outro ser infinito não existe, porque seria outro deus; portanto, só Ele conhece perfeitamente a Si mesmo.
São Paulo nos ensina que “Deus esquadrinha tudo, até suas próprias profundidades. Todavia, Deus no-las revelou pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra tudo, também as coisas profundas de Deus. Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus” (1Cor 2,10-11).
Ele conhece a Si mesmo com uma perfeição absoluta, inimaginável para nossa simples razão. Em Deus Pai, o conhecimento de Si mesmo é tão perfeito e supremo que gera o Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. O sublime conhecimento do Filho é causa de um amor tão perfeito, que por sua vez gera uma terceira pessoa: O Espírito Santo. Mistério inacessível à nossa razão humana…
Conhece os pensamentos e intenções dos corações
Deus conhece cada homem e o acompanha em todos os seus atos e pensamentos. Diz o apóstolo São Paulo que em Deus nós existimos, nos movemos e somos: “N’Ele é que temos a vida, o movimento e o ser (…)” (At 17,28). O Salmista afirma que “Ele conhece e vê tudo que se passa nos nossos corações. Conhece até o fundo as nossas almas e nada da nossa substância lhe é oculto” (Sl 138).
O perfeito conhecimento dos corações só pode ser feito por um ser divino. É Ele quem conhece os corações dos homens até o fundo[4]. Diz o Eclesiástico que “Ele sonda todos os corações e penetra todos os desígnios do espírito. Se O procuras, ele deixar-se-á encontrar por ti; mas se O abandonas, rejeitar-te-á para sempre. Deus penetra o abismo do coração e tudo que se passa na nossa mente, até as coisas mais sutis. Ele sonda o abismo e o coração humano, e penetra os seus pensamentos mais sutis, pois o Senhor conhece tudo o que se pode saber. Ele vê os sinais dos tempos futuros, anuncia o passado e o porvir, descobre os vestígios das coisas ocultas. Nenhum pensamento lhe escapa, nenhum fato se esconde a seus olhos” (Eclo 42, 18-20).
Baseado neste texto da Bíblia, o Concílio de Valência, em 855, e posteriormente, o Concílio Vaticano I (1870), definiram que Deus a tudo conhece, o bem e o mal, e até tudo quanto procede da liberdade criada[5].
Deus nos chama a participar de seu conhecimento
Pela inabitação da Santíssima Trindade, Deus mora em nosso interior através da vida da graça, a qual aumenta extraordinariamente em nós a capacidade de conhecer, porque ela nos torna semelhantes a Deus, participantes da sua vida divina. Ora, viver como Deus significa operar de modo semelhante ao Criador. Esta operação divina da qual a graça nos faz capaz consiste em amar e conhecer. Ao nos comunicar a graça, Deus nos faz participar também da sua sabedoria. Assim, conhecemos a Deus e as criaturas de modo semelhante a que Ele mesmo conhece a Si mesmo e suas obras.
A sabedoria, enquanto conhecimento perfeito, nos leva a considerar que Deus está refletido em tudo quanto existe; desde o pináculo da criação, a natureza humana de Cristo, a Santíssima Virgem, o mais alto dos Serafins até o último grão de areia.
Com que apreço o cristão deve confessar a onisciência de Deus, da qual de certa forma é partícipe através da graça divina?
Francisco Teixeira de Araújo
[1] Cf. Aristóteles, lib. II, Metaph.
[2] Cf. Clem. Alexandria, Strom, lib.VI, Pg. IX, 388.
[3] Santo Agostinho, lib.XV de Trinit., cap. 14; P.L.XLII,1077.
[4] Cf. 1Cor 28,9.
[5] Denziger 321, 1874.