José do Egito como pré-figura de Nosso Senhor Jesus Cristo

Redação (14/10/2013, Virgo Flos Carmeli) Depois de Deus ter criado o homem “à sua imagem e semelhança”, e tê-lo introduzido no Paraíso, quis levar a misericórdia a um extremo inimaginável: criou-o em graça, ou seja, participante de sua própria vida divina. Como corolário deste dom descia todos os dias, na brisa da tarde, para conversar com o homem.

Para o Criador não bastava a suprema bondade de fazê-lo participar de sua própria vida, mas queria ainda revelar-Se-lhe; eis porque descia para conversar com Adão.

Tendo o homem caído em pecado, perdeu o Paraíso e a própria vida sobrenatural, mas Deus não permitiu que ele “perdesse” a Revelação. Não deixou o Criador de – ora direta, ora indiretamente – revelar-Se aos homens. Embora as portas do Paraíso, celeste e terrestre, estivessem fechadas, as “portas do coração de Deus” permaneceram abertas para que o homem pudesse, sem sombra de dúvida, conhecer seu Criador.

O principal meio de que a Providência Divina se serviu para isso foi falar aos profetas, por Ela escolhidos, a fim de que estes transmitissem ao povo de Deus, aquilo que Ele Deus queria lhes dizer. E apesar das incontáveis infidelidades do povo, Deus sempre renovava a Aliança e continuava a Se comunicar.

Em determinado momento, Deus inspirou certos homens a colocarem por escrito tudo o que Ele tinha e estava revelando, para que o povo tivesse mais facilidade de não se esquecer de seu Criador.

Estes escritos não têm como objetivo principal transmitirem dados históricos, mas tudo aquilo que Deus, em sua infinita bondade, dignou-Se revelar-nos.

“Os escritos do Antigo Testamento contêm três principais afirmações: há um só Deus; seu reino espiritual deve expandir-se por todas as nações; o Messias enviado por Ele será Senhor desse reino.

“É o que podemos notar nas promessas feitas ao primeiro homem e aos patriarcas até as predições de David e Isaias, que chegam a precisar circunstâncias da vida do Messias, como por exemplo sua Paixão.

(…) dentre estes patriarcas e profetas, vários foram pré-figuras do Salvador, tal como Abraão, pai dos crentes; Isaac, que carrega a lenha às costas para o sacrifício de si mesmo e se deixa atar para ser imolado; José, que vendido por seus irmãos, convertesse em salvação para eles; Moisés, libertador, chefe e legislador; Jô, imagem do Cristo doente; David, por suas provações, realeza, orações e salmos; Jeremias, por seus sofrimentos e o amor pelo seu povo; Jonas, que o próprio Nosso Senhor assinala como figura de sua pregação e sepultura.”[1]

Uma das pré-figuras de Nosso Senhor mais eloqüentes que encontramos no Antigo Testamento é José do Egito, que por sua inocência suscitou a inveja de seus irmãos, que o venderam como escravo, tal como Jesus foi vendido por seu apóstolo como se fosse um criminoso.

Sempre que alguém surge como a representação da Verdade diante de quem abraçou as vias do pecado, ou os converte ou cria neles um ódio mortal que levará até o extermínio desta “santidade viva” que está diante de seus olhos, pois a presença de um justo é o pior tormento para aquele que não tem a consciência limpa.

Foi o que aconteceu com José do Egito, como nos narra São João Bosco:

“Um dia os filhos de Jacó tinham levado os rebanhos para longínquas pastagens. Então disse o pai a José: Vai ver se teus irmãos estão passando bem e trazei-me notícias deles. José obedeceu prontamente. Seus irmãos, quando o viram, disseram uns aos outros: Aí vem o nosso sonhador; matemo-lo e atiremo-lo a um fosso. Diremos depois ao pai que uma fera o devorou. Assim havemos de ver de que lhe valem os seus sonhos. Rubem, que era o mais velho, opunha-se a esse criminoso intento e, procurando salvá-lo, disse: Não o mateis; será melhor que o atireis ao fundo desta cisterna abandonada. Assim dizia no intuito de tirá-lo depois e levá-lo ocultamente ao pai. Apenas José chegou, seus pérfidos irmãos caíram-lhe logo em cima, despojaram-no de suas vestes e desceram-no à tal cisterna, isto é, a um poço que, felizmente, não tinha água na ocasião.

“Consumada a iníqua ação, puseram-se a comer e a beber tranqüilamente. Rubem, porém, não conseguiu comer; e muito inquieto, afastou-se, pensando na maneira pela qual poderia salvar seu irmão. Poucos instantes após, passaram casualmente por ali alguns mercadores de Madiã, que se dirigiam ao Egito. A eles foi vendido José por vinte moedas. Foram baldadas as súplicas de José, que pedia compaixão. Eles foram insensíveis aos seus rogos e às suas lágrimas. Tirado da cisterna, foi entregue aos mercadores, que o levaram consigo para o Egito. José contava então 17 anos de idade. (Ano 2276 a.C.).”[2]

O fato todos conhecemos, o que muitas vezes nós esquecemos é que a razão principal do ódio dos irmãos de José era pelo fato de ele ser inocente. Isto os incomodava e não lhes permitia dar vazão a seus crimes enquanto houvesse aquela “barreira”.

Foi precisamente isso que aconteceu com Nosso Senhor. Os fariseus e os Mestres da Lei já não O suportavam mais, pois era tão extraordinária e evidente sua santidade – Ele que é a Santidade em substância – que ou eles o destruíam ou se destruíam a si mesmos. “A sua presença nos incomoda”, diz o salmista.

Aqui temos algumas das características de semelhança entre José do Egito e Nosso Senhor Jesus Cristo:

“José foi acusado por um grande crime; Jesus foi acusado de blasfêmia;

“José era o mais amado do Pai; de Jesus o Pai declarou ‘Este é meu Filho amado’;

“José predisse sua glória futura; Jesus predisse que o veriam sentado à direita do Pai;

“Os irmãos de José conspiram contra sua vida; Os fariseus e mestres da Lei tramam a morte de Jesus;

“José é vendido por 20 moedas; Jesus por 30;

“As roupas de José ficaram tintas de sangue; a Jesus humilharam com uma morte sangrenta numa Cruz;

“José é condenado por Putiphar sem que ninguém o defenda; Jesus também é condenado sem que ninguém tome sua defesa;

“José sofre em silêncio; Jesus sofre todos os tormentos sem abrir a boca;

“José entre dois criminosos prevê a morte de um e a elevação do outro; Jesus crucificado entre dois ladrões prediz a um que estará no Paraíso e o outro morre na impenitência;

“José fica três anos na prisão; Jesus permanece três dias no túmulo;

“José chega à glória depois do sofrimento; ‘É preciso que o Filho do homem sofra para entrar em sua glória’;

“José é feito o senhor da casa do faraó; Jesus é chefe de toda a Igreja e de todas as criaturas.”[3]

Entretanto, José do Egito reconquistou a benquerença de seus irmãos e não foi morto por eles. O que nos faz ver que a maldade dos fariseus e Mestres da Lei que mataram Nosso Senhor era muito maior do que a maldade dos irmãos de José. Mesmo depois de Nosso Senhor ter ressuscitado, os fariseus fizeram de tudo para que o fato ficasse oculto, pois não tinham se convertido.

Mas também, a salvação que Nosso Senhor trouxe a seus irmãos é infinitamente maior e melhor do que a de José do Egito.


[1] GUARRIGOU-LAGRANGE, El Salvador y su amor por nosotros. trad. José Antonio Millán. ed. 2. Madrid: Rialp, 1977. p. 104, 105. Tradução nossa.

[2] São João Bosco, História Sagrada. ed. 12. São Paulo: Livraria Editora Salesiana, 1961. p. 47.

[3] MAITRE, Abbé. Grande Christologie, Le livres des figure prophetique. Paris: F. Wattelier et cie, Libraires, 1873. p. 125,126. Tradução nossa.