O corpo humano e o Corpo Místico: Uma aula de catequese tomista

Redação (16/07/2010, Virgo Flos Carmeli) Singelo, belo e profundo, o relato dos gênesis sobre os sete dias da criação constitui em suas poucas linhas uma verdadeira síntese teológica sobre a natureza humana. O homem, obra que coroou a obra de Deus, modelado pelos próprios “dedos divinos” não foi apenas a mais bela obra-prima escultural da História, mas, sobretudo, o símbolo mais excelente da Igreja Católica.

Ainda que em sua parte inferior, ou seja, o corpo, com sua complexidade e suas funções, desde a constituição das células, do sistema imunológico e nervoso, a perspicácia dos sentidos externos e internos, o verdadeiro universo que é o cérebro humano, tudo isto constitui um conjunto amplo, quase inabarcável. Ainda hoje, apesar do imenso avanço da medicina e da ciência, permanece um sublime mistério. Se esta é a excelência do corpo, que dizer da alma humana?

Com efeito, como ensina o Gênesis, o homem foi criado à “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1, 27), enquanto as demais criaturas visíveis somente à Sua semelhança. A natureza humana é similar a Deus como as demais criaturas por refletir a “bondade” e a “verdade” inerente a todos os seres criados, é o vestigium trinitatis da concepção tomista;[1] mas também, pela alma infusa por Deus, o homem é imagem de Deus pelo fato de conhecer e amar.[2] Com efeito, deste modo de operar – que caracteriza a natureza humana racional e sensível – provém toda a sua excelência e sublimidade, pois lhe faz capaz da vida divina e da relação afetiva e intelectual com Deus. É o que nos faz capazes de ser chamados “filhos de Deus”: somos partícipes da graça divina (Cf. Rm 8, 15-17).[3] Sob outro aspecto, segundo a concepção aristotélico-tomista, tendo o homem corpo e alma, constitui assim um microcosmos, resumo e síntese da criação.[4]

Contudo, o corpo humano, por incrível que pareça, possui uma excelência ainda superior. Deus o criou para refletir o mais alto ser da ordem do universo. Ser esse que, de certo modo, abrange todos os planos da criação, especialmente no tocante aos seres espirituais: Anjos e homens. Esta maravilha feita por Deus é a Igreja Católica Apostólica Romana. O Verbo criou o corpo humano como reflexo desta sociedade espiritual e universal. De fato, que seria do mundo sem a Igreja? Observa Plinio Corrêa de Oliveira que “a religião conseguiu trazer ao mundo, com seus sacramentos, com a graça de que é veículo, e com o admirável apostolado hierárquico da Igreja, uma continuidade de ação santificadora que tem sido a coluna da civilização”.[5] A Igreja é, deste modo, fonte de todas as maravilhas do mundo cristão.

Ora, a Igreja Católica é denominada por São Paulo: “Corpo Místico de Cristo”, Corpus Mysticum Christi, enquanto Cristo é a Caput Ecclesiae (Ef. 1, 22-23).[6] São Tomás de Aquino ensina de modo admirável como a analogia paulina possui pleno valor.

De fato, a cabeça é a mais nobre e elevada parte do corpo humano. Nela está a própria identidade da pessoa, onde se reflete a dignidade, a nobreza e a beleza. A face é a parte mais bela e nobre do corpo, reflete os sentimentos e os anseios da alma, na cabeça estão os olhos, as “janelas da alma”, onde se manifesta de modo especial a parte espiritual do homem”.[7] Assim também, Cristo é a cabeça, parte mais excelente da Igreja. Em consequência da graça de união, ou seja, pela união pessoal com o Verbo divino, Cristo foi em sua natureza humana elevado pela mais excelente graça habitual, para ser em pleno sentido “cheio de toda graça e verdade” (Jo 1, 14). Cristo foi o recipiente mais adequado a todos os favores do Céu. Foi tal a plenitude de graças que Cristo recebeu, que pela sua natureza humana é verdadeiramente a cabeça do Corpo Místico, que é a Igreja. Por esta razão, Cristo homem foi a cabeça da Igreja, tanto pela união pessoal com a natureza divina, sendo caput ecclesiae por sua união hipostática, como também, pela sua natureza humana, aperfeiçoada maximamente em seu operar pela graça habitual. Esta graça habitual era excelentíssima, por ser Cristo mediador de todas as graças dado a sua missão salvífica, pois “de sua plenitude recebemos graça sobre graça” (Jo 1, 16).

A perfeição da cabeça humana também confere valor à analogia tomista. Com efeito, na cabeça do homem estão todos os sentidos externos, a saber: visão, audição, olfato, paladar e tato – enquanto que nos demais membros do corpo, apenas o tato. Além do mais, na cabeça, mais especificamente no cérebro, se encontram todos os sentidos internos, ou seja, a memória, o senso comum e a imaginação, assim como a inteligência, que é o mais alto operar humano. Em Cristo cabeça, esta união pessoal com o Verbo influi toda a excelência de sua natureza humana. Nele havia toda a perfeição de quem possuí a visão beatífica, a qual redunda na máxima fruição de Deus desde sua concepção no seio virginal de Maria. Contudo, também pela graça habitual, Jesus conhecia e amava a Deus de modo perfeitíssimo.

Assim como a cabeça possui pleno poder sobre o corpo e todos os membros do corpo, órgão e glândulas são regidos pela cabeça, ou mais especificamente, pelo cérebro e demais órgãos do sistema nervoso central. Esta ordem emanada pela cabeça humana é, em fração de segundos, transmitida pelos nervos e executadas pelos membros, ainda que inconscientemente, pois vários órgãos do corpo não estão regulados pelo império consciente do homem, mas, mesmo assim, são regidos sem dúvida pela cabeça. Do modo semelhante, porém ainda mais perfeito, também Cristo governa pelo influxo intrínseco seu corpo místico. Através da graça, da qual é mediador, estimula, ordena e age em todos os membros da Igreja segundo a função e o chamado particular de cada fiel, por meio desta graça que “derramou profusamente sobre nós, em torrentes de sabedoria e de prudência” (Ef 1,8).

Marcos Eduardo Melo dos Santos – 2º ano Teologia


[1] “Ergo dicendum quod in hoc ipso quod creatura aliqua habet esse, repraesentat divinum esse et bonitatem eius” (S. Th. I q. 65, a. 2, ad. 1).

[2] Secundum intellectum et rationem, quae sunt incorporea, homo est ad imaginem Dei (S. Th. I q. 3, a. 1, ad. 2).

[3] Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai! O Espírito mesmo dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus. E, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, contanto que soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados (Rm 8, 15-17).

[4] Em São Tomás, minor mundus (S. Th. 1, q. 91, a. 1, resp.).Traduzido do grego Microcosmo, μικροκοσμος, em Aristóteles, (Phys. 8 c.2 n.2). Doutor Plinio Corrêa de Oliveira diz que, o homem é, pois, um microcosmos que compendia “em si, de algum modo, toda a criação, desde o Anjo até a pedra, por ter espírito como os Anjos e ter também em si a natureza animal, vegetal e mineral” (Teologia da História, Iª Série, aula 2).

[5] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plínio. José Dominguez et al (org.). Opera Omnia. São Paulo: Retornarei, 2008. p. 432.

[6] “Ipsum dedit caput supra omnia ecclesiae, quae est corpus ipsius, plenitudo eius, qui omnia in omnibus adimpletur” (Ef 1, 22-23).