Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Fundador dos Arautos do Evangelho
Redação (18/06/2011, Virgo Flos Carmeli) “Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo, que se repartiram e repousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.” (At 2, 1-4)
A maravilhosa cena narrada por São Lucas, nos Atos dos Apóstolos, é dos mais importantes na história da Igreja. Para compreendermos a fundo seu significado, examinemos em que circunstâncias ela se passou.
Estavam os apóstolos preparados para sua sublime vocação?
Qual a situação espiritual dos apóstolos? Era de supor que, após três anos de convívio diário com Nosso Senhor Jesus Cristo, estivessem preparados para a missão que lhes cabia, de firmar e expandir a Santa Igreja. Contudo, não o estavam. Em várias passagens do Evangelho, vemo-los repletos de fragilidades.
Logo após episódios, sermões e milagres impressionantes, não se punham a fazer comentários sobre a grandeza das palavras ou dos gestos do Mestre, mas sim a discutir a respeito de quem seria o primeiro-ministro num suposto reino temporal que, acreditavam, Cristo iria fundar…
Quando Jesus lhes dizia que estavam para se cumprir as profecias a respeito de sua Paixão, Morte e Ressurreição, eles nada entendiam (Lc 18, 31-43), voltando a disputar sobre quem seria o maior (Mc 9, 31-35). A mãe de João e Tiago aproximou-se um dia de Jesus, acompanhada pelos dois filhos, para Lhe pedir que reservasse para eles os dois primeiros cargos do futuro reino (Mt 20, 20-28).
No fim da Santa Ceia, logo após a saída de Judas, houve um diálogo revelador. Depois de Pedro dizer que estava disposto a dar a vida pelo Mestre — declaração que Jesus não aceitou, profetizando-lhe a tríplice negação —, Tomé manifestou sua cegueira sobre os acontecimentos iminentes, e Filipe demonstrou não estar plenamente consciente da divindade de Jesus, pedindo-lhe: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta”. Ao que Nosso Senhor replicou: “Há tanto tempo estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu, viu também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai… Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim?” (Jo 14, 2-10).
Esta era a situação daqueles que Jesus Cristo convocara para serem as colunas de sua Igreja. Não O compreendiam. Por quê? Entre as várias explicações possíveis, três parecem de maior peso.
Em primeiro lugar, o ser humano, debilitado após o pecado original, não tem apetência de elevar as vistas para as verdades superiores. Seu gosto está em voltar-se para cogitações meramente práticas, concretas, atraído pelos aspectos medíocres da vida. Por isso não se dá conta daquilo de grandioso para o qual é chamado. Este problema se coloca de forma mais aguda para quem tem vocação incomum, como ocorreu com os apóstolos: não percebiam que lhes cabia a maior missão da história.
Outra explicação é de natureza psicológica. A sociedade de Israel era bem hierarquizada, tendo no topo a raça dos sacerdotes, e depois toda uma coorte de pessoas vinculadas com o sacerdócio ou a realeza, como os escribas, os fariseus e a classe mais abastada. De outro lado, a Galiléia era uma região desprezada, considerada “bárbara” e ignorante. Ora, os apóstolos eram quase todos galileus e pescadores. Sentiam-se, portanto, em certa inferioridade. Agora lhes aparecia a oportunidade de subirem aos primeiros cargos do novo reino…
Por fim, faltava-lhes um amor ardoroso por Nosso Senhor. Se o tivessem, todo o resto se resolveria. Não adiantava assimilarem a doutrina, nem mesmo ter fé e esperança, pois essas virtudes de nada valem se não são acompanhadas pela caridade.
Nem após a Ressurreição de Nosso Senhor desapareceram essas fragilidades. A incredulidade de São Tomé é exemplo característico. Passou o Senhor entre eles mais quarenta dias, e fez lhes revelações e deu ensinamentos. Não adiantou. Com o que continuavam preocupados?
Com a restauração do reino de Israel…
Ainda no momento da Ascensão, quando o Divino Mestre lhes fala da vinda próxima do Espírito Santo, eis como reagem: “Então os que se tinham congregado, interrogavam-No dizendo: Senhor, porventura chegou o tempo em que restabelecereis o reino de Israel?” (At 1, 6).
A preparação para Pentecostes
Apesar de se encontrarem nesse estado de espírito, a graça divina ia trabalhando suas almas.
Imediatamente antes da Ascensão, Jesus havia ordenado aos apóstolos que não se afastassem de Jerusalém, pois dentro de poucos dias seriam batizados no Espírito Santo. Voltaram, então, para a Cidade Santa, e subiram ao andar superior do cenáculo: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele”.
Conta a Sagrada Escritura que em certo momento São Pedro propôs que se escolhesse alguém para substituir Judas, e “deitaram sortes e caiu a sorte em Matias” (At 1, 26). Nesta passagem temos um dos pontos que é oportuno reter: a posição de São Pedro, que já claramente age como Papa.
Vemos também como os apóstolos conheciam o valor da oração. Por meio dela se preparavam para receber o Espírito Santo. E “perseveraram unanimemente”, ou seja, estavam concordes, e além disso estavam juntos, porque a oração de vários unidos pelo amor de Jesus Cristo e em função d’Ele tem esta promessa: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18, 19).
Estavam recolhidos, modo excelente de preparação para grandes acontecimentos. O próprio Jesus passara 40 dias no deserto, antes de iniciar sua vida pública. Embora não se possa dizer que os apóstolos estivessem melhores do que antes, haviam tomado, assim, uma atitude sapiencial. A graça de Pentecostes será, de algum modo, o desabrochar de uma flor, cuja semente vinha germinando em suas almas. Quer dizer, apesar de essa graça ter sido gratuita, uma iniciativa de Deus, eles, em certa medida, prepararam o caminho para ela.
Por fim chegamos a um ponto fundamental: oravam com Maria. Eis a condição indispensável para receber as graças do Espírito Santo. Como esposa d’Ele, Nossa Senhora deve Lhe ter pedido que descesse sobre os apóstolos. Reunindo-se com a Santíssima Virgem, os apóstolos obtiveram graças que liberaram suas almas dos últimos obstáculos para se beneficiarem com Pentecostes.
A descida do Espírito Santo
Pentecostes era uma das festas tradicionais judaicas. Nela se ofereciam a Deus as primícias das colheitas do campo. Tratava-se de uma das três grandes festas chamadas da “peregrinação”, pois nelas os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo. Os judeus da diáspora (residentes no estrangeiro) designavam-na pela palavra grega pentecosté (qüinquagésimo), por ser celebrada 50 dias depois da Páscoa.
“Estavam todos” presentes no cenáculo, diz São Lucas nos Atos. Era toda a Igreja nascente: cerca de 120 pessoas, entre as quais os 12 apóstolos, os 72 discípulos e as santas mulheres.
Encontravam-se absortos na oração quando se fez ouvir um ruído estrondoso e um vento impetuoso. Em seguida, aparecem pequenas chamas. Segundo uma piedosa e antiga tradição, a primeira língua de fogo — a mais rica — pousou sobre a cabeça de Nossa Senhora, e a partir dela se multiplicou para os outros.
Por que essas manifestações exteriores? Deus quis tornar visível a plenitude que entregava, o ímpeto de amor, a grandeza do dom que descia.
O “vento impetuoso” pode ser visto como a chegada da torrente de graças que estavam sendo derramadas sobre todos os presentes. Eram graças místicas eficazes e superabundantes que “invadiram” o cenáculo.
Além do fenômeno auditivo, e talvez sensitivo, terá havido um certo perfume? A idéia nos parece plausível.
O fogo, feito de luz e calor, era o melhor elemento para simbolizar o ardor próprio à ação restauradora e entusiasmante do Espírito Santo. Ao pairarem sobre as cabeças de Maria e dos demais presentes, as chamas se apresentavam sob a forma de línguas de fogo. Nelas podemos ver simbolizadas as labaredas que a pregação daqueles varões suscitaria.
“… ficaram todos cheios do Espírito Santo”. De Maria a Igreja exclama: “cheia de graça”, e de fato Ela o foi desde o primeiro instante de sua Imaculada Conceição. No cenáculo recebe uma plenitude ainda maior. Nessa passagem dos Atos vemos também os apóstolos, de acordo com suas respectivas missões, serem inundados dos mais especiais dons. Lembraram-se, então, com amor e compreensão, de tudo o que o Mestre lhes ensinara, estando prontos para percorrer o mundo pregando a Boa Nova.
A graça do Espírito Santo muda todos
Conta São Lucas que naqueles dias Jerusalém estava repleta de judeus e gentios vindos de todas as partes da terra. Como o ruído da ventania fora ouvido por toda a cidade, reuniu-se diante do cenáculo “muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua. Profundamente impressionados, manifestavam a sua admiração: ‘Não são, porventura, galileus todos estes que falam? Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?’ (…) Estavam, pois, todos atônitos e, sem saber o que pensar, perguntavam uns aos outros: ‘Que significam estas coisas?’ Outros, porém, escarnecendo, diziam: ‘Estão todos embriagados de vinho doce’.” 2, 5-13) (At
Neste trecho se diz que os apóstolos (como os discípulos e as 2, 4) e, mais santas mulheres) começaram a falar várias línguas (At 2, 6). Não adiante, que cada um os ouvia falar na sua própria língua (At fica claro se falavam uma língua e todos os entendiam, ou se falavam várias. Os exegetas não são concordes a tal respeito. Uma expressão no versículo anterior, “conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”, favorece a segunda hipótese.
São Pedro levantou a voz e disse ao povo: “Homens judeus e vós todos os que habitais em Jerusalém: seja-vos isto conhecido e com ouvidos atentos ouvi as minhas palavras. Estes homens não estão 2, embriagados, como vós cuidais, sendo a hora terceira do dia” (At 14-15).
Ninguém se embriaga às nove da manhã (a hora terceira). Estavam “ébrios”, mas de uma embriaguez divina, e proclamavam a doutrina do Divino Mestre, pronunciando palavras de sabedoria, acerto, glória e repreensão.
“Mas cumpre-se o que foi dito pelo profeta Joel: Acontecerá nos últimos dias…” (At 2, 14).
São Pedro recordou as profecias sobre Cristo. O povo as conhecia e se impressionou, abrindo os corações à conversão. O príncipe dos apóstolos finalizou suas palavras, dizendo:
“A este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos testemunhas. Exaltado pela direita de Deus, havendo recebido do Pai o Espírito Santo prometido, derramou-o como vós vedes e ouvis. Pois Davi pessoalmente não subiu ao céu, todavia diz: O Senhor disse a meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés (Sl 109, 1). Que toda a casa de Israel saiba, portanto, com a maior certeza de que este Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo.”
São Pedro faz aqui, como Papa, a primeira proclamação de um dogma na história: o da divindade de Nosso Senhor.
“Ao ouvirem essas coisas, ficaram compungidos no íntimo do coração e indagaram de Pedro e dos demais apóstolos: ‘Que devemos fazer, irmãos?’ Pedro lhes respondeu: ‘Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vós, para vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus’” (At 2, 37-39).
Terá se convertido a maior parte dos que ouviram São Pedro? Os Atos dos Apóstolos não nos dão elementos para saber. Mencionam, todavia, os que “escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho doce” (At 2, 13). Assim, a mesma graça que convertia a muitos, acabava sendo rejeitada por outros. Também não devem ter sido boas as reações dos fariseus, ao saberem desses prodígios e do início da glorificação pública d’Aquele que haviam feito crucificar.
Foram batizadas três mil pessoas. Em poucas horas, a Igreja passava a contar com pelo menos 3.120 membros. Era o início do apostolado em sistema de “avalanche”, que se multiplicaria quando os apóstolos começassem a fazer milagres. Em breve iam estender a evangelização por todo o mundo antigo, e chegaria um momento em que o Império Romano inteiro estaria cristianizado.
Pedir uma nova efusão de graças
Para iniciar o terceiro milênio da Era Cristã, o Santo Padre quis publicar uma Carta Apostólica, assinada na Praça de São Pedro em 6 de janeiro de 2001. Nesse belíssimo documento, assinalamos o seguinte trecho: “Ao longo destes anos, muitas vezes repeti o apelo à nova evangelização; e faço-o agora uma vez mais para inculcar sobretudo que é preciso reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos invadir pelo ardor da pregação apostólica que se seguiu a Pentecostes. Devemos reviver em nós o sentimento ardente de Paulo que o levava a exclamar: ‘Ai de mim se não evangelizar!’ (1 Cor 9,16)” (Novo Millennio Ineunte, nº 40).
Eis aí indicado o caminho para que neste terceiro milênio a Igreja rebrilhe com uma luz ainda mais fulgurante que nos séculos anteriores: “reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos invadir pelo ardor da pregação apostólica que se seguiu a Pentecostes”.
Festa do amor de Deus, Pentecostes nos traz esta mensagem: devemos ter pela Santa Igreja Católica um amor sem limites, que se traduza em interesse candente por ela, em orações, em obras de apostolado. Se nós, católicos, formos assim, todos os males que afligem o mundo de hoje serão vencidos.
Assim como os apóstolos, perseveremos com Maria Santíssima em oração, pedindo que o Espírito de Caridsade nos infunda aquele amor que lhes abrasou: “Emitte Spíritum tuum et creabuntur. Et renovabis fáciem terrae” — “Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra”. ²