Redação (18/08/2011, Virgo Flos Carmeli) A vida do homem é um contínuo desabrochar da inteligência para realidades novas, a ponto de sempre termos algo a aprender, assimilar, reter. Diversas vezes nos deparamos com um termo, uma expressão, ou uma simples palavra, e não sabemos explicar seu significado; aquilo passa despercebido no meio de tantas outras coisas, e com isso não haurimos esse novo conhecimento, até que aquele vocábulo seja captado novamente por nossos ouvidos, e então o analisemos. Quantas vezes isso não aconteceu conosco, quando nos recordamos que a Igreja de Cristo é chamada de Apostólica! Realmente… por que Apostólica . A resposta é simples. A expressão Apostólica significa que a Igreja tem sua origem em Cristo, por meio de seus 12 primeiros seguidores: os Apóstolos. Ou seja, tudo o que diz respeito ao múnus de santificar, ensinar e governar remonta em linhagem direta aos Apóstolos. Provas disso não faltarão tanto nas Sagradas Escrituras, como na Liturgia e na própria História da Igreja.
Nos Evangelhos
Pouco antes de subir aos céus, o Senhor Jesus enviou seus Apóstolos revestindo-os com o mesmo poder que o Pai lhe enviara: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; […] Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi (Mt 28, 18-20).” A partir daí todos que os ouviam, ouviam a Jesus Cristo e todos que o rejeitavam era ao próprio Deus que o faziam (Cf. Lc 10,16).
Que foram enviados pelo próprio Cristo, Ele mesmo o afirmou: “como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós” (Jo 20, 21). “Os apóstolos nos evangelizaram da parte do Senhor Jesus Cristo. Jesus Cristo foi enviado por Deus. Cristo, pois, por Deus e os Apóstolos por Cristo” [1].
Ora, a missão confiada a eles não é simples, pois Cristo lhes incumbira de pregar o Evangelho a toda criatura (Mc 16, 15), e de dar testemunho d’Ele diante dos governadores e reis (Cf. Mt 13, 9). Tal missão não se poderia extinguir neles, nem permanecer somente nas pessoas deles, por isso Nosso Senhor lhes prometera que permaneceria com eles “todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Diante dessa promessa “como haveria de suceder unicamente com os Apóstolos, cuja condição de homens os sujeitava à lei suprema da morte? A Providência divina havia, pois, determinado que o magistério instituído por Jesus Cristo não ficaria restringido aos limites da vida dos Apóstolos, mas que duraria sempre. E na realidade, vemos que foi sendo transmitido e passou como que de mão em mão na sucessão dos tempos” [2].
Na gesta dos Apóstolos
“Durante sua vida os Apóstolos recorreram a colaboradores para que assumissem algumas tarefas ou para substituírem sua ausência. Numa ou noutra circunstância se vê a prolongação do apóstolo, de seus poderes e de suas funções” [3]. Vemos nisto a ação do Espírito Santo, somada à necessidade dos Apóstolos, de ir promovendo a sucessão apostólica.[4]
Um exemplo disto temos quando Paulo, “impelido pelo Espírito” (At 20, 22), vai a Jerusalém, e antes de partir – prevendo que não tornaria a ver seu fiéis – dirige-se a eles com essas palavras: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastorear a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com o seu próprio sangue” (At 20, 28).
Isso se confirma pelo fato de São Paulo impor as mãos a Timóteo, e encarregá-lo de instruir os fiéis a ele subordinados[5]; e ainda, por ocasião da sua missiva a Tito: “Eu te deixei em Creta para acabares de organizar tudo e estabeleceres anciãos em cada cidade, de acordo com as normas que te tracei” (Tt 1,5). Desse modo, além de instruí-lo a organizar a Igreja de Creta, o Apóstolo lhe incumbe de escolher anciãos para cuidar das outras cidades; “constituíram, pois, tais varões e administraram-lhes, depois, a ordenação a fim de que, quando eles morressem outros homens íntegros assumissem seu ministério” [6]. Com isso fica explicita a transmissão do poder de santificar, ensinar e governar, dado por Nosso Senhor Jesus Cristo aos Apóstolos e que por sua vez foi sendo entregue aos discípulos vindouros, “a fim de que a missão a eles confiada continuasse após a morte deles” [7]. “Depois de pregar por comarcas e cidades estabeleceram suas primícias como epíscopos e diáconos, após os terem examinados…” [8]
Com efeito, os apóstolos não só consagravam os Bispos, mas “ordenavam aos seus sucessores que escolhessem homens próprios para essa função e os revestissem da mesma autoridade confiando-lhes, por sua vez, o cargo de ensinar” [9]. Tal doutrina nós a vemos claramente exposta por São Paulo, ao dizer a Timóteo “o que de mim ouviste em presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis que, por sua vez, sejam capazes de instruir a outros” (2 Tm 2, 2).
No tempo dos Padres da Igreja
Como se deu através dos séculos a sucessão apostólica? Inúmeros autores nos explicam tal fato, em especial Euzébio de Cesaréia [10]: “depois do martírio de Paulo e de Pedro, o primeiro a ser eleito para o episcopado da Igreja de Roma foi Lino” [11], e “depois de exercer o cargo durante doze anos, transmite-o a Anacleto” [12]. Em Jerusalém, após a morte de Thiago, os Apóstolos que ainda estavam vivos se reuniram a fim de elegerem uma pessoa digna de sucedê-lo, e logo chegaram a um comum acordo: Simeão, filho de Clopas[13]. Assim, a conexão com a origem foi se assegurando e sendo transmitida, desde os primórdios da Igreja até os dias de hoje.
A própria liturgia, no prefácio dos Apóstolos, exalta essa ligação direta aos 12 primeiros discípulos do Senhor: “Pastor eterno, vós não abandonais o rebanho, mas o guardais constantemente sob a proteção dos Apóstolos. E assim a Igreja é conduzida pelos mesmos pastores que pusestes à frente como representantes de vosso Filho Jesus Cristo, Senhor nosso”[14].
Desse modo a Igreja “foi e continua sendo construída sobre ‘o fundamento dos apóstolos’ (Ef 2,20), testemunhas escolhidas e enviadas em missão pelo próprio Cristo [15]. Ela, ao longo dos séculos foi conservando e difundindo os ensinamentos de Cristo, formando assim um precioso depósito proveniente das próprias palavras dos Apóstolos. Portanto, na pessoa de seus sucessores – Papa e Bispos – “Ela continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até a volta de Cristo” [16], permanecendo, portanto, tal como Cristo a fundou.
A única Igreja que pode remontar sua genealogia sem que lhe falte um elo sequer, até os Apóstolos e Cristo é a Igreja Católica. Desta forma, como pode um Católico envergonhar-se de sua Igreja? Quem pode andar tão seguro como um Católico, no que diz respeito à doutrina e à legitimidade de seus pastores? Pois como vimos, sua doutrina não é fruto de imaginações supérfluas, nem de farsas enganosas, mas “é a que os Apóstolos pregavam outrora e se espalhou como um germe por toda a superfície da Terra” [17].
José Luís de Melo Aquino
[1] Clemente Romano ad Cor. 42, 1-2. Apud: ETCHEVERRIA, Ramón Trevijano. Patrologia. Madrid: BAC, 1994. “Los apóstoles nos evangelizaron de parte del Señor Jesucristo. Jesucristo fue enviado por Dios. Cristo, pues, por Dios y los apóstoles por Cristo… ”, p. 18.
[2] Leão XIII, carta encíclica Satis cognitum, 29 jun. 1896: AAS 28 (1895-96) p.718.
[3] FUENTE, Eloy Bueno de la. Eclesiología. Madrid: BAC, 1998. p. 191.
[4] A sucessão apostólica é a transmissão aos seus sucessores do “múnus Apostólico de apascentar a Igreja, o qual deve ser exercido perpetuamente pela sagrada ordem dos Bispos” (Cf. LG, 20).
[5] Cesaréia, Eusébio de. História Eclesiástica. Tradução de Wolfgang Fischer. São Paulo: Novo Século, 2002. “Pelo menos sobre Timóteo refere-se que foi o primeiro a ser designado para o episcopado da igreja de Éfeso, assim como Tito, das igrejas de Creta.” (III, 4, 5).
[6] CIC, 861.
[7] LG, 20.
[8] Clemente Romano ad Cor. 42, 4. Apud: ETCHEVERRIA, Ramón Trevijano. Patrologia. Madrid: BAC, 1994. “Tras predicar por comarcas y ciudades establecieron sus primicias, tras probarlos espiritualmente, como epíscopos y diáconos de los futuros creyentes (42,1-4).” p.18.
[9] Leão XIII, carta encíclica Satis cognitum, 29 jun. 1896: AAS 28 (1895-96), p.718.
[10] Mencionaremos apenas alguns para exemplificarmos a fim de não nos estendermos demasiado.
[11] Cesaréia, Op. Cit., III, 2, 1.
[12] Cesaréia, Op. Cit., III, 13, 1.
[13] Cf. Cesaréia, Op. Cit., III, 11, 1.
[14] Missal Romano. 9ª ed. São Paulo: Paulus, 2004. P. 449.
[15] CIC, 857.
[16] CIC, 857.
[17] MARTINIS, Valdomiro Pires, Pe. Catecismo Romano. 2ª ed. Petrópolis: Vozes Limitada, 1962.