“Logo, Tu és Rei!”
Jesus retorquiu:
“Tu o dizes! Eu sou Rei!” (Jo 18, 37)
Redação (08/11/2014, Virgo Flos Carmeli) Tudo que toca na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo tem uma grandeza deslumbrante, pelo simples fato de que Ele é Deus. Mas, de todas as cenas narradas nos Evangelhos talvez seja esta, a do diálogo com Pilatos, a que mais deixa transparecer essa qualidade tão pouco apreciada em nossos dias: a grandeza.
Jesus está numa situação de terrível humilhação. Preso, tratado como um criminoso, de mãos atadas, submetido a todo tipo de vexações, Ele é apresentado na qualidade de réu ao representante de Roma, o maior poder político e militar da época. Pilatos tinha a segurança de quem estava na posição de dominador, com a capacidade de exercer todo o tipo de arbítrio sobre os que lhe estavam subordinados. Até já se tinha tornado célebre entre os judeus por sua crueldade.
Mais quem haveria sido testemunha do fato para fazê-lo atravessar a história? Não o sabemos, e o Evangelho é muito conciso em detalhes. Mas podemos imaginar o assombro de Pilatos, ao ouvir a resposta de Jesus: “O meu Reino não é deste mundo; se meu Reino fosse deste mundo, os meus servos lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu Reino não é daqui.” (Jo 18, 36) Ele percebia que em Jesus havia um mistério que fugia totalmente à sua compreensão humana e que Nosso Senhor dizia a verdade. Ele era de um Reino que não era deste mundo, e era Rei.
Noutras ocasiões os judeus quiseram aclamá-Lo Rei, mas havia recusado, esquivara-Se. Agora, diante de Pilatos, do representante de Roma, declara-Se Rei. Sua atitude pode até causar certa perplexidade. Jesus vinha para uma missão exclusivamente espiritual: libertar a humanidade do pecado, através do sacrifício redentor da Cruz. Por que agora Ele se empenha em declarar sua condição real? Não bastaria afirmar apenas que era o Messias, o Filho de Deus?
Essa declaração marcou o espírito de Pilatos a fundo. Pode-se imaginar a atitude, o olhar e a entonação de voz de Jesus, grave, pausada e serena, ao responder ao tribuno romano. “Tu o dizes, Eu sou Rei!” Nenhum rei desta terra teve tanta majestade, mesmo no auge de sua glória, como Jesus naquela ocasião. Pilatos, por covardia e a contragosto entregou Jesus ao Sinédrio, para ser crucificado. Mas quis por na tabuleta da Cruz as imortais palavras: Jesus Nazareno Rei dos judeus. Era um reconhecimento, covarde, da realeza de Nosso Senhor, de tal forma aquele diálogo o impressionou. Ele não quis escrever que Jesus era condenado por se dizer Filho de Deus, ou Messias (motivo pelo qual o Sinédrio O condenara), ou um grande profeta ou por perturbar a ordem pública com suas pregações. Ele quis acentuar a realeza de Jesus, que tanto impacto lhe causara.
E, de fato, Jesus é Rei no sentido pleno do termo. Ele é o Rei dos reis. D’Ele toda autoridade deriva, como se constata no segundo diálogo com Pilatos: “Nenhum poder terias sobre Mim se não te fosse dado do Alto.” (Jo 19, 11)
Ou seja, é Deus que confere autoridade a todos os que exercem o poder. E uma vez mais, Jesus se declara Rei, embora indiretamente uma vez que Ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de Deus. Todo Universo foi criado por Ele, é Ele que o governa, no fim dos tempos julgará a humanidade no Juízo Final e todos, Anjos e homens, demônios e precitos reconhecerão a sua realeza universal e sua divindade.
Mas, voltemos por instantes à consideração do diálogo com Pilatos. Por que motivo Jesus quis manifestar ali que era Rei de forma a que essa declaração ficasse registrada na narração dos Evangelhos para todo sempre? Para Ele que era Deus, não seria esse um aspecto secundário de sua missão redentora? De sua própria condição divina?
Como Primogênito do gênero humano Jesus Cristo é também o mais perfeito dos homens, o mais belo dos filhos dos homens como afirma o salmista, é o modelo supremo que todos devem imitar. E por isso, Ele, num sentido lato, quis também exercer as principais atividades humanas para sacralizá-las e servir de sublime exemplo a todos. Foi trabalhador manual, em Nazaré, filho submisso, carinhoso e modelar, foi juiz pois julgou os fariseus e doutores da lei, e no fim do mundo julgará o Universo; julgou a mulher adúltera, absolvendo-a; ao mesmo tempo foi advogado dela, tomando sua defesa; foi o mais sublime dos médicos, curando todas as doenças; foi legislador ao promulgar a lei da Nova Aliança; foi combatente quando expulsou pela força, com um chicote trançado com suas próprias mãos divinas, os vendilhões do Templo; manifestou sua divindade ao ressuscitar mortos e ressuscitar-Se a Si mesmo; foi o maior dos profetas não só porque n’Ele se realizava toda a profecia do Antigo Testamento, mas também por ter cumprido as profecias que Ele fez a respeito de Si próprio; Ele é o verdadeiro e único sacerdote, tendo feito o oferecimento de Si próprio ao Pai, pela redenção do gênero humano. Tudo isso Ele fez de modo perfeitíssimo como Homem-Deus. E uma vez que Ele deveria ser o protótipo de toda humanidade não poderia deixar de ser modelo também do mais excelente de todos os ofícios que é de rei.
Há diversas formas de uma pessoa sustentar o título de realeza. Alguns são reis por direito de sucessão. É o caso, por exemplo, da Rainha Elisabeth da Inglaterra. Já há muitas gerações sua família transmite o poder real aos descendentes.
Outra forma seria ainda por direito de conquista. Muito frequente na antiguidade, quando um povo vencia a guerra o seu rei passava a ser rei também do povo vencido. É o caso muito conhecido de Alexandre o Grande, que conquistou povo após povo.
De que modo Jesus Cristo foi rei? Ele o era de todos esses modos apresentados acima; por direito de sucessão por ser da casa de David, embora o poder Lhe tivesse sido tirado e Ele não o tenha exercido. Também naturalmente falando Jesus tinha uma natureza tão superior a todos os outros homens que sua realeza natural é indiscutível. Com efeito, quem pode ser mais inteligente, mais belo, mais forte, mais santo do que Jesus ? Quem poderia superá-Lo na capacidade de suportar a dor? Em todas as qualidades que podem brilhar num homem Ele era o mais perfeito e neste sentido também Ele era Rei.
Mas, mais importante, Ele também era rei por direito de conquista. Com efeito, pela falta de Adão, a humanidade vivia sob a escravidão do pecado, sob o domínio de satanás e estava-lhe vedado o acesso ao Céu. Pelo sacrifício da Cruz, Nosso Senhor resgatou o gênero humano da dívida do pecado, deu aos homens a possibilidade de se tornarem filhos de Deus e poderem fazer parte do Reino de Deus, do qual Jesus é Rei. Por isso, Ele declara a Pilatos: “O meu Reino não é deste mundo.” (Jo 18, 36) Sua realeza, espiritual, e mais efetiva do que a temporal, era sobre o Reino de Deus, de caráter sobrenatural. Compreende-se então que as profecias sobre o Messias falassem de um reino eterno que não seria destruído. (Cf Dn 7, 14; Mq 4, 7)
O Arcanjo São Gabriel na Anunciação renova essa profecia: “darás à luz um Filho […] será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor lhe dará o trono de seu pai David; reinará sobre a casa de Jacó, e seu reino não terá fim. […] Será chamado Filho de Deus.” (Lc 1, 31-33) O primeiro anúncio do nascimento do Messias, feito por um Anjo, refere-se a um Rei, que será Filho de Deus, e seu reino será eterno.
Também os Magos chegaram a Jerusalém à procura do Rei dos judeus que acabara de nascer. (Cf Mt 2, 2) Os sacerdotes e os escribas consultados por Herodes logo vêem que se trata do Messias e citam a conhecida profecia de Miquéias sobre o lugar no nascimento do Salvador: “E tu Belém […] de ti sairá para mim aquele que governará Israel.” (Mq 5, 1)
Ao encontrar por fim o Menino nos braços de sua Mãe tomam uma atitude que não deixa lugar a dúvida sobre a alta condição d’Aquele que procuravam: “Prostrando-se, O adoraram, e abrindo seus tesouros ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra.” (Mt 2, 11)
Como até os mais ínfimos aspectos da vida de Nosso Senhor têm um alto significado, os Padres da Igreja interpretam a tríplice oferenda dos Magos como um reconhecimento da divindade de Jesus, pois o incenso só se queimava para o oferecer a Deus, o ouro era próprio aos reis, pelo seu grande valor, e a mirra por seus efeitos medicinais era mais adequada à natureza humana.
E, embora aos seus discípulos aconselhasse que quem quisesse a primazia fosse o último e servisse aos demais (Cf. Mc 9, 35) e praticasse tal ensinamento, ao lavar os pés dos Apóstolos na Última Ceia, Jesus também não podia negar sua escelsa condição nem os atributos de que estava revestido: era Filho de Deus, descendente de David, Redentor do gênero humano, o Messias prometido.
Seria correto, ao considerar a Pessoa de Jesus, omitir os aspectos que menos nos agradam e só considerar os que nos convém? Por exemplo, só ver o seu lado misericordioso, sempre disposto a perdoar, mas esquecer que nos cobra a emenda de vida, o rompimento com o pecado: “Vai, mas não voltes a pecar” (Jo 8, 11), diz Ele à mulher adúltera.
Estaríamos forjando uma imagem distorcida, falsificada de Jesus. Se só nos comovemos ao ver Jesus que se curva para lavar os pés aos Apóstolos e nos esquecemos que Ele é Rei do Universo, diminuímos o valor do seu gesto e distorcemos a verdadeira figura do Salvador. Ao Lhe prestarmos culto de adoração a que Ele tem direito devemos considerar todos os aspectos de sua adorável Pessoa, sem omitir o que não nos agrad , como por exemplo seu caráter de Supremo Juíz que recompensa os que praticam o bem e pune os que se entregam ao mal.
Por isso, talvez seja particularmente oportuno, ao se aproximar a festa de Cristo Rei, considerar este aspecto tão esquecido e incompreendido de Jesus. Porque em nossa época, em que tanto se exalta a igualdade, mesmo quando ela é injusta, há muita dificuldade em reconhecer e admirar no próximo as qualidades com que Deus o favoreceu e o tornou superior a nós próprios. E quando essa dificuldade está presente, não reina a humildade, mas o orgulho, a soberba. Pode-se dizer, sem receio de errar, que uma sociedade igualitária é uma sociedade orgulhosa, onde não há campo para desenvolver a virtude, nem as qualidades naturais. Porque o orgulho não suporta a superioridade da virtude de quem é humilde, mas quer que todos sejam iguais no pecado. E quem não é capaz de admirar a superioridade do próximo, estará disposto a fazê-Lo em Jesus?
Considerar e adorar Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei é amar n’Ele a excelência de todos os seus atributos, de todas as suas qualidades, vê-lo como o mais excelso e perfeito de todos os homens, o Primogênito do gênero humano, em tudo infinitamente superior a nós, pobres filhos de Eva, tão deformados pelo pecado.
Que grande misericórdia teve Deus para com o gênero humano fazendo nascer o seu Filho entre nós para no-Lo dar como Rei.
Adoremo-Lo como Rei do Universo aqui na terra, para O podermos contemplar e gozar de seu convívio na Eternidade.
José Antonio Gonçalves Dominguez