Redação (12/09/2013, Virgo Flos Carmeli)
1. Vida
São Basílio é o único dos Padres capadócios distinguido com o sobrenome de Grande. O título é justificado por suas extraordinárias qualidades como estadista e organizador eclesiástico, como expoente egrégio da doutrina católica e como um segundo Atanásio na defesa da ortodoxia. Além de ser considerado como o Pai do monaquismo oriental e reformador da liturgia.[1]
São Basílio nasceu cerca de 330, de pais nobres, ricos e piedosos, em Cesareia da Capadócia. A quantidade de santos existentes em sua família é impressionante: seu pai e sua mãe são santos; seu avô foi mártir, sua avó é Santa Macrina a Anciã; seus bisavós eram São Basílio o Ancião, e Santa Emélia; além de três irmãos: Santa Macrina a Jovem, São Pedro, Bispo de Sebaste, e São Gregório, Bispo de Nissa, do qual trataremos mais adiante.[2]
Realizou seus primeiros estudos em Cesareia, com seu pai, seguindo depois para Constantinopla e Atenas, onde encontra São Gregório Nazianzeno, com o qual se unirá em amizade estreita durante os difíceis combates do tempo. Um de seus companheiros de estudo chamava-se Juliano, ao qual, mais tarde, a História dará o triste epíteto de “Apóstata”.
Quando Basílio voltou a Cesaréia, em 356, recebeu o Batismo e o leitorado. Após isto, decidiu vender os seus bens – uma boa quantidade – a fim de levar uma vida solitária. Pouco durou sua solidão, pois um grande número de pessoas se lhe juntaram, a fim de levarem vida monástica. Daí surgiu a instituição monacal basiliana, para qual, junto com São Gregório Nazianzeno, São Basílio comporá duas regras que, juntamente com a de São Pacômio será a base da vida monástica do oriente, como a de São Bento será para o ocidente.
Para tal institucionalização da vida monacal, empreendeu longas viagens: Síria, Palestina, Mesopotâmia, Egito, visitando cenóbios, mosteiros, a fim de deles colher inspiração.
Sua vida monacal, continuada depois destas viagens, foi interrompida em 364 pelo apelo de Eusébio, bispo de Cesaréia, que o chamou para colaborador e conselheiro. Em 370 sucede a Eusébio, tornando-se o exarca da importante diocese do Ponto.[3]
Nesta função procurou de todos os modos, acabar com o arianismo, que vivia uma época de prestigio, graças ao imperador Valente. Este, tomando conhecimento da posição de São Basílio, procurou de todas as formas amedrontá-lo, mas em vão. Primeiro, enviou o prefeito Modesto para ameaçá-lo. Este, após as firmes e inflexíveis respostas de São Basílio, exclamou com arrogância: “Nunca ninguém me falou desta maneira!” Ao que retrucou Basílio: “É porque ainda não te havias confrontado com um bispo!”
Após este fracasso de Modesto, Valente procurou ser mais violento: dividiu a diocese de São Basílio, aumentando o poder dos arianos. Porém, mais que Valente para o mal, o santo bispo de Cesaréia era infatigável para a causa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Neste tempo, as coisas estavam de tal forma no oriente que pouquíssimos bispos ainda se mantinham unidos a Roma. União com Roma: eis uma das grandes missões de São Basílio. Tentou-a através do grande Santo Atanásio, que o ajudou durante pouco tempo, pois sua missão na terra já se realizara sendo chamado à glória de Cristo cuja divindade defendeu durante toda sua vida. Não desistiu o Santo exarca, enviando homens de confiança a um sem número de lugares. Obteve êxito extraordinário, como se verificou no sínodo de Ilíara do ano 375, onde, na presença de Valentiniano, se juntaram muitos bispos ocidentais e tomaram o partido de São Basílio. A partir de então seu prestígio não fez senão crescer, sendo a ocasião perfeita para combater o apolinarismo, o macedonianismo, e o arianismo – este último, segundo a visão de Eunômio.
Entretanto, Deus, em seus insondáveis desígnios, chamou-o a si em 379, quando ele contava apenas 50 anos.[4]
Os frutos de seus esforços logo se fizeram sentir: poucos meses depois de sua morte, num Sínodo de Antioquia, se chegava a uma concórdia entre a Igreja Oriental e Ocidental.[5]
Ao Magno Capadócio, podem se aplicar suas próprias palavras a respeito de Jó: “Campeão imbatível, que suportou violentos assaltos do demônio, semelhantes ao ímpeto de uma torrente, com ânimo imperturbável e com propósito irremovível; e nas tentações tanto se mostrou superior, quanto maiores e árduas apareciam as lutas que empreendeu com o adversário.”[6]
2. Obras
Suas obras são: Contra Eunomio; Sobre o Espírito Santo; Moralia (Τα ήθικά); duas regras monásticas; Ad adolescentes; Homilias e sermões; In Hexaemeron; Homilias sobre os salmos; Comentários sobre Isaías; Alguns outros sermões e um enorme número de cartas.
3. A teologia de São Basílio
3.1. Doutrina Trinitária
Para os redatores do Credo de Niceia, entre os quais Santo Atanásio, não havia a distinção entre Ousía e Hypostasis, o que ocasionou muitas controvérsias. São Basílio foi o primeiro a fazer a distinção: em Deus há uma Ousía e três Hypostasis.
“Para ele ousía significa existência ou existência ou identidade substancial de Deus, enquanto que hipóstase quer dizer a existência de uma forma particular, a maneira de ser de cada uma das Pessoas.”[7]
Tudo isto, servirá de base para o Concílio de Calcedônia (451).
3.2 Cristologia
Quanto à cristologia, São Basílio não fez senão reafirmar e esclarecer o que fora definido em Nicéia. Assim afirmou ele: “Não podemos acrescentar nada ao Credo e Nicéia, nem sequer a coisa mais leve, fora a glorificação do Espírito Santo, e isto porque nossos pais mencionaram este tema incidentalmente.” (Ep. 258,2).[8]
A mesma distinção entre Hipóstases e Ousía, usada para a doutrina trinitária, servirá para a cristologia. Refutando aos partidários do Homoiousios, escreve: “Confesa uma só ousía nos dois [Pai e Filho] para não cair no politeísmo.”[9]
Entretanto, uma das mais importantes distinções que fez, foi sobre o conceito de Relação.
Na polêmica contra Eunômio, o qual afirmava que o caráter próprio da divindade é de ser “não gerado”, São Basílio explica que os nomes Pai e Filho, não definem a essência (Ousía), mas sim a ‘relação’ entre Eles. São Basílio emprega o termo ‘relação’ no sentido que Aristóteles dá em suas categorias. Assim, o nome de homem, mineral, animal, dizem respeito à essência do ser. Já Pai, esposo, escravo, dizem respeito à ‘relação’, pois nenhum homem seria pai sem ter filho, esposo sem esposa, ou escravo sem senhor. Desta forma, dizer que o Filho não é gerado, ou não é eterno, vale a dizer que o Pai nem sempre foi Pai, pois se não havia Filho, esta relação de paternidade, em algum momento não existiu. Cair-se-ia num ciclo vicioso…
Com esta explicitação, São Basílio iluminou toda a teologia trinitária e cristológica com um brilho difícil de ser superado, e desferiu o ‘golpe de misericórdia’ no arianismo.
3.3. A Divindade do Espírito Santo
O Concílio de Niceia, convocado para discutir a doutrina de Ario sobre a divindade do Filho, não enfrentara o problema da divindade do Espírito Santo.
São Basílio defendia a divindade do Espírito Santo de maneira firme, mas prudente. Para não criar rivalidades mais crônicas do que as já havidas com os arianos, e assim causar mais divisões na Igreja, ele afirmava a divindade da Terceira Hypóstasis, com argumentos cautelosos. Afirma que se o Batismo, cuja fórmula foi instituída pelo próprio Senhor Jesus, é realizado em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, significa que este último não é alheio à divindade das outras duas Pessoas. Portanto, o Espírito Santo não é criatura.
A partir desta afirmação, acusaram-lhe de dar ao Espírito Santo uma prerrogativa que é exclusiva do Pai: a de “não gerado”. Isto ocasionou que – alguns afirmam que por primeira vez, antes mesmo de São Gregório Nazianzeno – São Basílio empregasse o termo “procede”, tirado do Evangelho de São João 15, 26, por primeira vez em sentido técnico.
Entretanto, o Espírito Santo não foi declarado explicitamente Deus, pois isto nas Sagradas Escrituras é apenas vislumbrado. Mas a doutrina de São Basílio e dos outros capadócios será a base para o Concílio de Constantinopla, onde a divindade do Espírito Santo será definitivamente expressada.
Digna de menção é esta da passagem de sua obra Sobre o Espírito Santo: “Substância inteligente, de poder infinito, grandeza ilimitada, fora do tempo e dos séculos, em nada ciosa de seus próprios bens. Para ele [Espírito Santo] voltam-se todos os que anseiam pela santificação, para ele se dirigem os anelos dos que vivem segundo a virtude, quantos recebem o refrigério de seu sopro, e são amparados para alcançar o fim adequado a sua natureza. Aperfeiçoa os outros, enquanto Ele mesmo de nada carece. Não é um ser vivo que precise se refazer; ao contrário é provedor de vida. Não aumenta progressivamente, mas logo possui a plenitude; é consistente por si mesmo, está em toda parte. Origem da santificação, luz inteligível, concede por si mesmo certa iluminação a toda faculdade racional, a fim de que descubra a verdade. Inacessível por sua natureza, faz-se, contudo, inteligível, por bondade.”[10]
3.4. Eucaristia
Além de seguir toda a doutrina tradicional da presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo nas espécies do pão e do vinho, São Basílio menciona o costume da comunhão diária e da reserva do Santíssimo Sacramento já naquela época.
3.5. Confissão
São Basílio parece ter sido o primeiro a instituir a confissão auricular. Aconselhava-a, sobretudo, aos monges em relação a seus superiores, ainda que não fossem sacerdotes. Evidentemente, neste caso não era sacramental, mas disciplinar.
Quanto aos que cometiam pecados graves e se preparavam para receber o Sacramento da Reconciliação, “na Epístola canônica (cf. vol.1 p.419s) menciona quatro graus: o estado ‘dos que choram’, cujo posto estava fora da igreja (προίσκλαυσις); o estado ‘dos escutam’, que estavam presentes para a leitura das Sagradas Escrituras e para o sermão (άκρόασης); o estado ‘dos que se prostram’ que assistiam de joelhos a oração (υπόσταση); por último, o estado ‘dos que estavam de pé’ durante todo o ofício, mas não participavam da comunhão (σύστασις).”[11]
Os três primeiros estados duravam três anos, e o último durava dois. Só após este período o pecador poderia ser readmitido na comunidade e na Eucaristia.
Como conclusão São Basílio nos anima a lutar pela fé nestes tempos laicizados: “Estão prontos os preparativos da guerra contra nós. Os espíritos estão aguçados contra nós, e as línguas caluniadoras lançam suas flechas com maior intensidade do que a empregada ao apedrejar Estêvão aqueles que odiavam os cristãos. Mas, não se escondam! Efetivamente, pretexto para a guerra somos nós, mas na verdade o alvo em mira está mais alto. Contra nós, de fato, se preparam os mecanismos de guerra e as ciladas, e estimulam-se mutuamente ao esforço de dar cada qual o que possui em experiência e coragem. Mas é a fé que é combatida. Meta comum de todos os adversários, inimigos da sã doutrina, é abalar o fundamento da fé em Cristo, arrasando, fazendo desaparecer a Tradição Apostólica.”[12]
Por Rodrigo Fujyama
[1] Cf. QUASTEN. Patrología II. p. 224.
[2] Cf. DROBNER. Manual de Patrologia. p. 276; MONDIN, Battista. Dizionario dei teologi. p. 99.
[3] Cf. ALTANER; STUIBER. Patrologia. p. 293.
[4] Cf. LLORCA; G.ªVILLOSLADA; LABOA. Historia de la Iglesia Católica: Edad Antigua. 7.ed. BAC: Madrid, 2005. p. 462.
[5] Idem.
[6] S. BASÍLIO MAGNO. Homilia sobre Lucas 12, Homilias sobre a origem do homem, Tratado sobre o Espírito Santo. Tradução de Roque Frangiotti e Monjas Beneditinas. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 25.
[7] Apud QUASTEN. Patrología II. p. 252.
[8] Idem, p. 251.
[9] Idem, p. 254.
[10] SÃO BASÍLIO MAGNO. Op. Cit. p. 115.
[11] QUASTEN. Patrología II. p. 259.
[12] SÃO BASÍLIO MAGNO. Op. Cit. p. 117-118.