Redação (01/07/2010, Virgo Flos Carmeli) São Paulo foi o eco fiel d’Aquela voz, que com uma só palavra era suficiente para fazer o Universo inteiro estremecer. Em Atenas, cidade-estado localizada no sudeste da Grécia, esse eco se fez ouvir. O objeto de sua pregação nesse lugar? O de sempre, “Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1 Cor 1, 23), mas, desta vez sob o pretexto do Deus desconhecido.
O ressoar, ou melhor, o ribombar das palavras do Apóstolo vibram ainda hoje, quando nos deparamos com as entusiasmantes linhas do livro dos Atos dos Apóstolos. Nesse livro, vemos que o portador da Verdade de Cristo, veio pregar em Atenas a doutrina ortodoxa que respondia inúmeras dúvidas, e batia de frente contra incontáveis pensamentos filosóficos carregados pelos gregos desde o surgimento da filosofia. De certa maneira ele foi o primeiro a dar início ao “batismo” da filosofia pagã.
O que se passou ali? Ao ver a cidade de Atenas entregue à idolatria, o seu coração encheu-se de amargura, e enquanto esperava Silas e Timóteo, aproveitou para disputar nas sinagogas contra os judeus e prosélitos, e nas praças contra todos os que ali se encontravam. (cf. At. 17,16-17). Até que alguns filósofos epicuristas e estóicos, “tomaram-no consigo e levaram-no ao Areópago[1], e lhe perguntaram: Podemos saber que nova doutrina é essa que pregas? Pois o que nos trazes aos ouvidos nos parece muito estranho.” (At 17, 19-20).
Quem eram esses epicuristas e estóicos? A escola de Epicuro foi a primeira das grandes escolas helenísticas.[2] Assim como os epicúrios, os estóicos nasceram em Atenas no fim do séc. IV a.C. A escola de Estoá (palavra que significa pórtico, que acabou dando o nome à escola), tornou-se posteriormente a mais famosa da época helenística. Seu fundador foi um jovem de raça semítica, Zenão, nascido em Cício, na ilha de Chipre, por volta de 333/332 a.C.[3] Eram duas escolas filosóficas rivais, até então muito em voga, os estóicos, que professavam um panteísmo materialista, penetrados de una elevada idéia do dever e aspirando a viver de acordo com a razão, indiferentes ante a dor, e os epicúrios, também materialistas, entretanto menos especulativos, que colocavam o fim da vida na busca do prazer.[4]
Ao tomarmos nota da pregação de São Paulo no Areópago, ficamos com a impressão de que ele – seja por ação do Espírito Santo ou não – já conhecia quais eram as teorias de ambas as escolas, pois ele argumentou contra as principais idéias e “preencheu” diversos “vãos” – que, aliás, se encontra em todas as filosofias heterodoxas – quase impreenchíveis apenas com a luz da razão, dos filósofos seguidores de Epicuro e Zenão.
Assim começou sua pregação: “Homens de Atenas, em tudo vos vejo muitíssimo religiosos. Percorrendo a cidade e considerando os monumentos do vosso culto, encontrei também um altar com esta inscrição: A um Deus desconhecido. O que adorais sem o conhecer, eu vo-lo anuncio!” (At 17, 22-23). E continua: “o Deus, que fez o mundo e tudo o que nele há, é o Senhor do céu e da terra, e não habita em templos feitos por mãos humanas” (At 17, 24). Ao anunciar isso, ele evidencia a existência de um só Deus Verdadeiro, Criador e Princípio de todas as coisas. Já quando declara que Ele não habita em templos feitos por homens, de forma tácita indica: esse mesmo Deus é Puríssimo Espírito. Assim fica lançada por terra o materialismo dos epicuristas e estóicos, pois segundo Epicuro: “além dos corpos e do vazio tertium non datur, porque não seria pensável nada que exista por si mesmo e não seja afecção dos corpos”.[5] Já para os Estóicos, o ser “é só aquilo que tem capacidade de agir e sofrer” [6], isto é, apenas o corpo. No que diz respeito ao princípio de todas as coisas, essa última escola garantia: “o fogo é o princípio que tudo transforma e tudo penetra; o calor é o princípio sine qua non (imprescindível) de todo nascimento, crescimento e, em geral, de toda forma de vida.” [7] E por fim, para pôr os “pontos finais” nessa questão, São Paulo pronuncia: “é ele quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas.” (At 17, 25).
Epicuro afirmava que os deuses não se ocupam com os homens, apesar de dizer que o nosso conhecimento vem por “simulacros” ou “eflúvios”[8] provenientes deles.[9] Qual a resposta do Apóstolo a esse pensamento? “Procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está longe de cada um de nós. […] Nós somos também de sua raça…” (At 17, 27-28).
Seu timbre eloquente prossegue: “Porquanto fixou o dia em que há de julgar o mundo com justiça, pelo ministério de um homem que para isso destinou.” Como Deus estabeleceu o dia em que vai julgar o mundo se ele é, de certa maneira, eterno? Provavelmente essa era a pergunta estava na mente de alguns estóicos. Esses sustentavam a teoria da “apocatástase”, ou seja, diziam que “no dia fatídico final dos tempos haverá a ‘conflagração universal’, uma combustão geral do cosmo”,[10] mas, à destruição do mundo se seguirá que tudo nascerá novamente exatamente como antes.
Depois de admoestá-los a respeito do juízo, se refere à ressurreição. Mas, quando o ouviram falar sobre isso, alguns começaram a zombar… Para os discípulos de Epicuro, que considerava a morte apenas como a dissolução da alma e do corpo,[11] falar sobre uma ressurreição dos corpos seria absurdo. E disseram: “A respeito disso te ouviremos outra vez” (At 17, 32). Assim saiu Paulo do meio deles (At 17, 33).
Ele teve que se retirar, no entanto, saiu vitorioso, pois: “todavia, alguns homens aderiram a ele e creram: entre eles, Dionísio, o areopagita, e uma mulher chamada Dâmaris; e com eles ainda outros” (At 17, 34). O Apóstolo dos gentios colocou, assim, em prática a seguinte máxima de Epicuro: “É vão o discurso do filósofo que não cure algum mal do espírito humano”.[12]
Lucas Alves Gramiscelli – 2º ano de Teologia
[1] Areópago: lugar onde, segundo a lenda, haviam-se reunido os deuses para julgar a Marte, e onde, em tempos antigos, eram realizadas as sessões do tribunal supremo de Atenas. Cf. TURRADO, Lorenzo. Biblia Comentada: Hechos de los Apóstoles y epístola a los Romanos. 2 ed. BAC: Madrid. 1975. p. 179.
[2] Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. Tradução: STORNIOLO, Ivo. 3 ed. São Paulo: Paulus. 2007. p. 259.
[3] No entanto, essa escola formou-se também pela ação ulterior de dois outros filósofos além de Zenão, são eles: Cleanto de Assos e Crisipo de Sôli, ao qual devemos a sistematização da doutrina. Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Opus. Cit. p. 279.
[4] Cf. TURRADO, Lorenzo. Opus cit. p. 178.
[5] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Opus cit. p. 264.
[6] Idem. p. 284.
[7] Idem. p. 285.
[8] Simulacros e eflúvios são palavras usadas por Epicuro para tentar designar, em sua teoria do conhecimento, os objetos que causam impacto de fluxos de átomos em nossos sentidos, causando assim a sensação.
[9] Ibidem. p. 266.
[10] Ibidem. p. 287.
[11] Ibidem. p. 270.
[12] Idem. p. 247.