Será que Deus tem mãe?

Redação (26/03/2014, Virgo Flos Carmeli) Essas assombrosas palavras foram proferidas por Nestório, então Patriarca de Constantinopla, em meados do ano de 425. E não apenas isso, ele ousou dizer, no púlpito da Catedral de sua sede, no Natal de 428 que “chamar à Virgem Mãe de Deus seria justificar a loucura dos pagãos, que dão mães a seus deuses.

         Também recusava-se ele de chamar Deus o menino Jesus, entre outras pérfidas idéias que defendia. E qual o motivo dessas blasfêmias?

         Foi ele o pai de uma heresia que, levada às suas últimas conseqüências pelos seus desvarios. Insistia ele que em Nosso Senhor havia duas naturezas, sim, mas também duas pessoas, e que a natureza divina d’Ele “habitava” na pessoa humana de Cristo, como alguém que habitasse em um templo, ou como um vestido que fosse intimamente unido a uma pessoa, sem que fizesse um com ela.

         Daí tirava ele a conclusão de que a maravilha acontecida na gruta de Belém, onde Maria Santíssima deu à luz O Verbo Eterno, era um simples fato humano, que não tinha participação na divindade. Ela não podia ser chamada Mãe de Deus, mas sim mãe da pessoa humana de Cristo.

         Essa é uma doutrina perigosa, porque com base nela pode-se destruir  a doutrina da Redenção, pois leva a negar que foi Deus quem morreu em resgate pelo gênero humano, e dessa maneira os méritos da Paixão de Nosso Senhor não seriam infinitos.

         E qual foi a solução para esse problema? Deus suscitou, para esmagar essa heresia, São Cirilo de Alexandria, chamado pela Igreja “o teólogo da encarnação. Ele cunhou o feliz termo de união hipostática, para explicar como Deus se uniu à natureza humana no momento da virginal concepção da Santa Virgem. Assim, podemos dizer que o Verbo de Deus tem dois nascimentos: um eterno, quando gerado pelo Pai, e um outro no tempo, sendo concebido pela Virgem.

         Eis algumas de sua palavras:

         “Com efeito, não nasceu antes, da Santa Virgem, um homem qualquer, sobre o qual depois desceria o Verbo, mas se diz que (O Verbo), unido desde o útero materno, assumiu o nascimento carnal… Por isso, (os Santos Padres não duvidaram chamar a Santa Virgem Deípara (Mãe de Deus).” (D 251)

         Graças à intervenção de São Cirilo, essa heresia pôde ser condenada no Concílio de Éfeso, que também é chamado o Concílio de Maria, porque nele se proclamou, com grande júbilo para todo o povo cristão da época, o principal dogma mariano: o da maternidade divina, em vista do qual Maria Santíssima recebeu todos os seus inúmeros privilégios como, por exemplo, o da Imaculada Conceição.

         E os louvores a esse privilégio não cessaram com o Concílio. Os mariólogos não se cansam de explicitar novas doutrinas para honrar Maria enquanto Mãe de Deus.

         Nos dizem eles, por exemplo, que uma vez que Nossa Senhora, como todas as mães, subministrou uma natureza semelhante à sua ao Divino Menino por Ela gerado, pode ser chamada Mãe de Cristo.

         Ora, se Cristo é verdadeiramente Deus, chamá-La Mãe de Cristo é chamá-La Mãe de Deus, porque, assim como uma mãe não gera a alma de seus filhos, mas sim a natureza, Nossa Senhora não é chamada Mãe de Deus porque gerou a natureza divina do Verbo, mas porque gerou, segundo a humanidade, a divina pessoa do Verbo.

         E uma vez que o sujeito da geração e da filiação não é a natureza, mas a pessoa, a divina pessoa do Verbo foi unida à natureza humana, subministrada pela Virgem Santíssima, desde o primeiro instante da concepção. Logo, Maria concebeu realmente e deu à luz segundo a carne à única pessoa que existe em Cristo, a segunda da Santíssima Trindade, portanto, deve ser chamada Mãe de Deus.[1]

         Assim, podemos dizer com exultação, juntamente a Santo Agostinho: Caro Christi, caro Mariae; A carne de Cristo é a carne de Maria.

         Tão excelso é esse dom dado por Deus a Ela, que São Tomás não hesita em afirmar que a dignidade Dela enquanto Mãe de Deus é de certo modo infinita:

         “A humanidade de Cristo, por estar unida a Deus; a bem aventurança dos eleitos, que consiste na fruição de Deus, e a Bem-Aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm certa dignidade infinita em virtude do bem infinito, que é o próprio Deus.

         E um de seus mais colendos comentaristas, o Cardeal Caietano, escreve sem vacilar:

         A Bem-aventurada Virgem Maria chegou aos confins da divindade com sua própria operação, já que concebeu, deu à luz, engendrou e alimentou a Deus com seu próprio leite.[2]

         E esse privilégio da Santíssima Virgem foi convenientíssimo para nós, uma vez que Deus, tomando a natureza humana em uma mulher, ou seja, uma pessoa criada, e unindo-a de modo intimíssimo a Deus, da mesma forma que a natureza humana de Nosso Senhor se acha unida a Deus também do modo mais íntimo possível leva a pessoa humana a ser exaltada, na Virgem Santíssima, ao mais alto grau que se possa imaginar, a ponto de resvalar no infinito.[3]

Alessandro Cavalcante Scherma Schurig


[1] Fr. Antonio Royo Marín, Teologia de la perfección cristiana, B.A.C., Madrid, 1968, p.89. apud Pequeno ofício da Imaculada conceição comentado. Mons. João Clá Dias,  Artpress, São Paulo, Sp, 1997, p.366

[2] Fr Royo Marín, op. cit. p.101-102 apud Pequeno ofício da Imaculada conceição comentado. Mons. João Clá Dias,  Artpress, São Paulo, Sp, 1997, p.373

[3] Pe Roschini apud Pequeno ofício da Imaculada conceição comentado. Mons. João Clá Dias,  Artpress, São Paulo, Sp, 1997, p.371.