Somos católicos, apostólicos e plenamente romanos

Redação (16/10/2013, Virgo Flos Carmeli)

Creio na “Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica”. Eis uma das mais belas profissões de fé existentes em todo o Credo, pois vemos realizada nela um designo querido pelo próprio Pai Celeste, como afirma seu Filho bem amado: “Eu te glorifiquei na terra. Terminei a obra que me deste para fazer” (Jo 17, 4). Entretanto, esta Divina Instituição abrange todo o orbe terrestre, ou seja, católica; como então ousamos delimitá-la apenas ao âmbito romano?

 

Prepara-se uma linda festa de aniversário e convidam vários conhecidos para comemorar e participar da mesma alegria. Em certo momento, constata-se uma realidade: está faltando um parente muito amado! Qual é o pai ou uma mãe de família que gostaria que seus filhos não estivessem consigo em seu aniversário? Que seus filhos não lhe dessem importância alguma ou, até mesmo, que nem lhe comunicassem o porquê da ausência? Seria uma falta imperdoável, se o pedido de perdão não viesse acompanhado com um presente inegável!

De todos os pais criados por Deus, nenhum se compara ao Pai Incriado. Pois esses são apenas desdobramentos das qualidades paternas existentes no próprio Deus, ou, também, das afetuosidades maternas. É por isso que Ele quer que todos nós estejamos unidos sob sua proteção e benignidade, “participantes da mesma esperança, reservada para nós como herança” (cf. Ef 1, 18). Deste modo, “o Pai de todas as consolações” (Cor 1, 3) nos deu, por meio de seu Filho, o meio mais eficaz de gozar de sua alegria e alcançar a eterna salvação: a Santa Igreja Católica. Pois, como afirma São Paulo: “Rogo ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê um espírito de sabedoria que vos revele o conhecimento dele; que ilumine os olhos do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que ele reserva aos santos, e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos a fé. É o mesmo poder extraordinário que ele manifestou na pessoa de Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o sentar à sua direita no céu, acima de todo principado, potestade, virtude, dominação e de todo nome que possa haver neste mundo como no futuro. E sujeitou a seus pés todas as coisas, e o constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu corpo, o receptáculo daquele que enche todas as coisas sob todos os aspectos” (Ef 1, 17-23).

Entretanto, o que vem a ser a palavra Igreja? A este respeito, esclarece-nos S. Tomás de Aquino: “importa saber que a palavra Igreja significa congregação. Santa Igreja é o mesmo que congregação dos fiéis. Cada cristão é membro dessa Igreja, da qual foi dito: ‘aproximai-vos de mim, ó ignorantes, e congregai-vos na casa da instrução.’ (Eclo 51, 31)”[1] E quem é que nos instrui? É o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo: “Ele é nosso Deus; nós somos o povo de que ele é o pastor” (Sl 94, 7); e de Si mesmo, afirma: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor expõe a sua vida pelas ovelhas.” (Jo 10, 11)

A Santa Igreja, com efeito, é a obra prima do Verbo de Deus, o qual afirmou aos seus discípulos: “edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18), declarando, com isso, ser ela obra apenas sua, não competindo a nenhum outro, dado que até as bases dela são de sua própria exclusividade, como afirma São Paulo: “quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo” (I Cor 3, 11). E em outro lugar: “já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor”. (Ef 2, 19-21)

Se nossos progenitores humanos desejam que seus filhos não estejam excluídos da sua herança, participem da mesma felicidade, reunidos sob o mesmo vínculo da caridade, por outro lado, e com muito mais razão, “Deus quer a realização do seu plano salvífico e redentor, no seu querer benevolente de reunir todos os seus filhos que estavam dispersos” (cf. Ef 1, 8-9).

Que grandeza insondável é esta de ser chamados de filhos de Deus, como exclama São João: “vede que grande presente de amor o Pai nos deu, de sermos chamados filhos de Deus, e nós o somos” (I Jo 3, 1). Pois fazemos parte da Igreja de Cristo, e por isso, podemos dizer com toda a segurança e ufania: somos filhos desta Santa Igreja, estamos inseridos na família de Cristo, “porque somos membros de seu corpo” (Ef 5, 30); espalhados por todos os quatro cantos da Terra: “a vossa fé foi anunciada por toda parte” (Rm. 1, 8); possuidores da herança apostólica: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica” (DH 994); e autenticamente romanos.

Mas como assim: romanos? Qual o significado disto e sua importância, como hoje nós mencionamos, se esta afirmação não consta no credo?

É verdade! Contudo, a esta pergunta responderemos com uma outra: Nosso Senhor Jesus Cristo ascendeu aos céus, enquanto que a missão da Igreja permanecerá até o fim do mundo… quem, então, governará a Barca de Cristo em sua ausência?

No Evangelho de São Lucas encontramos o seguinte episódio da vida de Cristo: “Estando Jesus um dia à margem do lago de Genesaré, o povo se comprimia em redor dele para ouvir a palavra de Deus. Vendo duas barcas estacionadas à beira do lago, – pois os pescadores haviam descido delas para consertar as redes -, subiu a uma das barcas que era de Simão e pediu-lhe que a afastasse um pouco da terra; e sentado, ensinava da barca o povo” (Lc 5, 1-3). Nesta passagem vemos como o Divino Mestre escolheu a barca de Pedro em relação à segunda que junto dela se encontrava à margem do lago de Genesaré, simbolizando que guiaria a Igreja através de seu Apóstolo. E esta convicção estava patente nos seus sucessores como veremos agora. “Pois – como afirma Santo Inácio de Antioquia – a todo aquele que o dono da casa envia para administrá-la, é preciso que o recebamos como se fosse aquele que o enviou. Está claro, portanto, que devemos olhar o bispo como o próprio Senhor.”[2] Santo Inácio de Antioquia, em suas sete cartas, frisa muito a realidade de que, mais do que aos outros, devemos primeiro obedecer ao bispo, pois foi a ele que Deus designou como nosso guia:

“Convém caminhar de acordo com o pensamento de vosso bispo, como já fazeis. Vosso presbítero, de boa reputação e digno de Deus, está unido ao bispo, assim como as cordas à cítara. Por isso, no acordo de vossos sentimentos e na harmonia de vosso amor, vós podeis cantar a Jesus Cristo. A partir de cada um, que vos torneis um só coro, a fim de que, na harmonia de vosso acordo, tomando na unidade o tom de Deus, canteis a uma só voz, por meio de Jesus Cristo, um hino ao Pai, para que ele vos escute e vos reconheça por vossas boas obras, como membros do seu Filho. É proveitoso, portanto, que estejais em unidade inseparável, a fim de sempre participar de Deus. De fato, se em pouco tempo contraís com vosso bispo tanta familiaridade que não é humana mas espiritual, tanto mais eu vos felicito por estardes unidos a ele, assim como a Igreja está unida com Jesus Cristo, e Jesus Cristo com o Pai, a fim de todas as coisas estejam de acordo na unidade. Que ninguém se engane: quem não está junto ao altar está privado do pão de Deus.”[3]

Por altar, entende ele, sinal de comunhão na Igreja, a exemplo do que ocorre na Eucaristia. Assim afirma o Bispo de Antioquia: “Preocupai-vos em participar de uma só eucaristia. De fato, há uma só carne de nosso Senhor Jesus Cristo e um só cálice na unidade do seu sangue, um único altar, assim como um só bispo com o presbitério e os diáconos. Desse modo, o que fizerdes, fazei-o segundo Deus.”[4] É muito marcada a nota de unidade encontrada nos escritos de santo Inácio, incentivando a união entre o bispo e os fiéis, aliança esta, realizada no sacramento que é o próprio Redentor, vinculado na mais excelente das virtudes: a caridade. Assim, demonstra, ele, que todas as igrejas estejam em comunhão com os seus respectivos bispos, e estes prelados sejam fiéis àquele que principalmente preside na caridade.

Escutemos, então, as milenares palavras de são Clemente I, o 3º Sumo Pontífice após São Pedro, que procurava resolver uma polêmica ocorrida na igreja de Corinto, na região da Ásia, no final do séc. I: “A Igreja de Deus que vive como estrangeira em Roma, para a Igreja de Deus que vive como estrangeira em Corinto. […] Irmãos, pelas desgraças e adversidades imprevistas, que nos aconteceram uma após outra, acreditamos ter demorado muito para dar atenção às coisas que entre vós se discutem”.[5] Com estas linhas de sua carta, encontramos a resposta da pergunta feita acima, pois Cristo não nos abandonou, mas a governa, rege e instrui através dos sucessores de São Pedro, como está escrito: “Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19), e mais adiante: “eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).

Em virtude disto, Santo Inácio de Antioquia dá o exemplo, e, com solene respeito, escreve ele à Igreja de Roma, quase como que genuflexo, reconhecendo a sua superioridade apostólica:

“Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que recebeu a misericórdia, por meio da magnificência do Pai Altíssimo e de Jesus Cristo, seu Filho único; à Igreja amada e iluminada pela bondade daquele que quis todas as coisas existem, segundo fé e amor dela por Jesus Cristo, nosso Deus; à Igreja que preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do Pai; eu vos saúdo em nome de Jesus Cristo, o Filho do Pai. Àqueles que física e espiritualmente estão unidos a todos os seus mandamentos, inabalavelmente repletos da graça de Deus, purificados de toda coloração estranha, eu lhes desejo alegria pura em Jesus Cristo, nosso Deus.”[6]

Santo Inácio, pois, estava em pleno acordo com o que depois diria o Magistério Eclesiástico na pessoa do Papa Paulo VI: “Estes mesmos católicos, porém, devem confessar que, por um dom da misericórdia divina, pertencem a esta Igreja que o Cristo fundou e que é dirigida pelos sucessores de Pedro e dos outros Apóstolos […] patrimônio perene de verdade e de santidade desta mesma Igreja.”[7]

Em verdade, há muitos bispos na Igreja de Deus, mas Ele mesmo quis que houvesse uma “única unidade” – se assim poderemos dizer – pois, entre os Doze primeiros príncipes eclesiásticos, escolheu o Divino Mestre um que fosse a cabeça de todos: “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 18, 16). Entretanto, houve na história, uma heresia que causou um cisma na unidade da Igreja, a qual ocasionou uma descrença por parte de alguns bispos, na autoridade de São Pedro. O prelado de nome Máximo e outros aderiram a este erro, o pelagianismo, mas depois se retrataram, escrevendo à Santa Sé, no séc. III, um documento que se tornou oficial do Magistério: “na Igreja, pois, não ignoramos que há um só Deus, um só Senhor, o Cristo, o qual confessamos, um só Espírito Santo; que deve haver um só bispo [preposto] na Igreja católica.” (DH 108) E já no séc. V, o Papa Bonifácio I declara:

“A instituição da nascente Igreja universal tomou início no múnus honorífico do bem aventurado Pedro, no qual está seu governo e ápice. Da sua fonte fluiu, à medida que crescia a veneração da religião, a disciplina eclesiástica em todas as Igrejas. As disposições do Concílio de Nicéia não testemunham outra coisa, a tal ponto que não ousou definir nada sobre ele, vendo que era impossível propor algo acima do seu mérito, pois sabia, afinal, que o tudo lhe era concedido pela palavra do Senhor. É certo que esta Igreja romana é, para as Igrejas espalhadas pelo orbe inteiro, como a cabeça de seus membros: quem dela se desliga seja banido da religião cristã, já deixou de estar inserido nela.” (DH 233)

“Portanto, formaremos uma porção santa, praticando tudo o que santifica […]. De fato, foi dito que ‘Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede a graça aos humildes’. Unamo-nos, portanto, aos que receberam a graça de Deus […];”[8] estes são os conselhos do Papa São Clemente I aos que foram promotores da discórdia na Igreja de Corinto, pois tinha ele bem claro o papel da responsabilidade universal, aqui na terra, do supremo Vigário de Cristo, como demonstra o Papa Silício, no séc. IV: “Levamos o peso de todos os que estão sobrecarregados; mais ainda, leva-o conosco o bem-aventurado apóstolo Pedro, que em tudo, conforme acreditamos, nos protege e defende enquanto herdeiros do seu ministério…” (DH 181). E, por isso São Clemente I conclui: “Mas se alguns não obedecerem àquilo que por ele [Cristo] é dito através de nós, saibam que serão implicados numa culpa e num perigo não pequeno; nós porém seremos inocentes desse pecado”.[9]

Portanto, a Igreja é única e universal, e cabe à de Roma a primazia sobre as demais – não que existem várias Igrejas de cada região, mas uma só, visto que assim é dito para nos facilitar a compreensão. Logo, a Sé de São Pedro rege todas as outras, e por isso não duvidemos e nem vacilemos de designarmo-nos romanos, pois dela emana o amparo, o verdadeiro ensino e o incontestável farol que nos guia, “como casta luz para os meus passos e uma lâmpada luzente em meu caminho” (Sl 118, 105), e afirma santo Agostinho: “São Pedro é o timoneiro de todos os santos”[10]; e escrevendo como pastor da Igreja de Hipona declara: “A Igreja Católica africana, que está unida e comunga com a transmarina [Igreja Romana]…”[11]; além de ser forte escudo no combate contra os seus inimigos em toda a face da Terra, visto que “o cristianismo, ao ser odiado pelo mundo, mostra que não é obra de persuasão, mas de grandeza”.[12] E a qual, Cristo Jesus prometeu: “as portas do Inferno não poderão vencê-la” (Mt 16, 8). E Santo Tomás de Aquino ao comentar esta passagem explica: “É como que dissesse: poderão lutar contra ela, mas não vencê-la.”[13]

Portanto, quando afirmamos sermos católicos, apostólicos e romanos, alegamos uma realidade superior que transcende nossa compreensão, e não vacilemos naquilo que nos ensina a “Casa da Instrução”, pois é o Senhor que nos instrui, através de seu Apóstolo, como ocorreu no Concílio de Calcedônia em 451, ocasião na qual os padres conciliares afirmaram: “Pedro falou pela boca de Leão”. Visto que dele é a única fonte onde poderemos nos saciar com águas límpidas e salutares, como nos ensina o Doutor Angélico:

“Só a Igreja de Pedro, ao qual coube a missão de anunciar o evangelho a toda a Itália, foi sempre firme na fé. Enquanto em outros lugares a fé não existia, ou existe mesclada com muitos erros, na Igreja de Pedro ela se mantém pura. Isto não deve causar admiração, pois o Senhor mesmo declarou a Pedro: ‘Roguei por ti, para que tua fé não desfaleça’ (Lc 22, 32).”[14]

 Por Matheus Costa Agra


[1] TOMÁS DE AQUINO. Exposição sobre o credo. Trad. Armindo Trevisan. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006. pág. 87.

[2] INÁCIO DE ANTIOQUIA. Epístola aos efésios. 6, 1. In: S. Ch. 10 bis. p. 63.

[3] INÁCIO DE ANTIOQUIA. Epístola aos efésios. 4, 1-2; 5, 1.In: S. Ch. 10 bis. p. 61.

[4] INÁCIO DE ANTIOQUIA. Epístola aos filadelfienses. 4, 1. In: S.Ch. 10 bis. p .123.

[5] CLEMENTE I. Epístola aos coríntios. 1.1. In: S. Ch. 167. p. 99.

[6] INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos romanos. 1. In: S. Ch. 10 bis. p.107-109.

[7] PAULO VI. Encíclica Ecclesiam suam. 6 ago. 1964. In: ASS 56 (1964), n. 629.

[8] CLEMENTE I. Carta aos coríntios. 30.1-3. In: S. Ch. 167. p.149.

[9] CLEMENTE I. Carta aos coríntios. 59, 1-2. In: S. Ch. 167. p.195.

[10] AGOSTINHO. Tract. S. Ioannes. 127, 5. 7. In: Obras completas. v. 23. Madrid: BAC, 2009.

[11] AGOSTINHO. Cartas. 141, 6. In: Obras completas. v. 11. Madrid: BAC, 2009.

[12] INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos romanos. 3, 3. In: S. Ch. 10 bis. p.111.

[13] TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., p. 87.

[14] Loc. cit.