Um milagre que se repete há séculos

Redação (19/09/2011, Virgo Flos Carmeli) Ninguém até hoje conseguiu explicar esse prodígio que se repete anualmente diante de milhares de assistentes na Basílica de San Genaro, em Nápoles. Uma ampola de cristal protegida por um relicário metálico contém uma certa quantidade de sangue coagulado de San Genaro que se torna líquido em determinados dias do ano, em geral na véspera do primeiro domingo de maio, na festa do Santo, 19 de setembro, e no aniversário da erupção do Vesúvio, 16 de dezembro.Napoli._Il_sangue_è_vivo
Os fiéis lotam a igreja nessas ocasiões. Um sacerdote coloca sobre o altar o relicário e gira-o vagarosamente, para demonstrar que a massa enegrecida está completamente solidificada e aderente ao cristal. Nesse momento, um grupo de senhoras — conhecidas como “parentes de San Genaro” — inicia a recitação de uma ladainha de louvor ao Santo. Durante essas preces, que duram um tempo indeterminado, o ministro de Deus continua girando o relicário. O clima, obviamente, é de grande expectativa.

Um fenômeno não explicável pela ciência humana

De repente, os assistentes mais próximos notam que a massa contida na ampola começa a se alterar e, em pouco tempo, transforma-se num líquido espesso. O sacerdote prossegue girando o relicário, para deixar ver que a massa sólida se liquefez toda e não está mais colada ao cristal. Verificando que o sangue está inteiramente liquefeito e borbulhante, o “deputado” da Comissão do Santuário (formada por doze leigos) faz com um lenço o sinal de reconhecimento do milagre. O sacerdote, então, anuncia solenemente:
— O milagre aconteceu!
A multidão de fiéis expressa seu júbilo e fé com aplausos, orações e cânticos. Entoa-se o Te Deum e formam-se imensas filas de pessoas que desejam oscular o relicário.
Todas as tentativas de encontrar uma explicação natural para esse fenômeno fracassaram. E as rigorosas investigações feitas excluem qualquer possibilidade de fraude. A Igreja não se opõe a que essas investigações prossigam.
O sangue, tanto em estado líquido como sólido, ocupa normalmente só a metade da ampola. Mas durante várias liquefações seu volume aumenta progressivamente até enchê-la por completo. Este aumento de volume acarreta um acréscimo de peso. Entre o peso mínimo e o máximo, já se registrou uma diferença de 27 gramas. Além disto, ao tornar-se líquido, o sangue se aquece, tomando a temperatura de sangue recém-derramado.
Os testes realizados por cientistas confirmam unanimemente que se trata de sangue humano. Um desses testes, efetuado com uso de espectroscópio, conduziu à conclusão de que é sangue arterial.

Pelo seu zelo, recebeu o prêmio do martírio

De San Genaro — como, aliás, de quase todos os santos dos primeiros séculos — a História registra poucos fatos. Era ele Bispo de Benevento, ao sul da Itália, durante a última grande perseguição contra os cristãos, decretada por Diocleciano, em 305. Indo freqüentemente aos cárceres prestar assistência aos cristãos, foi também preso e condenado pelo crime de proclamar a Fé católica, e decapitado juntamente com seis filhos espirituais seus.
Narra a tradição que, segundo o costume da época, uma piedosa cristã recolheu imediatamente um pouco de sangue do bispo mártir, numa ampola a ser colocada junto de seu túmulo.
Enquanto sua gloriosa alma subiu logo ao Céu, seu santo corpo passou por curiosas vicissitudes. Permaneceu sepultado na vizinha cidade de Pozzuoli até o século VI, quando seus ossos foram transportados para as catacumbas de Nápoles, hoje conhecidas como Catacumbas de San Genaro.
No século IX, o Duque de Benevento, usando o “argumento” da força, levou essas santas relíquias para sua cidade. Porém, como toda a Península Itálica era campo de contínuas guerras, elas foram guardadas no famoso mosteiro beneditino de Monte Virgem, mais protegido dos assaltos e saques.
Ali permaneceram esquecidas por vários séculos. Em 1497, o Cardeal Carafa, Arcebispo de Nápoles, teve notícia de que os monges de Monte Virgem haviam redescoberto os ossos do Santo e iniciou tratativas para sua devolução. Como seu irmão, Oliviero, era também cardeal e, além disto, protetor do mosteiro de Monte Virgem, foi fácil conseguir do Papa uma ordem de restituição das relíquias.
Mas os monges se negaram a cumprir a ordem!… Então o Cardeal Carafa cercou o monte com suas tropas, decidido a tomá-lo de assalto. Diante de tão categórico “argumento”, os religiosos cederam. Temendo ser enganado, o Cardeal fez celebrar uma Missa, durante a qual obrigou os monges a jurarem sobre a Sagrada Eucaristia de que eram verdadeiramente de San Genaro os ossos que estavam entregando.
Esses ossos foram colocados sob o altar-mor da Catedral de Nápoles, onde permanecem até hoje.

E o sangue, qual é sua história?

A esta pergunta do correspondente da Revista Arautos do Evangelho, responde Mons. Vincenzo de Gregório, Abade-Prelado da Capela do Tesouro de San Genaro, em Nápoles:
“Sobre o sangue, não temos nenhum documento antigo a não ser a partir de 1389. É uma crônica na qual se relata que em Nápoles acontece o prodígio do sangue que se liquefaz. Supõe-se que esse documento, originário da Sicília, já existia antes de 1389. Desde quando? Ninguém pode dizê-lo.
“A única coisa que remonta à época de San Genaro é a forma da ampola. Do ponto de vista arqueológico, ela tem uma forma típica de uma ampola do século IV.”
“As investigações científicas levam a considerar que dentro dessa ampola há sangue humano. Isto é o que se conclui do exame de espectroscopia, que é atualmente o exame mais adequado.”
Mas como garantir que esse sangue é realmente de San Genaro?
“Este é um motivo de séria reflexão”, responde Mons. Vincenzo. “Esse sangue sempre foi considerado de San Genaro, e, portanto, perde-se na noite dos tempos a tradição oral que mantém esta relação. De outro lado, é verdade que existia o costume de guardar o sangue dos mártires. Há, pois, fundamentos históricos para tomar como segura a tradição popular.”

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Entre o Santo e seus devotos, uma relação de confiança e afeto

Para os napolitanos, o sangue de San Genaro tem um significado muito especial. Diz Mons. Vincenzo: “Até há pouco tempo, todas as orações eram feitas em dialeto napolitano, numa atitude muito familiar do povo com seu Patrono. A relação entre o povo de Nápoles e o San Genaro dos milagres é de uma grande confiança, de afeto. É preciso dizer que essas orações e invocações são feitas com um conteúdo doutrinário e teológico absolutamente correto.”

Momento de grandíssima emoção

Mons. Vincenzo narra como ele próprio presenciou o milagre pela primeira vez:
“Foi um momento de grandíssima emoção, em maio de 2001. Estávamos na Catedral, junto ao altar-mor. Nessas circunstâncias, o Abade-Prelado fica sempre ao lado do Cardeal. Passaram-se duas horas, e o sangue não se liquefazia. Não podendo esperar mais tempo, disse-me o cardeal: ‘Amanhã cedo recomeças as orações, para ver se a liquefação se realiza’.
“Comecei então a tirar do pescoço do Cardeal o cordel no qual se amarra a ampola por motivo de segurança. No momento exato em que eu passava o cordel para meu próprio pescoço, a relíquia estalou em salpicos e comecei a ver o líquido sobre o qual flutuavam pedaços de coágulos que pouco a pouco se foram dissolvendo.
“Ecco!… São momentos emocionantes, sobretudo porque o sangue nunca se liquefaz desta maneira!
“Às vezes é como um bloco de pudim que desliza pelas paredes, começa a lançar um líquido semelhante a um soro e finalmente se dissolve todo. Outras vezes, fica inteiramente líquido, como um copo de vinho tinto com um pouco de espuma
“Comigo, porém, na primeira vez, produziu-se um salpicamento no interior e depois, pouco a pouco, começaram a flutuar coágulos… São momentos de grande emoção!”

A Capela do Tesouro de San Genaro

Mons. Vincenzo fornece muitos outros dados interessantes.
No ano de 1527, em conseqüência de um voto feito a San Genaro para obter a cessação de uma grande epidemia que havia matado cerca de 60.000 pessoas, decidiu-se construir uma nova igreja para abrigar as preciosas relíquias. A construção, porém, iniciou-se somente em 1608. A inauguração deu-se 40 anos depois.
Para o serviço litúrgico desse Santuário, a prefeitura requereu à Santa Sé a concessão de um organismo litúrgico próprio, com clero autônomo, desvinculado da jurisdição do Cardeal de Nápoles. Esta precaução se justificava pelo fato de, na época, a autoridade temporal do Reino de Nápoles estar nas mãos de um vice-rei, dependente do Rei de Espanha.
A Santa Sé concedeu. Assim se constituiu para o serviço litúrgico do Santuário um Colégio de Prelados, em tudo similar ao dos Cônegos da Catedral. O Abade-Prelado tem o privilégio de usar cruz peitoral, anel, mitra, etc.
Este Santuário pertence à cidade de Nápoles e é administrado por uma comissão de doze membros (“deputados”), dez da nobreza e dois do povo.

O sangue dos mártires, símbolo do Sangue Eucarístico

A pedido do representante dos Arautos, Mons. Vincenzo envia uma mensagem pessoal a nossos leitores:
“Em minha opinião, o vínculo de amizade e amor que nos une a Deus no Sangue Eucarístico, encontra um fortíssimo símbolo no sangue dos mártires.
“Neste caso concreto, é um sangue muito vivo e, portanto, dá o motivo de uma fé viva, que segue brotando, manando. Absolutamente, o sangue é uma mensagem de fé. É a eternidade de Deus que continua a irromper.”

Guillermo Asurmendi